MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

16/12/2014

“Michael Kohlhaas” e a mentira convertida em ordem universal

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“… Lutero enviou ao príncipe eleitor da Saxônia uma carta na qual revelava ao soberano, depois de uma amarga menção aos senhores Fulano e Beltrano, camareiro e copeiro de Wenzel von Tronka[1], que se encontravam à volta de sua pessoa e que havia, conforme todo mundo sabia, desconsiderado sem mais a queixa, usando da franqueza que lhe era característica, que, sendo tão terríveis as circunstâncias, não restava outra coisa a fazer a não ser aceitar a sugestão do comerciante de cavalos e lhe conceder anistia pelo que havia ocorrido, retomando seu processo. A opinião pública, observou ele, estava do lado daquele homem de um modo altamente perigoso (…) as coisas facilmente poderiam escalar a um grau em que nada mais se conseguiria fazer usando apenas o poder do Estado. Concluiu dizendo que nesse caso extraordinário era necessário deixar de lado os escrúpulos de não negociar com um cidadão do Estado que apelara às armas, que o mesmo de certo modo havia sido colocado fora dos vínculos estatais através do procedimento que lhe havia sido imposto; e que, em resumo, para sair da questão, seria necessário considerá-lo antes uma força estrangeira que atacara o território, o que aliás parecia adequado na medida em que se tratava de fato de um estrangeiro, e não de um rebelde que se levantara contra o trono.”

(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 16 de dezembro de 2014)

No ano em que sua versão cinematográfica é exibida no Brasil, Michael Kohlhaas (1810) ganhou duas novas traduções: a de Marcelo Backes (Civilização Brasileira) e a de Marcelo Rondinelli (Grua).

A novela de Heinrich von Kleist (que se suicidou aos 34 anos, em 1811) tem como protagonista “um dos homens mais honestos e terríveis da sua época”[2] (o século XVI). Ao tentar atravessar, como sempre fizera, a propriedade do fidalgo Wenzel von Tronka, o comerciante de cavalos é surpreendido com a exigência de documentos, deixando como penhor dois animais (com um servo). Descobrindo, em Dresden, que fora enganado, ao voltar constata que seu servo fora ignominiosamente expulso e que seus belos cavalos foram usados (de uma maneira que os depauperou) no arado. Não obtendo satisfação do fidalgo, primeiramente ele tenta as chamadas vias legais com petições rejeitadas após longa demora (o judiciário é controlado por parentes de Von Tronka, cortesãos chegados ao Príncipe da Saxônia); quando começa a se impacientar, sua leal esposa toma as rédeas do assunto, com resultados fatais; daí então, vendendo suas propriedades e colocando os filhos sob proteção, Kohlhaas se torna um chefe justiceiro, espalhando o terror.

Kleist delineia o paradigma supremo de um comportamento recorrente, que podemos conferir em Coração Valente ou na série Desejo de Matar (com Charles Bronson), ou em todas as manifestações que mexeram com o nosso país (e outros países) em tempos recentes[3]: a exigência da justiça, do cumprimento da lei, através de uma ação que não se conforma com o moroso (e sobretudo tortuoso) protocolo judiciário, e que por isso invariavelmente descamba para o banditismo e para a violência: a pretensa ordem social é posta em questão, e o protesto acrescenta mais um elemento ao caos[4]. Kohlhaas começa, ele próprio, a afixar mandados em que determina a entrega do fidalgo fujão (depois que o vingador arrasou seu castelo) e congrega atrás de si uma multidão de descontentes e desocupados, muitos deles dignos do epíteto “escória”—aliás, um dos asseclas prejudicará muito a causa do comerciante.

Se o lado épico do relato (o assalto de Kohlhaas a vários burgos e seus informes à população, baseados no seu direito à reparação, ele colocando o mundo pelo avesso) já é possante, o momento em que o herói (de caráter complexo), graças ao salvo conduto, negociado por Lutero e que garante sua liberdade (e que no entanto lhe será de precária valia), permanece em Dresden novamente aguardando por uma ratificação oficial e judicial dos seus prejuízos, alça Michael Kohlhaas a uma das maiores obras-primas já escritas. Um tanto porque a exigência do “homem honesto e terrível”, da maneira como dá azo a trâmites bizarros (e incidentes narrativos inesquecíveis), beira o absurdo (no que este tem de cômico e inquietante): ele quer os mesmos cavalos que deixara com o fidalgo, devolvidos ao seu estado físico original; e outro tanto porque cada vez fica mais claro que, no presumível estado de direito, “a mentira se converte em ordem universal, como formulou um admirador incondicional de Kleist, Franz Kafka, um século depois (em O Processo).[5]

   Exemplo de absurdo também é a atitude do Príncipe da Saxônia: deixando a administração dos negócios públicos tornar-se insustentável e arbitrária, à mercê da incúria e da injustiça de cortesãos intrigantes e ciosos dos seus privilégios, sua obsessão é recuperar o vaticínio de uma cigana sobre o futuro da sua linhagem nobre, e que foi parar na mão de Kohlhaas. A tentativa de entrever os caminhos da Providência acrescentando outra pitada de tempero ao desconcerto do mundo.

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TRECHO SELECIONADO

“Entrementes, o príncipe eleitor da Saxônia, entregue a seus pensamentos lastimáveis, havia convocado dois astrólogos, chamados Oldenholm e Olearius, que eram muito respeitados na Saxônia na época, e pedido seu conselho acerca do conteúdo do misterioso bilhete, tão importante para toda sua estipe e sua descendência; os homens, depois de uma investigação profunda, que durou  vários dias, na torre do castelo de Dresden, não conseguiram entrar em acordo sobre se a profecia dizia respeito a séculos tardios ou se referia aos tempos atuais, e se talvez a coroa polonesa, com a qual as relações continuavam assaz hostis, estava incluída nos termos e assim, devido àquela disputa entre sábios, em vez de amenizar a inquietude, para não dizer o desespero em que se encontrava o infeliz soberano, apenas tornou o sentimento ainda mais agudo, fazendo-o aumentar a um grau que era totalmente insuportável para sua alma (…) o príncipe eleitor, o coração cheio  de desgosto e arrependimento, foi se trancar em seu quarto como alguém que estivesse completamente perdido, e lá ficou durante dois dias, cansado da vida, sem tomar qualquer alimento, até que no terceiro dia depois de um breve anúncio  ao palácio do governo de que viajaria até o príncipe de Dessau para caçar, desapareceu de Dresden repentinamente. Para onde ele foi, e se de fato chegou a ir a Dessau, deixaremos em aberto, na medida em que as crônicas a partir das quais contamos, comparando-as, nesse ponto se contradizem e se anulam de modo bem estranho.”

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NOTAS

[1] Acredito haver um erro de revisão nessa passagem: Fulano e Beltrano são camareiros da Corte e não do fidalgo Von Tronka, seu parente.

[2] Utilizo a tradução de Backes, contemplada com o Prêmio Paulo Rónai, pela Biblioteca Nacional.

[3] Reconheço que são exemplos desencontrados e arbitrários, mas todos podem evocar outros.

[4] Conforme (no Posfácio de sua tradução) nos diz Marcelo Backes “…Kohlhaas é, antes de mais nada, um John Locke obrigado a pegar em armas, um filósofo liberal de espada na mão. Abandona o pacto social, que não lhe concede a satisfação legal que lhe é devida, e busca o direito natural do ser humano.”

[5] Ainda seguindo a linha de argumentação de Backes, “…Seu caso [o de Kohlhaas] desde o princípio não tem saída, e em determinado momento as coisas inclusive começam a andar por si...”,  mostrando que o imperativo épico (a necessidade e a possibilidade de ação de um herói) já se encontra ferido de morte, o que desaguará nas fábulas kafkianas.

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03/12/2014

O TUDO-NADA DA EXPERIÊNCIA: “A Obra em Negro”, de Marguerite Yourcenar

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(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 16 de junho de 1998)

Se 1968 é o ano que ainda não terminou, como quer o título de um livro de sucesso, uma das razões, para quem gosta de literatura, é que há trinta anos, em meio àquela época de contestação e rebeldia, publicou-se uma das maiores, mais contestatórias e rebeldes obras de ficção do século XX: A obra em negro (L´oeuvre au noir, em tradução de Ivan Junqueira), embora o romance de Marguerite Yourcenar só tenha aparecido naquele momento em virtude de uma querela judicial que se arrastava desde 1965.

A obra em negro é a história de Zênon, filho bastardo dentro de uma abastada família flamenga, que deixa Bruges, sua terra natal, após matar numa briga o aprendiz de artesão Perrotin, tornando-se com os anos um famoso (e para a Igreja, herético) médico, filósofo e alquimista, na linha de Leonardo, paracelso, Giordano Bruno.

Na primeira parte, A vida errante, após um perfil de Zênon aos 20 anos, a grande escritora belga (de expressão francesa) acaba mostrando-o quase sempre de viés, mais como um objeto da opinião pública, que especula a respeito de suas várias transgressões, em meio a mentiras, boatos e distorções. Conhecemos também, paralelamente, a trajetória de algumas pessoas ligadas a Zênon: sua mãe, Hilzonda, que morre num cerco aos anabatistas, rebeldes religiosos; seu primo, Henri-Maximilien, que abandona a família para engajar-se em qualquer guerra…

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É no capítulo “Conversa em Innsbruck” que conhecemos o Zênon já maduro, resultado das viagens e perseguições, enfim, de uma vida precária e ameaçada. E a princípio não se tem certeza de que se pode simpatizar com um tipo tão opiniático, tão lúgubre e amargo, tão consumido pela experiência.

Se a primeira parte já é interessante, com seu painel do século XVI, onde se vive, grosso modo, o conflito entre o Catolicismo e a Reforma Protestante, A obra em negro cresce vertiginosamente (e também a figura de Zênon, que passa a ocupar o primeiro plano quase que exclusivamente) nas duas outras partes, A vida imóvel e A prisão. O belo filme de André Delvaux, com um notável Gian-Maria Volonté no papel central, concentra-se mais nesse ponto da história, muito menos movimentado, porém mais denso: Zênon decide voltar clandestinamente a Bruges, estabelecendo-se como o médico Sebastian Theus, de certa forma protegido pelo compassivo prior dos franciscanos, Jean-Louis de Berlaimont (que foi admiravelmente encarnado por Sami Frey na versão cinematográfica). Depois da morte do prior, por causa de confusões sexuais de noviços no mosteiro, acaba nas mãos da Inquisição, sentenciado à fogueira, da qual escapa pelo suicídio.

Da vida imóvel de Zênon emerge o grande tema das maiores obras de Yourcenar, na minha opinião: o tudo-nada que é a experiência. Ela nos descreve a experiência da vida da forma mais detalhista, para depois nos mostrar a sua dissolução e a sua negação. É o que faz Zênon,  no abismo (título do capítulo-âmago do romance), experimentando os limites do corpo e da mente, de forma que, em meio aos resíduos do que ele viveu e pensou e sentiu, ele consegue roçar o não-ser.

A ironia é que, engajado nessa experiência de superação dos limites da nossa condição, ele se vê ao mesmo tempo enredado (no sentido mesmo da vítima na teia de aranha), num contexto histórico que não deixa muitas saídas para quem não professe um dogma ou pertença a um partido, a uma determinada associação. Tendo escolhido uma existência sem laços, Zênon sempre será o suspeito, o dissidente, o que traz em si o princípio da negação, embora dele se diga: “por estar mais familiarizado com o procedimento que consiste em negar tudo—para depois ver se em seguida se pode reafirmar alguma coisa—e, em desfazer tudo—para ver depois tudo se refazer em outro plano ou de outra forma…”

Ou como ele mesmo diz, é preciso morrer um pouco menos tolo do que quando se veio ao mundo.

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21/10/2014

O DRÁCULA DE LÚCIO CARDOSO

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“Meus caros amigos—disse o mestre—, creio que é bom explicar com que espécie de inimigos temos de tratar. Os vampiros existem. Tivemos a prova. Sem falar no desgraçado exemplo desses últimos tempos, achamos a evidência no passado. Não pudemos salvar a nossa pobre amiga, mas podemos, no entanto, prevenir outras desgraças.

    O nosferatu não morre, como a abelha, da sua própria mordida, mas vive, e ganha uma nova força. O vampiro que conhecemos tem a força de vinte homens reunidos. Ele ainda se vale da necromancia que significa, como a etimologia da palavra indica, a ciência dos mortos; e todos os mortos de que ele se aproximou obedecem ao seu comando. É um verdadeiro demônio. Pode tomar certas aparências e desaparecer como a nuvem. Como agir para destruí-lo? Onde apanhá-lo? A tarefa é rude, a luta pode ser trágica. Eu estou velho; mas eu, que importa, no entanto vocês, que são moços, ousariam afrontá-lo?”  (trad. Lúcio Cardoso)

(uma versão da resenha abaixo foi  publicada originalmente m A TRIBUNA de Santos, m 21 de outubro de 2014)

Com a estreia (esta semana) de Drácula- A História Nunca Contada, temos mais um capítulo da incessante retomada do mais famoso morto-vivo da cultura ocidental, desde a publicação (1897) do romance original do irlandês Bram Stoker, que, aos 14 anos foi para mim leitura apaixonante, daquelas de não largar o livro até terminá-lo. Com minha pouca experiência à época, o que fazia o relato ainda mais absorvente era a sua construção através dos diários e da correspondência dos personagens principais.

Ao longo dos anos, apesar de alguns filmes notáveis, nunca assisti a nenhum de fato fiel—o mais próximo, inclusive pelo título, foi o inventivo (e muito belo) Drácula de Bram Stoker (1992), de Coppola, e mesmo assim acrescentaram uma improvável ligação amorosa (um lance de almas unidas para além da morte!) entre o vampiro e a heroína da história, Minna Harker.

A Civilização Brasileira relançou uma tradução de Lúcio Cardoso[1] (que nasceu no ano da morte de Stoker, 1912) de 1943 (quando foi publicado Dias perdidos, a meu ver seu melhor romance): Drácula- O Homem da Noite.

