O CENTENÁRIO DE LÉVI-STRAUSS
(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 29 de novembro de 2008)
Ao longo de muitas páginas do livro de entrevistas De perto e de longe, Claude Lévi-Strauss, cujo centenário o mundo inteiro comemora, confidencia detalhes de sua vida a Didier Eribon, e o leitor confidencia para si mesmo: que homem chato!
Falando sobre expedições, sobre as pessoas que conheceu (muitas delas, das mais fascinantes no cenário artístico e intelectual do século XX), sobre a infância, a aridez da abordagem faz com que tudo soe tedioso e todas as figuras fiquem meio apagadas (mesmo porque, o grande pensador francês as trata com tal parcimônia, que parece ter o objetivo de apequená-las). Fica-se perplexo: esse é o etnólogo que revolucionou o universo da filosofia e da abordagem das ciências humanas, obrigando os intelectuais a se curvarem diante da lógica e coerência do pensamento dito primitivo? A impressão que se tem é que, no fundo, apesar da ousadia das suas idéias, Lévi-Strauss queria mesmo (depois de poucos anos aventurescos) era um emprego seguro, uma carreira universitária vitalícia, e que a coisa mais natural da sua existência é ter entrado para a Academia Francesa (instituição tão ridícula e pomposa como a nossa): “seria uma hipocrisia não reconhecer que se, o convidam, é porque julgam que… você pode ser útil à preservação da instituição… Achei que era meu dever de cidadão e de etnólogo contribuir para mantê-la viva”??!!!
E por aí vai até a pág. 140 (o que é muito, convenhamos). De repente, desembaraçado do pessoal (lembrem-me de nunca ler as Memórias de Lévi-Strauss!), colocado no plano da especulação filosófica, ele passa a deslumbrar o leitor coma exatidão e argúcia das suas colocações, embora persista até o fim um fundo de antipatia pela primeira parte do livro. E por paradoxal que seja, são idéias que atacam a abstração e linearidade da mentalidade eurocêntrica: “puseram na cabeça das pessoas que a sociedade originava-s do pensamento abstrato, quando ela é feita de costumes, de hábitos, e, ao triturá-los sob as mós da razão, pulverizaram os tipos de vida baseados numa longa tradição, reduziram os indivíduos ao estado de átomos intercambiáveis e anônimos. A verdadeira liberdade só pode ter um conteúdo concreto: ela é feita de equilíbrios entre pequenas dependências, mínimas solidariedades; aquilo contra o qual as idéias teóricas que proclamamos racionais se debatem”
É aqui que a persona cautelosa, travada, árida e parcimoniosa, o Dr. Jekyll da Academia Francesa, que Lévi-Strauss foi esboçando no decorrer dos tópicos, vai cedendo espaço a um Hyde transfigurador, interessante embora perturbador, e então nós entendemos porque esse senhor sacudiu tanto a intelectualidade francesa. É aí que entendemos uma afirmação, que em se levando em conta apenas a parte biográfica, ficaria