Mais uma vez, e conhecendo à exaustão a história, li sem trégua, do começo ao fim, tão competente é o trabalho do escritor mineiro (que pode ser lido hoje sem sobressaltos, até pela moçada cuja iniciação ao mundo vampiresco se deu com a saga Crepúsculo—mesmo os anacronismos de expressão soam deliciosos: Mas não arrebite o narizinho, prometo não fazer tisanas”). Só me decepcionei, como saldo dessa nova leitura, com todos os personagens, inclusive sumidades científicas como Van Helsing e o alienista Seward, narrando do mesmo jeito das leigas donzelas Minna e Lucy, vítimas (a segunda delas, de forma fatal) de Drácula. Não se observa a mínima diferença intelectual nos registros, arrolam-se sobretudo ações e reações, e no final mesmo os cientistas parecem mais aventureiros de seriado.

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Fazendo uso de outra tradução à mão (a de Theobaldo de Souza, pela L&PM, também publicada pelo Círculo do Livro), verificamos a raiz do problema: na verdade, Lúcio Cardoso fez uma condensação do texto, tão pouco fiel a ele na letra (apesar de manter o “espírito”) quanto as inúmeras adaptações para o cinema[2]. Já era de estranhar o volume com 250 páginas, quando outras edições apresentam o dobro. Comparando as versões, constatamos a ausência de cinco capítulos, a supressão de parágrafos e trechos inteiros. É bem mais do que simplesmente “traduzir de forma peculiar”, como se afirma na orelha: “Esta singularidade justificou, para a presente edição, a escolha de interferir o mínimo possível nas decisões vocabulares e sintáticas do tradutor; ora, reduzir para 250 páginas um texto de 550 não é somente uma decisão vocabular e sintática, convenhamos! E há pelo menos um erro flagrante. No início do capítulo 6, Minna relata: “Fui apanhar Lucy e a mãe na gare”. É justamente o contrário: “Lucy me esperou na estação” (mais lógico, se é a narradora quem vai ficar como hóspede na casa da amiga).

O aspecto menos defensável é o já citado nivelamento levado a cabo pelo autor de Crônica da Casa Assassinada (1959), um dos nossos romances mais cultuados. Pois Stoker cuidou para que cada personagem tivesse seus traquejos de linguagem: por exemplo, as referências literárias, o estilo protocolar e administrativo de Jonathan Harker, que inicia a história ao chegar ao castelo de Drácula na Transilvânia (tornando-se seu prisioneiro), para os trâmites da aquisição de propriedades na Inglaterra; cortou-se a referência de que parte do relato do Seward é gravada num fonógrafo (às vezes quem usa esse recurso é Van Helsing); foi suprimida a correspondência entre os três pretendentes da trágica Lucy, que torna crível a união posterior (com os laços de amizade mais fortes do que a rivalidade amorosa) para caçar o vampiro. Em Drácula-O Homem da noite esse pacto surge de forma abrupta e esquisita; também a nota final que arremata a narrativa não dá o ar da graça.

Para se ter uma ideia mais precisa da simplificação efetuada, um trecho do diário de Minna: “Meus homens voltaram na hora do jantar, todos muito fatigados, tentei diverti-los do melhor modo possível. Depois do jantar, pediram-me que voltasse para o quarto sob pretexto de fumar um cigarro. Sei muito bem o que tudo isso quer dizer. Quis evitar uma nova insônia e pedi ao dr. Seward para me dar um ligeiro soporífero. Ele próprio preparou a poção” (e termina assim). Na versão de Theobaldo de Souza: “…à hora do jantar, quando voltaram, estavam muito cansados. Fiz o que estava a meu alcance para reanimá-los, e creio que tal esforço me fez bem, visto como esqueci completamente a minha própria fadiga. Depois do jantar, eles me mandaram ir para a cama. Disseram-me que iam fumar, mas eu sabia perfeitamente que se reuniram para trocar impressões a respeito das ocorrências do dia. Percebi, pela atitude de Jonathan, que ele guardava segredo de alguma coisa importante que agora iria compartilhar. Eu, entretanto, não estava sentindo bastante sono. Por isso, antes de recolher-me, pedi ao dr. Seward que me desse um sonífero qualquer, pois não dormira bem na noite anterior. Ele, solicitamente, preparou uma poção que me fez tomar, dizendo que não me prejudicaria em nada, pois a dose era bastante fraca. Agora, porém, continuo aguardando os efeitos do remédio, que me parecem cada vez mais distantes. Espero não ter feito nada de errado, porquanto, sempre que o sono se aproxima, um novo temor me faz estremecer. Talvez tenha sido tolice minha privar-me assim de poder despertar a qualquer instante. Quem sabe se isso não será necessário? Aí vem Sua Majestade, o Sono. Boa noite!”[3]

Feitas as contas, por falta de advertência editorial mais séria, o Drácula de Cardoso é relevante (e ótima leitura), com valor próprio (e nisso não vai a menor condescendência)[4] porém ainda menos Bram Stoker do que o de Coppola, e mais enganoso.

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NOTAS

[1] Essa publicação faz parte do  relançamento da obra (inclusive seu trabalho como tradutor) do autor mineiro por essa casa editorial. Drácula- O homem da noite foi originalmente publicada em O Cruzeiro, informação que devo à Denise Bottmann.

[2] Após ter escrito (e enviado) o texto acima, comprei a mais recente tradução, realizada por José Francisco Botelho (Penguin/Companhia das Letras, 2014) e lá descobri que o próprio Stoker realizou uma condensação para uma edição popular, em 1901.  Pergunto-me se  não foi um exemplar dessa versão que caiu nas mãos de Cardoso. O que me leva à seguinte conclusão: por que a Civilização Brasileira não demonstrou o menor cuidado em contextualizar a versão que publicou?  Por que descuraram de um mínimo aparato informativo-crítico, tão necessário?

[3] Na versão de José Francisco Botelho:

“Ele [Jonathan Harker} e os outros estiveram na rua a maior parte do dia e chegaram muito cansados, na hora da ceia. Fiz o possível para alegrá-los e acho que o esforço me fez bem; por algum tempo,  esqueci minha própria exaustão. Após a ceia, mandaram-me para a cama e saíram para fumar juntos—ao menos, é o que me disseram. Mas sei que, na verdade, pretendiam contar uns aos outros o que haviam feito durante o dia; pela expressão de Jonathan, notei que ele tinha algo de importante a comunicar. Apesar do cansaço, eu não tinha sono. Antes que se retirassem, expliquei ao dr. Seward que não dormira bem na noite anterior e pedi que me desse algum tipo de narcótico. Com muita gentileza, ele preparou uma dose de sonífero. Disse que eu podia bebê-la sem medo, pois era muito suave e não me causaria nenhum mal… Tomei o remédio e estou esperando pelo sono, que continua distante e indiferente. Espero não ter cometido um erro, pois agora que começo a flertar com o sono, surgiu em mim um novo medo: talvez tenha sido uma tolice privar a mim mesma do poder de ficar desperta. Posso precisar dele, em breve. Mas aí vem o sono. Boa noite.”

[4] Aproveito para lembrar que ele fez uma versão excelente de Orgulho e Preconceito, a qual mesmo após décadas se sai bem em qualquer confronto (e eu o fiz) com versões mais atuais. Foi o meu primeiro contato com Jane Austen e a li pelo menos três vezes (duas, pelo simples prazer de leitura; a terceira, para compará-la com outras versões).

VER

https://armonte.wordpress.com/2013/01/30/orgulho-e-preconceito-200-anos-traducoes-brasileiras/

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Nosferatu

07/10/2014

“Garota Exemplar” e a dificuldade para ser um homem ou uma mulher (quanto mais uma pessoa) real

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  Era verdade que eu também sentira isso durante o último mês, quando não queria machucar Amy. Isso me ocorria em momentos estranhos—no meio da noite, dando uma mijada, ou pela manhã, servindo uma tigela de cereal–, identificava uma ponta de admiração e, mais que isso, afeto por minha esposa, bem no fundo de mim, nas entranhas. Saber exatamente o que eu queria ler naqueles bilhetes, me reconquistar, até mesmo prever todos os meus erros… A mulher me conhecia a fundo. O tempo todo eu pensara que éramos estranhos um para o outro, e na verdade nos conhecíamos intuitivamente, em nossos ossos, nosso sangue.

    Era meio romântico…” (trecho de Garota Exemplar)

“Se ela puniu uma amiga de alguns meses se jogando de uma escada, o que faria com um homem burro o bastante para se casar com ela?” (idem)

(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 07 de outubro de 2014)

Amy Exemplar é heroína de uma popular série de livros juvenis. Sempre faz as escolhas corretas e seu comportamento é impecável. Rand e Marybeth Elliott, os autores, têm uma filha chamada Amy, a quintessência da nova-iorquina sofisticada, linda e inteligente, que no entanto passou por experiências desagradáveis por causa de seu alter ego fictício: além de esperaram dela a perfeição (“o eu que eu deveria ser”), é constante a perseguição de pessoas obcecadas.

Sua vida começa a desmoronar mesmo quando ela e Nick Dunne, o marido, perdem o emprego, e os pais quase entram em falência (a série ficou fora de moda e eles fizeram investimentos ruins), tudo na esteira da recessão americana de anos recentes. Nick propõe uma mudança para sua cidade natal, Carthage (Missouri), com seus “derrotados satisfeitos”, corroída pelo desemprego endêmico e pela falta de perspectivas. Ali, a mãe dele está morrendo de câncer, o pai misógino e truculento sucumbindo ao Alzheimer. Amy investe o resto do seu dilapidado pecúlio num bar que Nick resolve montar com a irmã gêmea.

No dia do aniversário de cinco anos de casamento, ela desaparece, com fortes indícios de violência. Como dirá o advogado de Nick, problemas financeiros+ casal em crise e esposa grávida+ a existência de uma amante= suspeito número um.

Garota Exemplar [Gone Girl, 2012—que eu comento na tradução de Alexandre Martins] é dividido em três partes. Na primeira, com brilhantismo e uma prosa fantástica[1], Gillian Flynn alterna os pontos de vista de Nick e Amy, ele narrando os acontecimentos a partir da constatação do sumiço de Amy; ela, através de um diário, descrevendo o processo de transformação do casamento numa ratoeira de empobrecimento, hostilidade mútua e medo: “Nick se casou comigo quando eu era uma mulher jovem, rica e bonita, e agora sou pobre, desempregada, mais perto dos quarenta que dos trinta; não sou mais só bonita, sou bonita ´para a minha idade´. É a verdade: meu valor diminuiu. Posso dizer pelo modo como Nick olha para mim. Mas não é o olhar de um sujeito que se deu mal em uma aposta honesta. É o olhar de um homem que se sente enganado. Logo poderá ser o olhar de um homem preso em uma armadilha”.

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Após esse tour de force, na segunda parte descobrimos que a vitimização de Amy era um engodo meticulosamente planejado como uma vingança contra Nick, por ter sido infiel e por não corresponder à ideia de “marido exemplar”. Curiosamente, nem assim o leitor chega a simpatizar com esse homem fraco, manipulador de um charme “viril-vulnerável” (eterno filhinho da mamãe), o qual, se não chega às raias do ódio contra as mulheres do pai (e de toda uma faixa de machos emasculada pela crise econômica, tal como o Meio-Oeste é soturnamente retratado, apesar das fortes ligações comunitárias), começa a acreditar numa espécie de conspiração global das mulheres contra ele (é alvo de ataques constantes na mídia, muitos deles comandados por apresentadoras de programas sensacionalistas): “Andie tinha me sacaneado, Marybeth se virara contra mim, Go perdera uma dose crucial de fé, Boney preparara uma armadilha para mim, Amy me destruíra. Servi-me de uma bebida. Tomei um gole, apertei os dedos ao redor do copo e o arremessei contra a parede, vi o vidro explodir como fogos de artifício, ouvi o barulho tremendo, senti o cheiro da nuvem de Bourbon. Fúria em todos os cinco sentidos. Aquelas piranhas desgraçadas…”[2]

     Garota Exemplar é, então, uma reflexão ficcional sobre os EUA mergulhado numa regressividade tanto econômica quanto no plano das relações (“É uma época muito difícil para ser uma pessoa, apenas uma pessoa real, de verdade, em vez de uma coleção de traços de personalidade recolhidos de uma interminável máquina automática de personagens”). E, sobretudo, sobre impasses sexistas, em que os indivíduos têm consciência aguda das suas identidades de gênero, numa polarização quase alegórica. Nesse sentido, o romance está longe de ser um mero thriller, e dá para entender o interesse em filmá-lo de David Fincher[3], que já explorara o perturbador avesso misógino e brutal da sempre dita avançada sociedade sueca, em Os homens que não amavam as mulheres (usando um material literário bem inferior, pois Stieg Larsson é medíocre e sua trama foi até melhorada, dentro do possível na adaptação cinematográfica do diretor de Zodíaco, mesmo assim pouco empolgante[4]).

O erro de Gillian Flynn, sem que ela chegue a empanar o virtuosismo da sua prosa, é fazer de Amy um gênio do mal, com pormenores tão exagerados (até seu passado, quando se descobre a verdade sobre os supostos perseguidores, ganha a atmosfera irreal daqueles filmes do tipo Mulher Solteira Procura, A Mão Que Balança o Berço, A Órfã—enfim, o meu leitor poderá lembrar-se facilmente de vários exemplos) que tiram boa parte da força da história. Perde-se o tenso equilíbrio entre “a verdade, a não verdade e o que poderia ser verdade” que sustentava a alternância das narrativas. E Nick, apesar de conhecermos seu lado abjeto, se torna mais humano, em contrapartida a essa hiperbólica Amy Vilã.

A meu ver, Garota Exemplar é praticamente uma obra-prima, digna de O Colecionador, de John Fowles, e maior rival contemporâneo dos romances policiais de Kate Atkinson (Quando haverá boas notícias?; Saí cedo, levei meu cachorro), até a pág. 347 (na edição brasileira). A partir do momento em que Amy se deixa “sequestrar” por um bizarro admirador, que a manterá prisioneira numa erma mansão, e depois parte para a psicopatia explícita, o relato pode até manter o interesse por conta da habilidade ímpar da autora; contudo, parece ter se rendido às fórmulas fáceis. Mesmo o destino monstruoso que imprimirá ao casamento de Nick e Amy fica comprometido com esse ranço de suspense barato. No frigir dos ovos, os dois personagens, tão complexos e reveladores durante a maior parte do romance, reduzem-se a clichês sexistas padronizadores: ela, uma piranha psicopata; ele um banana babaca.

Há uma lista imensa de agradecimentos no final. Quem será o responsável por tê-la orientado para esse caminho inglório? 1/3 de concessões comprometendo 2/3 de puro talento.

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TRECHO SELECIONADO

“__ Sabe Noelle Hawthorne?—perguntou Boney.—A amiga de Amy que você nos mandou investigar?

__ Espere, quero falar sobre as contas, porque elas não são minhas—interrompi.—Quer dizer, por favor, falando sério, precisamos rastrear isto.

__Vamos rastrear, sem problemas—disse Boney, inexpressiva.—Noelle Hawthorne?

__ Certo. Eu disse para vocês darem uma investigada nela porque ela tem circulado por toda a cidade se lamentando por causa de Amy.

     Boney ergueu uma sobrancelha.

__ Você parece bravo com isso.

__ Não, como eu disse, ela parece um pouco abalada demais, meio que de modo falso. Ostensivo. Buscando atenção. Um pouco obsessivo.  

__ Conversamos com Noelle—explicou Boney.—Ela diz que sua esposa estava muito perturbada com o casamento, chateada com a coisa do dinheiro, com medo de que você estivesse casado com ela por causa do dinheiro. Diz que sua esposa se preocupava com seu temperamento. 

__ Não sei por que Noelle diria isso; não acho que ela e Amy tenham trocado mais de cinco palavras na vida.

__ Engraçado, porque a sala de estar dos Hawthorne está cheia de fotos de Noelle e sua esposa—disse Boney, franzindo a testa.

    Eu também franzi a testa: fotos reais dela e Amy?

    Boney continuou:

__ No zoológico de St. Louis em outubro passado, em um piquenique com os trigêmeos, em um fim de semana de junho passeando de bote. Junho, no sentido de mês passado.

__ Amy nunca pronunciou o nome de Noelle durante todo o tempo que moramos aqui, Estou falando sério.

    Revirei meu cérebro pensando em junho passado e esbarrei em um fim de semana em que viajei com Andie, dizendo a Amy que faria uma viagem com os rapazes a St. Louis. Voltei para casa e a encontrei com bochechas rosadas e com raiva, reclamando de um fim de semana de coisas ruins na TV a cabo e leituras tediosas no cais. E ela estivera em um passeio pelo rio? Não. Não podia pensar em nada que interessasse menos Amy do que o típico passeio de bote do Meio-Oeste: cerveja boiando em recipientes amarrados a canoas, música alta, jovens bêbados, acampamentos salpicados de vômito.

 __ Vocês têm certeza de que era minha esposa nas fotos?

    Eles trocaram olhares que diziam: ele está falando sério?”

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NOTAS

[1] Veja-se a seguinte passagem: “…Amy estudara em um colégio interno em Massachusetts chamado Wickshire Academy—eu vira as fotos, Amy de saia de lacrosse e faixa na cabeça, sempre com cores outonais ao fundo, como se a escola não fosse em uma cidade, mas em um mês…”; ou ainda: “Ele me conduziu a uma sala de estar severa, de uma masculinidade imaginada por um decorador”.

[2] Andie é a jovem amante (aluna no seu curso de jornalismo); Marybeth,  a sogra; Go, a irmã gêmea; Boney, a detetive que investiga o sumiço de Amy e que aparentemente simpatiza com Nick.

Por seu turno, acompanhando de longe o desenrolar do caso, Amy afirma: “Mesmo agora o babaca tem mulheres cuidando dele. Mulheres desesperadas identificando uma brecha”. Por essa visão crua de certo comportamento feminino, alguns comentadores do livro acusaram a própria Gillian Flynn de misógina.

[3] Com a maravilhosa Rosamund Pike como Amy e Ben Affleck como Nick (para o qual ele tem, a princípio, o physique du rôle). No momento em que escrevo o texto acima, ainda não assisti ao filme.

[4] Mesmo porque na parte final a protagonista feminina dá uma de “mulher fatal” internacional, uma sequência meio ridícula.

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01/07/2014

Redescobrindo “O Homem Duplicado” de Saramago

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(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 01 de julho de 2014)

Quem não leu O Homem Duplicado — que até agora eu considerava o mais fraco entre os romances de José Saramago[1] — pode pensar que o diretor canadense Dennis Villeneuve (utilizando um roteiro de Javier Guillón) mexeu muito na trama. No geral, entretanto, a versão cinematográfica (em cartaz no momento) manteve-se fiel ao original, com pequenas transposições, simplificações convincentes e uma curiosa gravidez da esposa do duplo. Pena que o único elemento diferencial importante (as recorrentes aranhas) tenha sido utilizado de forma tão grosseira e tosca. O que poderia ser uma realização digna dos claustrofóbicos filmes de Polanski acaba flertando com o lado mais discutível (e de mau gosto) do universo de um David Lynch (com um toque cronemberguiano), mesmo nos seus melhores trabalhos. Uma pena, se lembrarmos da entrega de Jake Gyllenhaal aos seus dois personagens, da fotografia e da maneira como ele filma o espaço urbano.

Mesmo assim, Enemy valeu por me fazer revisitar o livro, E não é que gostei bastante de O Homem Duplicado doze anos após seu lançamento (no ano em que o admirável escritor português chegava aos oitenta)?

Como se sabe, o professor de história Tertuliano Máximo Afonso (o qual, apesar do nome pomposo, assaz repetido página a página, sempre de forma completa, é um indivíduo apagado, vivendo uma existência desbotada) descobre através de um vídeo alugado um sujeito (ator com irrisória participação em diversas produções) em tudo semelhante a ele. Utilizando alguns expedientes, narrados com minúcia, fica sabendo o nome, o telefone o endereço de António Claro (cujo nome artístico é Daniel Santa-Clara). Ao entrar em contato, desestabiliza-lhe o casamento, já minado, saberemos depois, por várias infidelidades (o filme se apressa em esclarecer de saída esse lado menos simpático).

A inusitada aparição de Tertuliano Máximo Afonso parece (com o detalhe importantíssimo da preocupação em estabelecer quem é o “protótipo” e quem é a “imitação”) acionar em António Claro a mola da rivalidade, com certos requintes de perversidade: resolve tomar Maria da Paz, que é apaixonada pelo professor, e cujas tentativas em entrar mais profundamente na vida dele esbarram na sua relutância, como amante —como uma espécie de desagravo de macho, fazendo-se passar pelo outro (não sem antes informá-lo e até ameaçá-lo). Será uma decisão trágica, que impedirá, entre outras coisas, que Tertuliano retome a própria vida.

Ainda persiste a impressão de que Saramago caprichou mais nas pesquisas de seu protagonista com relação ao ator (o primeiro contato ocorre apenas na pág. 195, de um total de 316, na edição brasileira[2]) e depois precipita demais os eventos (aliás, uma desarmonia gritante em seus romances pós-Nobel, à exceção de A Viagem do Elefante, que considero uma de suas obras-primas). Mas não tacharia mais de bisonha a solução final, como se me afigurou na primeira leitura. O que ainda continua meio estranho é o afloramento súbito de uma sordidez (o lado cafajeste) que então parece característica de António Claro (nesse ponto, é preciso reconhecer que o filme preparou com mais inteligência estratégica esse comportamento — que serve para enfatizar a condição de inimigos entre os dois, já que um deles está “sobrando”).

É impossível não se divertir com a questão dos disfarces, ou não reconhecer que, mais uma vez, Saramago se mostra um mestre nas personagens femininas (Maria da Paz; Helena, a esposa; a mãe de Tertuliano). Seu maior feito, e dou a mão à palmatória por não ter reconhecido isso, é ter se safado do déjà vu do tema do doppelganger (da duplicação), com larga tradição na literatura, ao mostrá-lo tão entremeado ao irrisório do dia a dia, ao paradoxo capitalista de incutir o fetiche da individualidade, de ser “único”, quando tudo contraria essa ilusão: a uniformidade das experiências, o alcance tentacular das obrigações, laços muitas vezes forçados e da nossa “fisionomia social”, o nosso “nome”, por assim dizer.

Como heróis, somos atores de terceira categoria, parece dizer o irônico autor de Ensaio sobre a Cegueira. A dimensão política é tão forte quanto a voragem existencial evidenciada pelo relato. Afinal, ele mesmo já afirmou que hoje mais importante que o nome é o número do cartão de crédito.

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Alguém poderá replicar: que observação mais óbvia! E justamente, caro alguém, aí reside o que O Homem Duplicado tem de melhor: ao invés de ser uma diluição do estilo saramaguiano, ele representa sua depuração madura, essa voz narrativa que se cristalizou, tornando-se inconfundível — ao  mesmo tempo em que faz um relato[3], se vale do senso comum para interpelar seu personagem, e que utiliza certo prosaísmo “chão”  como motor para o discurso narrativo[4].

Como neste trecho maravilhoso: “Também em tempos que já lá vão, houve na terra um rei, considerado de grande sabedoria que, em um momento de inspiração filosófica fácil, afirmou, supõe-se que com a solenidade inerente ao trono, que debaixo do sol não havia nada de novo. A estas frases não convém tomá-las nunca demasiadamente a sério, não se dê o caso de as continuarmos a dizer quando tudo à nossa volta já mudou e o próprio sol já não é o que era. Em compensação, não variariam muito os movimentos e os gestos das pessoas, não só desde o terceiro rei de Israel como também desde aquele dia imemorial em que um rosto humano se apercebeu pela primeira vez de si mesmo na superfície lisa de um charco e pensou, Este sou eu. Agora, onde estamos, aqui, onde somos, decorridos que foram quatro ou cinco milhões de anos, os gestos primevos continuam a repetir-se monotonamente, alheios às mudanças do sol e do mundo por ele iluminado, e se de algo ainda necessitássemos para ter a certeza de que assim é, bastar-nos-ia observar como, diante da lisa superfície do espelho da sua casa de banho, António Claro ajusta a barba que havia sido de Tertuliano Máximo Afonso com os mesmos cuidados, a mesma concentração de espírito, e talvez um temor semelhantes àqueles com que ainda não há muitas semanas, Tertuliano Máximo Afonso, noutra casa de banho e diante de outro espelho, havia desenhado o bigode de António Claro na sua própria cara. Menos seguros porém de si mesmos que o seu bruto antepassado comum, não caíram na ingênua tentação de dizer, Este sou eu, é que desde então os medos mudaram muito e as dúvidas ainda mais, agora, em vez de uma afirmação confiante, o único que nos sai da boca é a pergunta, Este quem é…” Ou então: “e agora vai dizer a Helena a palavra que ainda falta para que a incrível história dos homens duplicados se acabe de uma vez e a normalidade da vida retome o seu curso, deixando as vítimas atrás de si, conforme é uso e costume.

No final, os que somos leitores apaixonados de sua obra (creio que a experiência de ler O Homem Duplicado satisfará menos quem o pegar como introdução a ela) descobrimos a pólvora pela milésima vez: as pessoas podem ser duplicadas (miragens de territorialidade individual à parte), o estilo saramaguiano é único.

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NOTAS

[1] Tive a impressão que ele estava imitando o próprio estilo, que já mostrava sinais de desgaste, mercê da produção ininterrupta.

Sobre outros romances pós-Nobel de Saramago, VER AQUI NO BLOG:

https://armonte.wordpress.com/2012/05/20/saramago-e-as-paisagens-alegoricas/

https://armonte.wordpress.com/2012/06/09/atos-de-insurreicao-etica-segunda-parte-ensaio-sobre-a-lucidez/

https://armonte.wordpress.com/2012/06/08/a-molecagem-do-sisudo-saramago-caim/

[2] Agora também há uma edição de bolso.

[3] A própria intervenção do narrador é muito característica:

“Por respeito à verdade, devemos dizer que António Claro, até agora, e apesar das inúmeras voltas dadas ao assunto, não conseguiu chegar a um traçado razoavelmente satisfatório de um plano de ação merecedor desse nome. No entanto, o privilégio de que gozamos, este de saber tudo quanto haverá de suceder até à última página deste relato, com exceção do que ainda vai ser preciso inventar no futuro, permite-nos adiantar que o ator Daniel Santa-Clara fará amanhã uma chamada telefônica para casa de Maria da Paz, nada mais que para saber se há alguém, não esquecer que estamos no verão, tempo de férias…”

   De passagem, não é ocioso chamar a atenção para o fato de que Saramago brinca brilhantemente com a metalinguagem, de forma simples e natural, sem fanfarras, como na passagem abaixo (quando Tertuliano volta para casa, após uma viagem de visita à casa da mãe), onde de raspão ele ainda dá um peteleco no creacionismo que propõe um design inteligente da criação do mundo:

“De acordo com as convenções tradicionais do gênero literário a que foi dado o nome de romance e que assim terá de continuar a ser chamado enquanto não se inventar uma designação mais conforme às suas atuais configurações, esta alegre descrição, organizada numa sequência simples de dados narrativos em que, de modo deliberado, não se permitiu a introdução de um único elemento de teor negativo, estaria ali, arteiramente, a preparar uma operação de contraste que, dependendo dos objetivos do ficcionista, tanto poderia ser dramática como brutal ou aterradora, por exemplo, uma pessoa assassinada no chão e ensopada no seu próprio sangue, uma reunião consistorial de almas do outro mundo, um enxame de abelhões furiosos de cio que confundissem um professor de História com a abelha-mestra, ou, pior ainda, tudo isto reunido em um só pesadelo, uma vez que, como se tem demonstrado à saciedade, não existem limites para a imaginação dos romancistas ocidentais, pelo menos desde o antes citado Homero, que, pensando bem, foi o primeiro de todos eles. A casa de Tertuliano Máximo Afonso abriu-lhe os baços como uma outra mãe, com a voz do ar murmurou, Vem, meu filho, aqui me encontras à tua espera, eu sou o teu castelo e o teu baluarte, contra mim não vale nenhum poder, porque sou tua mesmo quando estás ausente, e mesmo destruída serei sempre o lugar que foi teu. Tertuliano Máximo Afonso pousou a mala no chão e ligou as luzes do teto. A sala estava arrumada, sobre os tampos dos móveis não havia um grão de pó, é uma grande e solene verdade que os homens, mesmo vivendo sozinhos, nunca conseguem separar-se inteiramente das mulheres, e agora não estávamos a pensar em Maria da Paz, que por suas pessoais e duvidosas razões, apesar de tudo o confirmaria, mas à vizinha do andar de cima, que ontem passou aqui toda a manhã a limpar, com tanto cuidado e atenção como se a casa fosse sua, ou mais ainda, provavelmente, que se o fosse. O gravador de chamadas tem a luz acesa (…) a terceira chamada era a que António Claro deixou no outro dia, a que começava assim, Boas tardes, fala António Claro, calculo que não estaria à espera de uma chamada minha, bastou que a voz dele  tivesse ressoado naquela até aí tranquila sala para se tornar evidente que as convenções tradicionais do romance atrás citadas não são, afinal de contas, um mero e desgastado recurso de narradores ocasionalmente minguados de imaginação, mas sim uma resultante literária do majestoso equilíbrio cósmico, uma vez que o universo, sendo embora, desde as suas origens, um sistema falto de qualquer tipo de inteligência organizativa, dispôs em todo o caso de tempo mais que suficiente para ir aprendendo com a infinita multiplicação das suas próprias experiências, de modo a culminar, como o vem demonstrando o incessante espetáculo da vida, em uma infalível maquinaria de compensações, que só necessitará, também ela, de um pouco mais de tempo para mostrar que qualquer pequeno atraso no funcionamento das suas engrenagens não tem a mínima importância para o essencial, tanto faz que haja que esperar um minuto ou uma hora, como um ano ou um século. Recordemos a excelente disposição com que o nosso Tertuliano Máximo Afonso entrou em casa, recordemos, uma vez mais, que, de acordo com as convenções tradicionais do romance, reforçadas pela efetiva existência da maquinaria de compensação universal a que acabamos de fazer fundamentada referência, deveria ter dado de caras com algo que no mesmo instante lhe destruísse a alegria e o afundasse nas vascas do desespero, da aflição, do medo, de tudo o que sabemos que é possível encontrar ao virar uma esquina ou ao meter a chave a uma porta. Os monstruosos terrores que então descrevemos não passaram de exemplos simples,  poderiam ter sido aqueles, poderiam ter sido piores, e afinal nem uns nem outros, a casa abriu maternalmente os braços de seu proprietário (…) enfim, para não ter de usar mais palavras, parecia que nada poderia estragar o regresso feliz de Tertuliano Máximo Afonso ao lar. Puro engano, pura confusão, ilusão pura. As rodagens da maquinaria cósmica tinham se transportado para os intestinos eletrônicos do gravador de chamadas,  à espera de que um dedo viesse premir o botão que abriria a porta da jaula ao último e mais temível dos monstros, não já o cadáver ensanguentado no chão, não já o inconsistente consistório de fantasmas, não já a nuvem zumbidora e libidinosa dos zangões, mas a voz estudada e insinuadora de António Claro…”

[4] O narrador (ou seu protagonista, professor de história que pode ter lacunas no conhecimento literário) comete um pequeno equívoco, na pág. 260, num diálogo entre Tertuliano e sua mãe. Ali lemos:

“O que a mãe tem é vocação para Cassandra, Que é isso, A pergunta não deve ser que é isso, mas quem é essa, Então ensina-me, sempre ouvi dizer que ensinar quem não sabe é uma obra de misericórdia, A tal Cassandra era filha do rei de Tróia, um que se chamava Príamo, e quando os gregos foram pôr o cavalo de madeira às portas da cidade, ela começou a gritar que a cidade seria destruída se o cavalo fosse trazido para dentro, vem tudo explicado em pormenor na Ilíada de Homero…” Não, nada disso vem explicado na Ilíada, ali não consta o cavalo de madeira. Será Ulisses na Odisséia que evocará o estratagema que possibilitou a vitória grega contra os troianos.

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14/06/2014

Jovialidade e irreverência na literatura francesa: ZAZIE aos 50

 

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VER TAMBÉM NO BLOG:

https://armonte.wordpress.com/2014/06/14/destaque-do-blog-zazie-no-metro-de-raymond-queneau-2/

Li uma tradução (saiu pela Rocco) de Zazie no metrô, de Raymond Queneau (1903-1976) em meados dos anos 1980. Gostei, gostei bastante, mas meu gosto então era mais pelo “sério” e logo etiquetei o livro como mais “ameno” e meio que o esqueci.

Agora sai uma edição pela CosacNaify e o livro, publicado em 1959, chega ao cinquentenário. E se me dissessem que é um livro recém-publicado, escrito neste ano de 2009, eu acreditaria piamente. É um impacto, meu caro leitor,  a vitalidade, a irreverência, o tom absolutamente moderno dessa obra-prima de Queneau. É o livro em que a adolescência realmente ganha foros de cidadania na literatura. Pois até então não existia o adolescente, tal como o entendemos: tínhamos aqueles personagens “sensíveis” e inadaptados, quase projeções do adulto angustiado (não que isso diminua o mérito de um texto como O apanhador no campo de centeio).

Na literatura francesa, então, dominada ainda pelo estilo elegante e clássico, tínhamos a revolta e a sordidez da adolescência e juventude do narrador de Morte a crédito, de Céline, tínhamos os adolescentes “malditos”, enfant terribles, e ainda a pós-adolescência imediata e anemicamente existencialista e lânguida (Bom dia, tristeza). Não, o texto de Queneau é de uma imperiosa novidade, é o que a vanguarda pode ter de mais alegre e debochado. E só para arremetar este intróito (nem falei do livro ainda), é preciso lembrar que quando o publicou Queneau já estava com 55 ou 56 anos!

Zazie é uma pirralha (como é chamada, na narrativa) que, enquanto a mãe passa duas noites com um amante em Paris, vai ficar aos cuidados do tio, Gabriel. Ela já chega contrariada: não vai poder conhecer o metrô parisiense, que está em greve. Portanto, o título já é uma brincadeira do autor com o leitor: nunca veremos Zazie no metrô. E tantas outras certezas serão dinamitadas ao longo das aventuras parisienses de Zazie: o tio Gabriel faz show numa boate gay como “Gabrielle”, mas é um baita homão, bate em todo mundo, é casado com Marceline… será que ele é gay? Será que é uma tia (o epíteto que os personagens dão aos gays  no livro?) e, sendo como é, o tio  (tia?) de Zazie, não teremos aí outra brincadeira? Mesmo porque quem entrega a pirralha à nada maternal mãe não é o tio (tia?) Gabriel(le) e sim a que nunca foi chamada de tia na narrativa inteira, Marceline, no entanto transformada em Marcel, que está fugindo de casa porque um policial (que provavelmente não é um policial), mas que foi um guarda de trânsito e um tarado pedófilo ao longo da narrativa, a assedia sexualmente enquanto o marido está entretendo turistas que ficaram encantados com ele ao longo do dia com seu show na boate (no qual é incluída, improvavelmente para os padrões da censura e da proteção a menor, a pirralha). O falso (ou não?) policial assediou quem: Marceline ou Marcel? E  não foi só ele: a garçonete do restaurantezinho sobre o qual se localiza o apartamento de Gabriel(le)/Marcel(ine), Mado Ptits-Pieds (durante a semana falarei do que Queneu faz com a ortografia das palavras, utilizando a fonética de forma maravilhosa, que deveria ter ensinado muita coisa a Antônio Houaiss quando traduziu Ulisses, e que foi magicamente preservada pelo tradutor Paulo Werneck), que aceita casar-se com um amigo de Gabriel(le), Charles, ao subir ao apartamento para dar um recado e comunicar sua decisão, também aproveita para “dar uma cantada” na companheira do tio que nunca é chamada de tia. E nem de fato sabemos, apesar do uso da palavra “tio” que parentesco liga Gabriel à mãe de Zazie ou a ela.

E essa menina desbocada, interesseira (é capaz de acompanhar um pedófilo pelas ruas de Paris, para onde escapuliu da casa do tio, só porque há a possibilidade de ele comprar-lhe uma calça jeans, djins). E sua resposta contumaz: é o caralho? E a maneira como trata o tio, de uma forma que uma transeunte (que se tornará uma das personagens mais deliciosas do texto) a repreende, invertendo tudo o que esperamos de uma situação dessas, por “maltratar um adulto”?

Paris é uma festa nesse dia de greve de metrô. A festa da linguagem de Queneau.

Ele pertenceu ao famoso grupo experimental OuLiPo, na época em que as vanguardas ainda tinham peso (lembrem-se que foi também a época do “noveau roman” e da “nouvelle vague”). OuLiPo- oficina de literatura potencial  (não, não, não se trata de um desses grupelhos chatos, não que não os houvesse, claro, mas dessa turma participaram grandes autores como Italo Calvino, do qual certas obras têm algum parentesco com Zazie, como o delicioso Se um viajante numa noite de inverno, e também Georges Perec, do sensacional A vida: modo de usar).

Em 1960, Zazie foi filmado por Louis Malle, cuja carreira tem mais altos do que baixos (desses, eu só lembro de três filmes de que eu não gostei: Lua negra; A baía do ódio; Perdas & Danos, este  apreciado por muita gente): filmes ótimos como Ascensor para o cadafalso, Trinta anos esta noite, Lacombe Lucien, Pretty baby, o particularmente esplêndido Atlantic City, Au revoir les enfants, Milou en mai (tem dois que eu nem gosto nem desgosto, não me dizem nada: A vida privada & Viva Maria). Nessa carreira gloriosa nada foi tão inspirado quanto O sopro no coração, justamente sobre um menino que chega à adolescência e um dos melhores filmes da história do cinema na minha opinião, ou sua versão para as travessuras da pirralha criada por Queneau.

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   Zazie tem 19 capítulos. O primeiro capítulo já é divertidíssimo, pois começa com o tio Gabriel, ao ir de encontro a Jeanne Lalochère e sua filha Zazie, queixando-se do fedor da multidão parisiense:”Disseram no jornal que nem onze por certo dos apartamentos de Paris têm banheiro, grande novidade, mas mesmo assim dá pra tomar banho. Esse pessoal aqui em volta não deve se esforçar muito. E esses aí nem são os mais fedorentos de país.” Numa inversão típica da narrativa, é no entanto o cheiro dele que vai incomodar os outros e dar origem a uma confusão que caracteriza completamente o seu tipo físico (o narigão, a corpulência). É que Gabriel usa um perfume (que se fará presente o romance inteiro) chamado “Barbouze”, “um perfume da Fior”. E quase todos garantem que é uma fragrância horrível: “Devia ser proibido empestear o mundo desse jeito, continuou a dondoca, convencida de que tinha razão”.. A única que gosta do cheiro é Zazie, a quem ele não conhecia e que surge da multidão.

Eles combinam de se encontrar “depois de amanhã para o trem das seis e sessenta” para Gabriel devolver a menina: “Natürlich, disse Jeanne Lalochère, que tinha sido ocupada”. Esse é um exemplo do virtuosismo do estilo de Queneau. Note-se as implicações desse “tinha sido ocupada”, que remonta à guerra e a uma aura de promiscuidade sexual.

Ao saber que não vai poder andar de metrô, devido à greve, Zazie grita:

“—Mas que canalhas! Safados. Fazer isso comigo.

–Não foi só com você que eles fizeram isso, disse Gabriel, perfeitamente objetivo.

–Não to nem aí. Mesmo assim, é comigo que isso tá acontecendo, eu, que tava tão feliz, tão contente e tudo de ir vagãobundear no metrô. Com mil diabos, puta merda!”

Um pouco adiante, Gabriel diz:

“–E depois temos que chispar: o Charles tão…

–Oh!Essa dança aí eu conheço, exclama Zazie, furiosa…”

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     No táxi de Charles, amigo de Gabriel, começa outro dos jogos favoritos do texto: inexatizar os lugares célebres de Paris. Um diz que é o Panthéon, o outro nega, o outro replica, e assim por diante… E Zazie sempre espicaçando. Aliás, na relação entre ela e os adultos do texto, constatei um tipo de duelozinho, de espicaçamento contínuo, que conheço bem, por causa dos meus alunos dessa faixa de idade: por mais que gostem de você, estão sempre espicaçando-o e tentando deixá-lo na defensiva. E haja presença de espírito e jogos de linguagem para deter a ofensiva (e ao mesmo tempo isso é muito estimulante e energético).

No restaurante embaixo do apartamento de Gabriel e de propriedade do seu locador, Turandot, Zazie insiste em tomar uma “cacocalo” (mas não tem no estabelecimento), enquanto Charles vai de bojolé. E assistimos a uma cena de teatro do absurdo (como também há toques do futuro besteirol, de desenho animado, de cinema, enfim de tudo que há de aproveitável na cultura verbal):

“—E você?, ele pergunta a Zazie.

–Já falei: uma cacocalo.

–Ela disse que não tem.

–É uma cacocalo o que eu quero.

–Você pode até querer, você ta vendo que não tem.

–O que eu quero é uma cacocalo e não outra coisa.”

      Gabriel mostra sua moradia. É aqui, diz ele, que pergunta a ela o que acha: “Zazie fez um gesto que parecia indicar que ela preferia não declarar sua opinião”. Nesse momento, conhecemos boa parte da fauna que irá povoar o resto do livro: Turandot, o dono, Mado Ptits-Pieds, que vai aceitar o pedido de casamento de Charles e o maravilhoso papagaio Laverdure, que repetirá o mesmo refrão (com uma exceção) até o fim da história: “Falar, falar, você só sabe fazer isso”.

“Seu Charles, é o que Mado Ptits-Pieds diz, você é um melancólico.

–Melancólico o caralho, responde Charles.

–Isso lá é verdade, hoje o senhor não está nada educado.

–É engraçado, é assim que ela fala, a fedelha.

–Não entendi, disse Turandot, nem um pouco à vontade.

–É fácil, disse Charles, essa criança não consegue dizer uma palavra sem acrescentar  um o caralho logo depois.

–E ela acrescenta o gesto às palavras, perguntou Turandot.

–Ainda não, respondeu gravemente Charles, mas não vai demorar para isso acontecer…

–Pultaquilparil, gemeu Turandot, não quero na minha casa uma vadiazinha que diz essas porcarias. Já consigo até ver, ela vai perverter a vizinhança inteira. Daqui uns oito dias…

–Ela só vai ficar dois ou três dias, disse Charles.

–Já é demais, em dois ou três dias ela vai ter tempo de enfiar a mão na braguilha de todos os velhos gagás que me dão a honra de fazer parte da minha clientela.

–Falar, falar, disse Laverdure, você só sabe fazer isso.”

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E então aparece a suave, sutil e enigmática Marceline e um problema logo surge: Gabriel trabalha à noite (diz para Zazie que é vigia) e não quer que a menina barulhenta atrapalhe seu sono matinal.

“—A gente, disse Gabriel, podia dar um sonífero para ela dormir pelo menos até meio-dia, ou milhor, até as quatro. Parece que tem uns supositórios que permitem atingir exatamente esse resultado”.

Na manhã seguinte (estamos no terceiro capítulo), Zazie acorda e se entedia no apartamento do tio e sai para a rua: “É  uma rua tranqüila. Os carros passam tão raramente que daria para brincar de amarelinha. Tem algumas lojas de bairro e cara provinciana. Pessoas vão e vêm a um passo razoável. Quando atravessam, olham primeiro para a esquerda, depois à direita, unindo o civismo ao essesso de prudência. Zazie não está totalmente decepcionada, ela sabe que está em Paris mesmo, que Paris é uma grande aldeia e que Paris inteira não parece com aquela rua. Só para se dar conta e ter total certeza, é preciso ir mais longe. É o que ela começa a fazer, com ar despreocupado”. É Tom Sawyer reaparecendo na ficção após um século de gente adulta e séria, e adolescentes como pano de fundo e coadjuvantes.

Turandot tenta impedi-la, mas ela faz com que uma multidão se junte à volta deles, chamando-o de tarado.

“Diante desse público seleto, Zazie passa das considerações gerais às acusações particulares, precisas e circunstanciadas… A senhora insiste; ela se inclina para Zazie.

–Vamos, menina, não tenha medo, me diz o que esse homem ruim te falou?

–É sujo demais.

–Ele te pediu para fazer alguma coisa?

–Isso mesmo, dona.

    Zazie deixa escapar em voz baixa alguns detalhes na orelha da boa senhora… Um tipo indaga:

–Quê que ele pediu pra ela fazer?

     A boa senhora deixa escapar os detalhes zazílicos na orelha do tipo:

–Oh, nunca tinha pensado nisso.

     E reformula assim, mais para pensativo:

–Não, nunca.

     Ele se volta para outro cidadão:

–Pois então, ouve só isso aqui (detalhes). Inacreditável.

–Tem gente que é safado mesmo, disse o outro cidadão.

    Enquanto isso, os detalhes se espalham pela multidão.

    Uma mulher diz:

–Não entendi.

    Um homem esplica pra ela. Puxa do bolso um pedaço de papel e faz um desenho com caneta bique.

–Muito bem, diz a mulher, sonhadora.

    Ela acrescenta:

— E é prático?

    Está falando da caneta…”

     Turandot consegue escapulir dali e no seu estabelecimento:

“–Deusdossel, deusdossel, gaguejou ele.

— Falar, falar, diz Laverdure, você só sabe fazer isso.”

Marceline é obrigada então a acordar Gabriel e lhe dizer que a guria “deu no pé” e que não pode sair atrás dela porque está “com roupa fervendo no fogo”. Turandot  (que foi levar a notícia) recomenda uma lavanderia automática e Gabriel: “Por quê que você tem que se meter? Falar, falar, você só sabe fazer isso”.

Quando Gabriel sai para procurar a sobrinha, passa por uma sapataria e conhecemos então outro personagem importante, o sapateiro Gridoux.

ZAZie o filme

E então Zazie perambula por Paris. Lógico que vai até o metrô, que está fechado.  Um sujeito a aborda: “Ela não conseguia acreditar no que os olhos viam. Ele estava emperiquitado com uma bigodeira negra, chapéu-coco, guarda-chuva e uns sapatos enormes. Não é possível, Zazie dizia para si mesma com sua vozinha interna, não é possível, é um ator perdido, dos velhos tempos.”

     Dissimulada, ela permite que o tipo (que ela crê ser um pedófilo) a leve a um mercado de pulgas:

“—Ah, o mercado de pulgas, disse Zazie, com ar de quem não quer se deixar surpreender, é aqui que dá pra encontrar uns rambrãs baratinhos, depois é só vender prum ianquense e a viagem está ganha… Tem calça djins, nos uniformes americanos?

–Mas sem a menor dúvida. E bússolas que funcionam no escuro.

–Tô cagando pras bússolas…

–Podemos ir lá ver, disse o sujeito.

–E depois?, disse Zazie, não tenho nem um tostão pra poder comprar, só afanando mesmo.”

E no mercado de pulgas o sujeito compra o djins: “Djins. Assim. No primeiro passeio em Paris. Bacanérrimo.” Mais adiante: “Tá pensando o kê? Keke ele ker/ Com certeza é um timo imundo, não um nojento indefeso, mas um tipo imundo de verdade. Dizconfia, dizconfia, dizconfia. Mas e aí se, a calça djins…”

Não vou revelar tudo o que acontece no livro. Só quero dar uma idéia da sua graça. Por isso, pulo um pouco e mostro Zazie no apartamento do tio, acompanhada pelo sujeito que se apresenta como Pedro-Surplus, “um comerciante”, embora Zazie desconfie de que ele possa ser um tira. Pedro Sur-plus acusa Gabriel de prostituir garotinhas:

“– Essa menina estava rodando bolsinha no mercado das pulgas. Espero que pelo menos o senhor não vá vender ela para os árabes.

–Isso nunca, senhor.

–Nem aos poloneses?

–Também não.

–Somente aos franceses e turistas abonados?

–Somente coisa nenhuma.

–Então o senhor nega?

–E como.

–E me diga, meu rapaz, qual é o seu ofício ou sua profissão atrás do qual ou da qual o senhor esconde as suas atividades delituosas?

–Artista.

–O senhor? Um artista? A menina me disse que o senhor era vigia noturno.

–Ela não sabe de nada…

–Então, artista de que tipo?

–Dançarina de cabaré.”

E assim Zazie ouve uma palavra sobre a qual fará várias inquirições mao longo do texto: “hormossecsual”:

“—Pois não está vendo tudo o que está bem no seu nariz? Disse o sujeito, com um ar cada vez mais sacanamente mefistofélico: proxenetismo, rapinagem, hormossecsualidade, eonismo, hipospadia balânica, com tudo isso você vai puxar uns dez anos de trabalhos forçados.

     Depois ele se vira para Marceline:

–E a senhora? Gostaríamos de ter algumas informações sobre a senhora também.

–Quais?, perguntou Marceline suavemente.

–Você só deve falar na presença do seu advogado, disse Zazie…

–Dá pra calar a boca?, disse o sujeito para Zazie. Pois então, a senhora poderia dizer que profissão exerce?

–Dona-de-casa, responde Gabriel, com ferocidade.

–Em que consiste?, pergunta ironicamente o sujeito.

      Gabriel se vira para Zazie e pisca o olho, para a menina se preparar para saborear o que vem por aí.

–No que consiste?, diz ele, anaforicamente. Por exemplo, pôr o lixo para fora.

     Ele pega o sujeito pela gola do paletó, arrasta pelo assoalho e o projeta rumo a direções inferiores.

     Faz barulho: um barulho abafado.

     O chapéu segue o mesmo caminho. Faz menos barulho, embora seja coco.”

O sujeito (Pedro-Surplus, será?, comerciante?, polícia? ator? tarado?) puxa prosa com o sapateiro Gridoux (eu saltei vários episódios,esse diálogo está no capítulo 7):

“—O titio é uma titia.

–Não é verdade, berrou Gridoux… O Gabriel ele é um cidadão honesto, honesto e honrado. Além do mais, todo mundo gosta dele aqui no bairro.

–Uma sedutora.

–O senhor está me enchendo o saco, afinal de contas, com esses seus ares superiores. Estou repetindo que o Gabriel não é uma tia, está claro, sim ou não?… O Gabriel dança numa boate de bichas-loucas disfarçado de sevilhana, oquei. Mas quê que isso prova, hein?… Isso não prova nada, só diverte os trouxas. Um colosso vestido de toureiro faz sorrir, mas um colosso vestido de sevilhana é bem o tipo da coisa que as pessoas acham engraçado. Sem falar que além disso ele dança A Morte do Cisme que nem na Ópera. Com saiote e tudo… afinal de contas é um trabalho como qualquer outro, né não?

— E que trabalho, o sujeito contentou-se em dizer.

–Que trabalho, que trabalho, replicou Gridoux, macaqueando o outro. E do seu trabalho, o senhor tem orgulho?

     O sujeito não respondeu.”

No capítulo 8, novamente passeiam por Paris Gabriel e Zazie no táxi de Charles. Zazie pergunta ao taxista o que quer dizer hormossecsual:

“—Mas o quê que isso quer dizer? Que ele usa perfume?

–Isso aí. Você entendeu.

— Não é motivo pra ir pra cadeira.

–Claro que não.

–E o senhor? O senhor é? Hormossecsual?

— Por acaso eu tenho cara de quem queima a rosca?

–Não, porque o senhor é motorista.

— Então. Ta vendo.

–Tô vendo nada.

–Eu também não vou fazer um desenho pra você.”

(escrito especialmente para o blog, junho-julho de 2009)

 

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27/05/2014

“Flash Forward”- mais a caixa de Schrödinger do que o espaço de Minkowski

Flashforward V2 RB

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“__ Você está pensando que existem sete bilhões de pessoas no planeta, não é? E que foi pura sorte a gente ter se conhecido.

   Lloyd fez que sim, culpado.

__ Talvez – disse Michiko. – Mas, quando consideramos os pontos contra nos conhecermos, acho que foi mais do que isso. Não estávamos presos um ao outro. Você estava vivendo em Chicago, eu estava morando em Tóquio – e terminamos juntos aqui, na fronteira entre a Suíça e a França. Será isso mero acaso ou destino?

__ Não tenho certeza se é possível acreditar em destino ao mesmo tempo em que se acredita em livre arbítrio – disse Lloyd com delicadeza…”

(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 27 de maio de 2014)

Em 2012 o anúncio da descoberta do bóson de Higgs (partícula subatômica estabilizadora da massa), celebrizado como a “partícula de deus”, popularizou o santo graal da Física contemporânea[1].

Um experimento desse tipo já fora imaginado por Robert J. Sawyer em seu romance futurista, Flash Forward, cuja trama começa em 2009 e avança até 2030. Os físicos que protagonizam a história, o canadense (como o autor) quarentão Lloyd Simcoe e o grego Theo Procopides (27 anos), coordenam uma colisão de partículas no CERN em Genebra, buscando “recriar níveis de energia que não existiam desde um nanossegundo após o Big Bang. Durante o evento, toda a humanidade fica inconsciente por 2 minutos e 17 segundos (ocorrem desastres e mortes, entre as quais a da filha de Michiko, noiva de Lloyd e secreta paixão de Theo), tendo um vislumbre coletivo de cenas de um dia em 2030.

À sua volta, Theo observa pessoas comentando a visão que tiveram. Ele próprio não vivenciara nada em seu “desmaio”. A suposição geral é de que ele estará morto àquela altura. Testemunhos diversos (de indivíduos que assistiram a noticiários, ou estavam presentes na sua autópsia) atestam, no entanto, que naquele momento entrevisto do futuro, ele acabou de ser assassinado.

Flash Forward articula-se, portanto, no entrecruzar de três linhas narrativas, cujas tensões ancoram-se na concepção de um “futuro único”, linear, decorrente dos fatos presentes, e sua refutação — e daí as polarizações do tipo livre arbítrio vs. destino pré-determinado: 1) temos o embate íntimo de Lloyd com relação ao planejado casamento com Michiko (ele vira a si mesmo casado com outra mulher), a quem tomara como o amor da sua vida; 2) temos a desesperada investigação de Theo para apurar detalhes do seu assassinato ainda por acontecer; 3) temos o Projeto Mosaico, montando um gigantesco quebra-cabeça do porvir a partir das inúmeras visões.

Infelizmente para os leitores, a terceira linha é muito mal explorada, e Sawyer desperdiça uma grande chance de realizar algo de amplo e relevante na área da ficção científica, ao privilegiar o chatíssimo imbróglio do casal Lloyd-Michiko; mesmo a trama, potencialmente mais “eletrizante”, em torno do crime de que Theo seria a vítima, deixa a desejar.

E as discussões científicas? Afinal, apesar da maneira pândega como são veiculadas no seriado, elas ajudaram a construir o encanto e o sucesso de The Big Bang Theory (que, aliás, vulgarizou muitas das proposições postas em questão no romance e que eram, à época da sua publicação original, em 1999, menos “batidas”, como a do gato de Schrödinger)[2]. O problema maior é a estratégia adotada pelo autor: não é nenhum senão grave o narrador em terceira pessoa se valer de um tom mais didático para passar informações ao leitor leigo numa área específica. Estranha-se é que aqueles que são físicos, como Lloyd, Theo e colegas, conversem entre si usando a mesma lógica de divulgação científica. Será mesmo que um precisa explicar para o outro certas noções, no nível em que estão em sua área, candidatos mais que prováveis a um Nobel?

Mesmo com tal ressalva, as discussões salvam a leitura: um diálogo entre Lloyd e Michiko, no qual ela defende o livre-arbítrio e desconstrói as racionalizações do amante, é muito mais interessante do que os rumos da sua relação. Também há o episódio do suicídio do irmão de Theo, que contraria a visão de um “futuro único” (nas visões, ele estaria vivo ainda).

Há perdas e ganhos com o salto para 2030. Quanto a Lloyd, as questões já aventadas sofrerão uma guinada para outra vertente inesgotável: a da imortalidade, da continuação individual mesmo sem um corpo humano (não no sentido espiritual, mas tecnológico). Nem dessa vez o personagem consegue conquistar o leitor, talvez porque esse desvio fica como uma ponta solta na trama. Já a resolução do impasse de Theo, durante uma replicação (com certas variantes) do experimento, pode agradar se o leitor for daqueles que se resignam com um suspensezinho funcional, entretanto o fecundo veio do lapso de tempo 2009-2030 na vida do agora não tão jovem físico genial, poderia ter sido mais bem aproveitado (ele ter vivido parcimoniosamente por causa da sua morte anunciada). O melhor achado acaba sendo a ideia da replicação da colisão de partículas, com todas as implicações e riscos envolvidos (além das consequências imprevistas).

Talvez a frustração com o resultado final de Flash Forward possa ser explicada utilizando justamente o dilema do gato de Schrödinger, que não sabemos se está vivo ou morto dentro da caixa. Pela premissa e seus desdobramentos filosóficos, as conclusões a que ela permite chegar; enfim, pela originalidade da ideia de tratar do tempo, sem apelar para o artifício da viagem por meio de algum expediente ou máquina, o gato de Sawyer tinha tudo para estar vivo, e como! Mas pela mornidão narrativa, pela timidez com que a premissa engenhosa é trabalhada, pela limitação dos personagens em termos imaginativos e dramáticos, há fortes e sombrios indícios de que o gato morreu. O fato de que a balança ainda oscile de um lado para o outro, faz com que ele não seja um fiasco. Trunfo da ciência, não da ficção.

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TRECHO SELECIONADO

–          No original:

“Dr. Simcoe,” said Bernard Shaw, “perhaps you can explain to us what happened?”

       “Of course,” said Lloyd, making himself comfortable. He was in CERN’s teleconferencing room (…) Shaw, naturally, was at CNN Center in Atlanta (…) “Most of us have heard the term `spacetime’ or `the space-time continuum.’ It refers to the combination of the three dimensions of length, width, and height, and the fourth dimension of time.”

       Lloyd nodded at a female technician standing off camera, and a still image of a dark-haired white man appeared on the monitor behind him. “That’s Hermann Minkowski,” said Lloyd…

       He nodded again and the picture changed.

       “This is a map of Europe. Of course, Europe is three dimensional, but we’re all used to using two-dimensional maps. And Hermann Minkowski was born here in Kaunas, in what is now Lithuania, in 1864.”

       A light lit up inside Lithuania.

       “There it is. Actually, though, let’s pretend that the light isn’t the city of Kaunas, but rather Minkowski himself, being born in 1864…”

              The 1864 map fell away as if it were one leaf on a calendar pad; the map beneath was labeled 1865. In rapid succession, other maps dropped off, labeled 1866 through 1877, each with the Minkowski light at or near Kaunas, but when the 1878 one appeared, the light had moved 400 kilometers west to Berlin…

              “For the next nineteen years, our Hermann bopped about from university to university… and at last to the University of Göttingen, in central Germany, in 1902… And he stayed in Göttingen until his death on January 12, 1909…  And, of course, after 1909, he was no more.” (…)

       “As you can see, the light made by Minkowski’s movements forms a trail through time. He starts down here near the bottom in Lithuania, moves about Germany and Switzerland, and finally dies up here in Göttingen.”

       The maps were stacked one atop another, forming a cube, and the path of Minkowski’s life, weaving through the cube, was visible through it, like a glowing gopher’s burrow climbing up toward the top.

       “This kind of cube, which shows someone’s life path through spacetime, is called a Minkowski cube: good old Hermann himself was the first to draw such a thing. Of course, you can draw one for anybody. Here’s one for me.”

       The map changed to show the entire world.

       “I was born in Nova Scotia, Canada, in 1964, moved to Toronto then Harvard for university, worked for years at Fermilab in Illinois, and then ended up here, on the Swiss/French border, at CERN.” (…)

       “The top of the cube, here,” said Lloyd, “represents today, April 25, 2009. And, of course, we all agree that today is today. That is, we all remember yesterday, but acknowledge that it has passed; and we all are ignorant of tomorrow. We’re all collectively looking at this particular slice through the cube.” The cube’s top face lit up.

       “You can imagine the collective mind’s eye of humanity regarding that slice.” A drawing of a human eye, complete with lashes, floated outside the cube, parallel to its top. “But what happened during the Flashforward was this: the mind’s eye moved up the cube into the future, and instead of regarding the slice representing 2009, it found itself looking at 2030… For two minutes, we were looking in on another point along our life paths (…) Say you’re watching Casablanca, which happens to be my favorite movie. And say this particular moment is what’s on screen right now.”

       Behind Lloyd, Humphrey Bogart was saying, “You played it for her, you can play if for me. If she can stand it, I can stand it.”

       Dooley Wilson didn’t meet Bogey’s eyes. “I don’t remember the words.”

       Bogart, through clenched teeth: “Play it!”

       Wilson turned his gaze up at the ceiling and began to sing “As Time Goes By” while his fingers danced on the piano keys.

       “Now,” said Lloyd, sitting in front of the screen, “just because this frame is the one you’re currently looking at” — as he said “this,” the image froze on Dooley Wilson — “it doesn’t mean that this other part is any less fixed or real.”

       Suddenly the image changed. A plane was disappearing into the fog. A dapper Claude Rains looked at Bogart. “It might be a good idea for you to disappear from Casablanca for a while,” he said. “There’s a Free French garrison over at Brazzaville. I could be induced to arrange a passage.”

       Bogey smiled a bit. “My letter of transit? I could use a trip. But it doesn’t make any difference about our bet. You still owe me ten thousand francs.”

       Rains raised his eyebrows. “And that ten thousand francs should pay our expenses.”

       “Our expenses?” said Bogart, surprised. “Louis,” says Bogart… “this could be the beginning of a beautiful friendship.”

       “You see?” said Lloyd, turning back to look at the camera, at Shaw. “You might have been watching Sam play `As Time Goes By’ for Rick, but the ending is already fixed. The first time you see Casablanca, you’re on the edge of your seat wondering if Ilsa is going to go with Victor Laszlo or stay with Rick Blaine. But the answer always was, and always will be, the same: the problems of two little people really don’t amount to a hill of beans in this crazy world.”

       “You’re saying the future is as immutable as the past?” said Shaw, looking more dubious than he usually did.

       “Precisely.”

       “But, Dr. Simcoe, with all due respect, that doesn’t seem to make sense. I mean, what about free will?”

       Lloyd folded his arms in front of his chest. “There’s no such thing as free will.”

       “Of course there is,” said Shaw.

       Lloyd smiled. “I knew you were going to say that. Or, more precisely, anyone looking at our Minkowski cubes from outside knew you were going to say that — because it was already written in stone.”

       “But how can that be? We make a million decisions a day; each of them shapes our future.”

       “You made a million decisions yesterday, but they are immutable — there’s no way to change them, no matter how much we might regret some of them. And you’ll make a million decisions tomorrow. There’s no difference. You think you have free will, but you don’t.”

       “So, let me see if I understand you, Dr. Simcoe. You’re contending that the visions aren’t of just one possible future. Rather, they are of the future — the only one that exists.”

       “Absolutely. We really do live in a Minkowski block universe, and the concept of `now’ really is an illusion. The future, the present, and the past are each just as real and just as immutable.”

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–          Na tradução de Ana Carolina Mesquita:

__ Dr.Simcoe – disse Bernard Shaw-, o senhor poderia nos explicar o que aconteceu?

__ Claro – respondeu Lloyd, tentando ficar à vontade. El estava em uma das salas de teleconferência do CERN (…) Shaw, naturalmente, estava na sede da CNN em Atlanta (…)

__ A maioria de nós já ouviu falar no termo “espaço-tempo” ou “contínuo-espaço-temo”. Refere-se à combinação das três dimensões, comprimento, largura e altura, e a quarta dimensão, tempo.

   Lloyd fez um aceno positivo com a cabeça para o especialista que estava por trás das câmaras, e a imagem congelada de um homem de cabelos escuros apareceu no monitor à sua frente…

__ Este é Hermann Minkowski…

   Ele acenou novamente, e a imagem mudou.

__ Esse é um mapa da Europa. Claro, a Europa é tridimensional, mas todos nós estamos acostumados a usar mapas bidimensionais. E Hermann Minkowski nasceu aqui em \kaunas, no que hoje é a Lituânia, em 1864.

     Uma luz se acendeu dentro da Lituânia.

__ Ali está. Na verdade, no entanto, vamos fingir que a luz não é a cidade de Kaunas, mas sim o próprio Minkowski, nascendo em 1864…]

     O mapa de 1864 caiu como se fosse a folha de um calendário; o mapa abaixo estava intitulado 1865. Em rápida sucessão, outros mapas foram caindo, de 1866 até 1877, cada um com a luz de Minkowski em Kaunas ou perto dela, mas quando o mapa de 1876 apareceu, a luz tinha movido 400 quilômetros na direção oeste, para Berlim…

__ Nos 19 anos seguintes, nosso Hermann pulou de universidade em universidade… por fim indo para a Universidade de Göttingen, na Alemanha Central, em 1902… E ficou em Göttingen até sua morte, em 12 de janeiro de 1908… E, claro, depois de 1909, ele não existiu mais (…)

__ Como vocês podem ver, a luz criada pelos movimentos de Minkowski forma um caminho pelo tempo. Ele começou lá embaixo, perto do fundo, na Lituânia, circula pela Alemanha e Suíça, e finalmente morre aqui em Göttingen.

    Os mapas se empilharam uns sobre os outros, formando um cubo. O caminho da vida de Minkowski, serpenteando pelo cabo, estava visível dentro dele, como a toca de um roedor iluminada de cima a baixo.

__ Este tipo de cubo, que mostra o caminho da vida de alguém através do espaço-tempo, é chamado de espaço de Minkowski: o próprio bom e velho Hermann foi o primeiro a desenhar algo desse tipo. Claro, é possível desenhar um modelo assim para qualquer pessoa. Eis um para mim.

    O mapa mudou e mostrou o mundo inteiro.

__ Eu nasci em Nova Scotia, Canadá, em 1964, mudei para Toronto, depois fui estudar em Harvard, trabalhei durante anos no Farmilab, em Illinois, e então vim parar aqui, na fronteira franco-suíça, no CERN (…)

__ O topo do modelo, aqui – explicou Lloyd -, representa o dia de hoje, 25 de abril de 2009. E, claro, nós todos concordamos que hoje é hoje. Quer dizer, nós todos nos lembramos de ontem, mas reconhecemos que já passou; e somos todos ignorantes em relação ao amanhã. Estamos todos, em conjunto, olhando para essa fatia específica do espaço.

      A parte de cima do cubo se acendeu.

__ Podemos imaginar o olho da consciência de toda a humanidade, observando essa fatia.

    A representação de um olho humano, inclusive com cílios, apareceu flutuando fora do cubo, paralelo ao topo.

__ Mas o que aconteceu durante o Flashforward foi isso: o olho da consciência subiu pelo modelo até o futuro, e, em vez de observar a fatia que representa 2009, ela se pegou olhando para 2030… Durante dois minutos, observamos outro ponto mais para a frente no caminho de nossa vida (…)  suponha que você esteja assistindo a Casablanca, que por acaso é meu filme favorito. E suponha que esse momento específico é o que aparece na tela agora.

    Atrás de Lloyd, Humphrey Bogart disse:

__ Você tocou para ela, pode tocar para mim. Se ela aguentou, eu também posso aguentar.

    Dooley Wilson não encarou o olhar de Bogey.

__ Eu não me lembro da letra.

    Bogart, entredentes:

__ Toque de novo, Sam!

   Wilson pousou o olhar no teto e começou a cantar “As Time Goes By”, enquanto seus dedos dançavam pelo teclado do piano.

__ Agora – interrompeu Lloyd, sentado em frente à tela -, só porque esse quadro é o que você está vendo agora…

   Ao dizer esse, a imagem congelou em Dooley Wilson.

__… não significa que essa outra parte é menos fixa ou real.

   De repente, a imagem mudou. Um avião desaparecia entre a neblina. Um elegante Claude Rains olhou para Bogart.

__ Talvez fosse boa ideia você sumir de Casablanca por um tempo – disse ele. – Há um posto do exército da França Livre em Brazzaville. Eu poderia ser persuadido a providenciar uma passagem.

      Bogey sorriu um pouco.

__ Meu visto? Eu poderia fazer uma viagem. Mas isso não faz diferença alguma para nossa aposta. Você ainda me deve 10 mil francos.

    Rains ergueu as sobrancelhas.

__ E esses 10 mil francos devem pagar nossas despesas.

__ Nossas despesas? – perguntou Bogart, surpreso.

    Rains fez que sim, concordando…

__ Louis – diz Bogart…- , acho que este é o começo de uma bela amizade.

__ Viram? – indagou Lloyd, voltando o olhar para a câmera. – Você pode estar assistindo a Sam tocar “As Time Goes By” para Rick, mas o final já está determinado. A primeira vez em que você assiste a Casablanca, fica tenso querendo saber se Ilsa vai ficar com Victor Laszlo ou com Rick Blaine. Mas a resposta sempre foi, e sempre será, a mesma: os problemas de duas pessoas realmente não significam nada neste mundo maluco.

__ O senhor está dizendo que o futuro é tão imutável quanto o passado? – perguntou Shaw, parecendo ainda mais cético que o normal.

__ Exatamente.

__ Mas, dr. Simcoe, com todo o respeito, isso não faz sentido. Quero dizer, e quanto ao livre-arbítrio?

    Lloyd cruzou os braços na frente do peito.

__ Não existe essa coisa chamada livre-arbítrio.

__ Claro que existe – insiste Shaw.

    Lloyd sorriu.

__ Eu sabia que você ia dizer isso. Ou, para ser mais específico, qualquer pessoa observando nosso espaço de Minkowski de fora saberia que você ia dizer isso… porque já foi escrito.

__ Mas como pode ser? Nós tomamos milhões de decisões por dia; cada uma delas modifica nosso futuro.

__ Você tomou milhões de decisões ontem, mas elas são imutáveis… não há como mudá-las, não importa o quanto você se arrependa de algumas delas. Não há diferença. Você acha que tem livre-arbítrio, mas não tem.

__ Então, deixe-me ver se entendi bem, dr. Simcoe. O senhor está afirmando que as visões não são apenas um dentre outros possíveis futuros. Ao contrário, elas são do futuro –do único que existe.

__ Absolutamente. Nós vivemos em um universo igual a um espaço de Minkowski, e o conceito de “agora” é na realidade uma ilusão. O futuro, o presente e o passado são todos reais e, da mesma forma, imutáveis.

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NOTAS

[1] Confesso que pensei nesta resenha como complemento da que escrevi sobre The Returned- Ressurreição (VER: https://armonte.wordpress.com/2014/05/20/os-vivos-e-os-mortos-o-romance-que-inspirou-o-seriado-resurrection/). No romance de Jason Mott, levas de mortos voltam à vida. A ressurreição é o fundamento do cristianismo; a associação bóson de higgs-big bang tornou-se o fundamento da física, por extensão da ciência, salvo engano.

 

[2] Tenho para mim que foi justamente esse esvaziamento de pioneirismo o fator determinante do fracasso do seriado de 2009-2010 (cancelado após uma temporada apenas) baseado em Flash Forward, estrelado por Joseph Fiennes, e que “chegou tarde”, produzido uma década após o lançamento do romance. Outro fator, claro, foram as discutíveis opções dramáticas escolhidas (bem diferentes do original) que dava a impressão de que tudo aquilo “não era carne nem peixe”. Não à toa, a audiência do  piloto foi de 12 milhões e a do último episódio cerca de um terço disso. Em compensação, um outro seriado que utilizava as ideias exploradas por Sawyer (o qual, diga-se de passagem, foi consultor da produção) fez muito sucesso e tornou-se cult: Lost

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20/05/2014

OS VIVOS E OS MORTOS: o romance que inspirou o seriado “Resurrection”

ressurreiçãojason mott

“__ Como está se sentindo?—perguntou Bellamy, com o bloquinho de notas a postos.

__ Estou vivo, não?—Harold deu um tapinha no cigarro, fazendo a cinza cair em um pequeno cinzeiro de metal.—Mas hoje em dia, quem é que não está?”

(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 20 de maio de 2014)

Por causa do seriado em exibição pelo canal AXN intitularam no Brasil um romance de Jason Mott que, no original, é The Returned (aproveitando a solução da tradução de Luiz Augusto da Silveira, “Os Ressurgidos”), como Ressurreição[1].

Enquanto na sua adaptação televisiva (pelo menos até a altura em que escrevo esta resenha,), algumas pessoas mortas (um menino afogado, um pai de família nada exemplar e a amada de um pastor religioso) reaparecem numa cidadezinha sulista dos EUA, e segredos ligados a suas mortes vêm à tona (há também uma conexão psíquica entre esses ressurgidos), no livro ocorre uma ressurreição em massa, embora aleatória.

O que seria um milagre capaz de despertar ou renovar a fé (afinal, é o fundamento do cristianismo) descamba para um problema logístico em nível planetário: não só eles agravam a superpopulação, como enfrentam rejeição e hostilidade, em uma escalada de incidentes violentos. Nasce até uma categoria de diferenciação discriminatória, os “autenticamente vivos”.  O milagre não é suficiente. A força da vida banal prevalece.

A seguir, as autoridades decidem pelo cadastramento, captura e segregação dos ressurgidos. Aos poucos, acompanhamos a triste lógica da exclusão e do descaso: “… com o passar das semanas, os prisioneiros mais antigos chegaram à conclusão de que não iriam para casa e de que as coisas pioravam a cada dia, então começaram a se importar cada vez menos com a aparência… Os banheiros da ala oeste estavam quebrados por excesso de uso, mas continuavam ativos. A direção parecia achar que, enquanto as pessoas continuassem usando o banheiro quebrado, estava tudo bem. Muitos pararam de se importar. Mijavam ou cagavam onde quer que conseguissem um momento de privacidade. Alguns nem de privacidade precisavam…”

Isso para não falar de alguns aspectos mais próximos ao sadismo institucionalizado dos campos de concentração: um coronel do exército, por exemplo, dispara uma arma numa das ressurgidas para ver “o que acontece”. Como o governo utiliza localidades do interior com baixa produtividade econômica para alojar esses depósitos humanos, os habitantes locais se sentem traídos: formam-se os típicos grupos milicianos, frutos do ressentimento e do culto às armas como uma espécie de fronteira final do “direito do cidadão”[2].

Como se vê, Jason Mott optou por uma abordagem mais política (na linha de The Walking Dead[3]), abdicando da exploração dos fundamentos da ressurreição dessa gentarada toda e sobretudo da especulação do que acontece quando se morre, se há de fato um plano transcendente. Muitos dos seus personagens têm aquela religiosidade arraigada tipicamente norte-americana[4], entretanto a perplexidade é geral quanto ao fenômeno narrado no livro, e nenhum ressurgido revela nada de uma possível vida após a morte, só os vemos mesmo é na sua condição de vítimas de um torvelinho segregacionista.

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Por outro lado, como o próprio autor nos diz, ele escreveu um romance para que “um menino pudesse finalmente se despedir de sua mãe”.  Então, temos a trama “intimista” de Ressurreição, que tinha tudo para ser o seu calcanhar de aquiles: a volta do menino Jacob Hargrave, o qual morrera com 8 anos, quando os pais, Harold e Lucille eram jovens e que, ao ressurgir meio século depois, os encontra velhos. Harold empederniu-se como um homem rabugento e cético, e que se recusa a ver naquela “criatura” trazida por um agente do governo, negro e ianque (Martin Bellamy — interpretado na adaptação por Omar Epps, e teoricamente o protagonista — que se tornará um grande amigo) o seu filho morto. Mesmo assim, o acompanhará e o protegerá quando ele for levado para detenção.

Apesar de todos os apelos traiçoeiros do sentimentalismo padronizado de conflitos e mágoas familiares, tão infinitamente explorado na ficção e no cinema, penso que Harold e Lucille são os grandes achados de Jason Mott como romancista (em alguns momentos, eles me trouxeram à mente o universo de Anne Tyler e seu olho infalível para as fissuras nas relações mais íntimas, nos “laços de ternura” mais apertados). É uma lástima que no seriado, embora vividos por veteranos da categoria de Frances Fisher e Kurtwood Smith, eles não tenham esse realce (fazem falta a pungência da idade e a provocação mútua gerando humor –e calor humano— que  acompanhamos no livro). Mesmo assim, considero a interpretação de Smith a melhor coisa, de longe, nos episódios já assistidos.

A surpreendente idade (fugindo do figurino das tramas de ação) que ele deu aos protagonistas da sua história, a ligação deles com a sua casa (muito importante na dinâmica narrativa) e com a cidadezinha onde passaram suas vidas (que ajuda a inserir o seu drama no quadro geral), e o contraste das personalidades, garantem os melhores momentos do texto, apesar do incômodo exagero nos capítulos finais (os mais movimentados, por assim dizer).

Não creio que Mott tenha solucionado de forma totalmente satisfatória a fusão das duas órbitas percorridas por sua soturna fábula (aquela que envolve os Hargrave e a que narra a situação mundial pós-ressurgimento), e penso que ele desperdiçou as possibilidades mais instigantes[5], mas pelo menos me emocionou genuinamente o drama desse casal de pais idosos que, de repente, têm de lidar com o equacionamento de toda uma vida de memórias e de ausência efetuado pela presença muito viva de um filho novo e vulnerável, e que dentro do seu pequeno núcleo tenta domar o caos, o inóspito do mundo à volta, os dilemas da mortalidade e as pequenas picuinhas neuróticas que se incrustam inexoravelmente nas relações. Exatamente como todos nós fazemos dia a dia.

Assim, o livro Ressurreição não precisa da confecção de um suspense por conta segredos que vão sendo deslindados (tal como na série), em meio a um acontecimento sobrenatural, para alimentar seu interesse maior. Basta o mistério (no fundo, o milagre) dos afetos.

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NOTAS

[1] Uma opção particularmente infeliz quando se sabe que há o visceral Ressurreição de Tolstói, e de que o primeiro romance de Machado de Assis tem esse título.

[2] Principalmente, a população masculina que vai envelhecendo, sem função, e com todos os seus preconceitos e prevenções.  Como o narrador afirma, a respeito do líder deles, Fred Green: “… como frequentemente ocorre com certos tipos de homens, resolvera que se manter raivoso era a melhor maneira de lidar com o que estava acontecendo em seu coração, cujo significado ele não compreendia”.

Em contrapartida, tem sempre aquele personagem (no caso, Lucille) que, tipicamente, fica perplexo com as coisas horríveis que o governo americano pode fazer em seu território: “Ali mesmo, nos Estados Unidos, isso estava acontecendo”.

[3] Embora também há certos elementos de The Returned que me lembraram (guardadas as devidas proporções) os romances alegóricos de José Saramago, como Ensaio sobre a cegueira, afinal o grande escritor português escreveu As intermitências da morte. Porque, apesar das limitações, Mott me pareceu, pela leitura desse único livro, um escritor que não quer ficar apenas na área de influência de Stephen King ou The walking dead.  Há até um toque A sangue frio na curiosa história da família assassinada, e a qual representa uma espécie de fardo simbólico de culpa da cidadezinha inteira.

E olhe que fiquei mal impressionado quando li, na edição brasileira, que ele era “bacharel em escrita ficcional” e “mestre (no sentido de formação acadêmica, bem entendido) em poesia”, coisas inconcebíveis para mim.

[4] O que não impede de haver um estranho erro (pelo menos na edição brasileira): O pastor Peter faz um sermão onde diz: “Vivemos num tempo digno do Velho Testamento.  Lázaro não só ressurgiu do túmulo, mas, ao que parece, também trouxe todos com ele”. Lázaro não é do Novo Testamento, pastor?

[5] Sem contar que na sua procura (louvável) de um estilo cuidadoso e matizado de imagens, ele incide por vezes em formulações infelizes: “Jim e Connie já na escola eram namorados, dois eternos apaixonados. Relações ilícitas não constavam no DNA do amor deles”. Valha-me Deus!

resurrection 1Artigo sobre Ressurreição

26/04/2014

A TENTAÇÃO DE SÃO HUGO

vargas-llosatentação

(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de santos, em12 de fevereiro de 2013)

Eu não sei quantos ainda têm coragem ou disposição de encarar o tempo exigido pela leitura de Os Miseráveis (1862), embora seja uma experiência altamente gratificante. O certo é que seu enredo folhetinesco e mirabolante continua exercendo apelo enorme sobre o público, como se pode constatar pelas periódicas, e já incontáveis, transposições para outros veículos. O mais eloquente símbolo do seu sucesso é a permanência em cartaz do musical que originou o filme de Tom Hooper (aquele mesmo do medíocre O Discurso do Rei), com Hugh Jackman e o grande Russell Crowe nos papéis centrais, Jean Valjean e Javert (contudo, a figura mais badalada da produção é Anne Hathaway, no papel da desventurada Fantine).

Fascinado pela obra-prima de Victor Hugo, e pelo próprio universo “titânico” do gênio literário francês, Mario Vargas Llosa mergulhou por dois anos em Os Miseráveis e na sua fortuna crítica[1].

O resultado foi um curso em Oxford, em 2004, e um ensaio, A Tentação do Impossível (La tentación de lo imposible), publicado no mesmo ano, muito superior às mais recentes produções romanescas do peruano (Travessuras da Menina Má; O Sonho do Celta), o qual sempre foi excelente crítico literário: A Orgia Perpétua e A Verdade das Mentiras estão entre os títulos vargasllosianos obrigatórios.

Ele toma como mote uma passagem de Alphonse de Lamartine (1790-1869), em que este condena seu contemporâneo porque “A mais homicida e mais terrível das paixões que se pode infundir às massas é a paixão do impossível”. Pois Hugo, desdenhando das leis humanas, da justiça dos homens, desmistificava em seu portentoso livro todo o sistema judiciário, quase que antecipando Kafka, quando este —em O Processo— decreta que “A mentira se converte em ordem universal”:

“A acusação de Lamartine a Victor Hugo lembra uma afirmação que encontrei num livro de Eric Hobsbawm [Rebeldes primitivos], segundo a qual o que os príncipes alemães mais temiam em seus súditos era o entusiasmo, porque este, a seu ver, era semente de agitação, uma fonte de desordem. Lamartine e os príncipes alemães tinham razão, é claro. Se o objetivo proposto é manter a vida social dentro dos cânones escritos, imersa numa ordem imutável como a astral ou a do trajeto dos trens, o entusiasmo e a alucinação ou miragem transitórios que uma ficção bem-sucedida produz é um inimigo potencial, um imprevisto que pode desorganizar a vida, espalhando a dúvida e a discórdia e estimulando o espírito crítico, dissolvente, capaz de provocar múltiplas fraturas na arquitetura social.”

Kafka é um autor moderno. Llosa nos mostra quão antiquado (uma das razões do seu encanto perene, diga-se de passagem) é Os Miseráveis como romance, uma vez que o narrador (“o divino estenógrafo”)  ali usurpa o papel de Deus, interferindo na ação, fazendo comentários, digressões autobiográficas, explicando para o leitor nos menores detalhes suas intenções e as dos personagens, ou seja, uma Voz asfixiante e autoritária. Não fosse Hugo um misto de escritor, ideólogo, presença carismática e profeta, uma daquelas figuras oitocentistas “maiores que a vida”, como Tolstói e Walt Whitman.

miseráveis

Essa desmesura do narrador/autor se reflete nos seus protagonistas, “monstros pontilhosos”[2], todos levando ao extremo (não à toa o autor de O Corcunda de Notre-Dame propôs o Sublime e o Grotesco como movimentos pendulares da criação artística) suas características. O exemplo mais acabado é o policial Javert, encarnação inumana do apego ao dever, perseguindo por décadas um prisioneiro evadido que roubara um pedaço de pão! O próprio herói, Jean Valjean, chega às raias do sobre-humano, com suas ações de auto-sacrifício (além da sua força física descomunal), que sempre desbaratam a estabilidade que por vezes consegue na sua longa trajetória de perseguido.

Sim, eles nos parecem monstruosos e não raro foram acusados de inverossímeis por críticos que não perceberam que esses exageros descabelados de Os Miseráveis (que o tornam o maior dos romances românticos, a meu ver) apontam para uma dimensão alegórica. Ainda que com ambientação histórica definida (com alguns anos-chaves:  1817 e 1832), estamos diante de uma alegoria sobre a luta do Bem e o Mal, sobre o Progresso e a presença de Deus nos caminhos tortos da humanidade; e mais ainda, esses exageros apontam para uma ambição inerente ao gênero, de ser “total”, de apresentar uma realidade ficcional autônoma, uma realidade paralela. “Romance: mundo imerso no mundo”, dizia Osman Lins  (gosto muito de citar essa frase), e Os Miseráveis é um dos exemplos consumados dessa vocação, a qual efetivamente foi pedra-de-toque do próprio Llosa, ao criar seus monumentais Conversa na Catedral e A Guerra do Fim do Mundo  (este último, inclusive, nascido a partir da leitura de um livro  marcadamente ciclópico, à Victor Hugo: Os Sertões). Ele sempre deixou claro sua dívida com relação aos romances “totalizantes” (como Moby Dick ou Guerra e Paz).

Hugo chegou a afirmar que seu romance era “uma espécie de ensaio sobre o infinito”; já Vargas Llosa o chama de “maravilhosa irrealização da realidade”, que no entanto parece mais real que a vida.

Por isso, não deixa de ser adequado, digam o que quiserem os críticos do resultado final, que uma obra com essas características tenha sua melhor tradução atual na altissonância e na teatralidade mais assumida dos recitativos de um musical[3]:

“Uma idêntica teatralidade transforma a batalha de Waterloo de Os Miseráveis num espetáculo sublime em que os vencedores e vencidos interpretam soberbamente os papéis atribuídos a eles por um Ser Supremo a quem o Imperador dos Frances começava a estorvar (…) Deus decidira o resultado do combate de antemão. Pois bem, se o fim da batalha já está escrito antes do conflito e das cargas e assaltos, do tiroteio ensurdecedor e do chiado dos sabres, o que resta a esses combatentes incapazes de mudar o rumo daquela partida de xadrez com movimentos inflexivelmente programados da qual são peões obedientes? Restam o gesto, a destreza formal, a retórica, a elegância e a beleza com que interpretam seus papéis, enriquecendo-o com petulâncias românticas como Ney ao pedir em altos brados que todos os projéteis da artilharia inglesa fossem se alojar no seu ventre ou o enfeando como o general Blücher ao ordenar a matança dos prisioneiros. Na maravilhosa irrealização da realidade, ou ficcionalização da história, que é o capítulo sobre Waterloo… o divino estenógrafo pode afirmar por isso, com toda legitimidade, que o verdadeiro vencedor de Waterloo foi Cambronne.

   Na realidade fictícia, as revoluções não são uma imperfeita, caótica, convulsa, ambígua criação coletiva de consequências imprevisíveis, mas um fenômeno inelutável e impessoal que vai além do social, tanto quanto um terremoto ou um ciclone (…) Para entender o que é uma revolução, segundo o narrador de Os Miseráveis, é preciso trocar-lhe o nome—e nesse mundo de identidades volúveis, trocar de nome significa trocar de papel ou função—e chamá-la de Progresso. E para se entender o que significa essa palavra também é preciso trocar seu nome por Amanhã, ou seja, o futuro…. Há um Destino, traçado desde que os seres humanos existem, que dotou a sociedade de um dinamismo que, ainda que tenha que passar por provas agônicas, sistematicamente a impulsiona rumo a formas superiores de vida material, cultural e moral…”

Afinal, já disse outro autor oceânico que somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos.

VER TAMBÉM NO BLOG:

https://armonte.wordpress.com/2013/02/21/leituras-em-espelho-dois-jonas-e-suas-formidaveis-baleias-vargas-llosa-e-os-miseraveis-paulo-ronai-e-a-comedia-humana/

tentación

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NOTAS

[1] Todavia, é uma leitura de toda a vida, e de certa forma uma reminiscência da adolescência. O ensaio começa assim: “Naquele ano de 1950, o inverno, no internato do Colégio Militar Leoncio Prado, de Lima, era úmido e cinza, a rotina embrutecedora e a vida um tanto infeliz. As aventuras de Jean Valjean, a obstinação de sabujo de Javert, a simpatia de Gavroche e o heroísmo de Enjolras apagavam a hostilidade do mundo e transformavam a depressão em entusiasmo nas horas de leitura, roubadas às aulas e à instrução militar, que me transportavam para um universo de extremos incandescentes na desgraça, no amor, na coragem, na alegria, na vileza. A revolução, a santidade, o sacrifício, o cárcere, o crime, homens super-homens, virgens ou putas, santas ou perversas, uma humanidade atenta ao gesto, à eufonia, à metáfora. Fugir para lá era um grande refúgio: a vida esplendia da ficção me dava forças para suportar a vida verdadeira. Mas a riqueza da literatura também fazia a realidade real ficar mais pobre (…) Se estamos há tantos séculos escrevendo e lendo ficções, algum motivo deve haver. Eu sei que naquele inverno de 1950, com uniforme, garoa e neblina, no alto do escarpado de La Perla, graças a Os Miseráveis a vida foi muito menos miserável para mim.”

Utilizo aqui, como nas demais citações, a tradução de Paulina Wacht & Ari Roitman (Ed. Alfaguara)

[2] Deve-se lamentar a falta de cortesia dos tradutores de A Tentação do Impossível para com as traduções que aclimataram o texto de Hugo no Brasil. Eles perderam uma ótima oportunidade para defender o uso de “monstros pontilhosos”, ao invés de “monstros melindrosos”, como aparece nas duas traduções que li e que acredito serem as mais prestigiosas: a de Carlos dos Santos (publicada pelo Círculo do Livro) e a de Frederico Ozanam Pessoa de Barros (esta eu li, numa curiosa sincronicidade, justamente no ano da publicação de La Tentación de lo Imposible, 2004), atualmente editada pela CosacNaify. O termo “melindrosos” talvez numa primeira sacada parece mais restrito a modulações psicológicas, enquanto “pontilhosos” já nos remete a uma convivência de sombra e luz, mais estética. Mesmo assim, “melindrosos” é o termo com que o leitor brasileiro do romance convive, daí considerar o descaso dos tradutores digno de nota.

[3] O que estou colocando como princípio que não verificarei: não suporto musicais, com as exceções de praxe, e para mim as piores horas ligadas ao cinema de que me lembro são as que perdi com os horrorosos Mary Poppins e My fair lady.

hugomiseraveis

23/04/2014

OS 450 ANOS DE SHAKESPEARE: DEZ INDICAÇÕES DE FILMES BASEADOS EM SUAS PEÇAS

hamlet russo227-Trono Manchado de Sangue

(a lista abaixo foi reproduzida  no site “Letras inverso e re.verso” em 25 de abril de 2014:

http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2014/04/10-filmes-essenciais-partir-das-pecas.html)

Sim, eu sei, eu sei, tem o indefectível Hamlet de Laurence Olivier (não desgosto, muito pelo contrário, da versão completa da peça, dirigida por Kenneth Branagh, mas é “estilosa”, amaneirada demais, com seu elenco irregularíssimo). Se é, entretanto, para indicar somente 10  filmes entre as centenas de versões cinematográficas (incluindo filmes de fantasia, como o belo Planeta Proibido, que evoca A tempestade), escolho os seguintes:

 

  1. HAMLET (1964), a versão russa de Grigori Kozintsev (com co-direção de Iosif Shapiro), até hoje a mais impressionante que tive oportunidade de assistir, a que se parece mais com a ideia que tenho da peça. Que fotografia! Um detalhe: o roteiro teve colaboração de Boris Pasternak (autor de Doutor Jivago). Apesar do nome finneganswakiano, Innokentiy Smoktunovskiy no papel-título eclipsa Oliviers, Branaghs etc;
  2. TRONO MANCHADO DE SANGUE (1957). Gosto do Macbeth de Welles, gosto bastante da versão “suja” de Polanski, todavia essa apropriação da trama shakesperiana para o universo de Kurosawa é arrasadora, e tem a ligeira vantagem sobre Ran (o Rei Lear do genial diretor japonês) de ser mais seca, desidratada de grandiloquência. Para mim, um dos filmes essenciais da história do cinema;
  3. REI LEAR (1971). Peter Brook (que já tinha dirigido Orson Welles numa versão de 1953) encena quase que com um espírito bergmaniano esta belíssima e controversa versão (que parece ter sido filmada nos confins do universo, no território da desolação). E que ator é Paul Scofield, um dos maiores entre os maiores. Listo o de Brook, mas é bom lembrar do filme de Kurosawa (e, claro, da versão do mesmo Konzintsev do Hamlet acima, e que sempre foi muito difícil de ter a oportunidade de assistir);
  4. OTELO (1952)- A versão de Orson Welles vale mais pelo visionarismo e visceralidade do próprio diretor do que exatamente pela harmonia do conjunto (para a qual contribuiu principalmente a caracterização do próprio e ultra-narcisista diretor no papel-título). Ainda assim, um filme grandioso. A versão corretinha de Oliver Parker, de 1995, tem, para mim, a melhor e mais linda Desdêmona do cinema, Irène Jacob;
  5. CÉSAR DEVE MORRER (2011)- Ainda que o Júlio César de 1953, de Joseph L. Mankiewcz seja o mais bem-sucedido e equilibrado espetáculo hollywoodiano já levado a cabo utilizando uma tragédia shakesperiana (além de ser um grande momento de James Mason), há muitos anos já não esperava mais nenhuma versão realmente inovadora e brilhante de uma peça do bardo. E eis que os irmãos Taviani resolvem a equação de forma genial e simples: colocando presidiários para interpretar o drama da conspiração romana. Um dos maiores filmes recentes;Paul Scofield (5)otelo orsoncesar-deve-morrer-19-02_652x408
  6. A MEGERA DOMADA (1967)- Não posso dizer que sou muito fã de Franco Zeffirelli, mas se algum dia ele já acertou a mão num filme foi nessa deliciosa travessura do casal Elizabeth Taylor- Richard Burton, inspiradíssimos nos seus arrufos e arrulhos, numa encenação bela de ver, leve, dinâmica, cheia de verve e charme;
  7. COMO GOSTAIS (1936)- Um jovem Laurence Olivier (ainda sem aqueles maneirismos canastrônicos que ele foi cristalizando no cinema) atua, nessa adaptação dirigida por Paul Czinner, no papel de Orlando, naquela que é a comédia mais espirituosa e engenhosa de Shakespeare. Apesar do roteiro não dar conta plenamente disso, o filme tem aquele timing dos anos 1930, e pode ser uma boa introdução para quem quer começar a conhecer o lote menos trágico da sua obra;
  8. HENRIQUE IV- 2ª. parte (2012)- Richard Eyre não é um grande diretor, longe disso, mas ele fez a mais cirúrgica e precisa adaptação de uma peça histórica de Shakespeare, pelo menos em anos recentes. Essa segunda parte é bem mais interessante que a primeira (diga-se a verdade: é impossível entender todos os imbróglios ligados à sucessão real dessas peças). Jeremy Irons, soberbo;
  9. O MERCADOR DE VENEZA (1973)- E eis uma interpretação shakesperiana de Laurence Olivier (já “medalhão”) na lista, enfim! Na verdade, incluo este telefilme de John Sichel porque foi a primeira vez, quando eu ainda era garoto, que um texto de Shakespeare me despertou a atenção, siderado que eu fiquei com as cenas de julgamento, as réplicas, a atmosfera toda dessa estranha peça;
  10. SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO (1935)- Acho que Max Reinhardt deu o toque de classe, o “plus” ao co-dirigir com William Dieterle uma versão americana da sublime farsa sazonal, muito menos ridícula e forçada (talvez pela pátina nostálgica) que quase todas as versões posteriores das comédias shakesperianas com elencos mais castiços. O elenco é inusitado, indo de James Cagney (não, não, ele não interpreta Puck, papel de Mickey Rooney, mas encarna Bottom, curiosidade que já valeria uma olhada no filme) a Olivia de Havilland (Hermia).

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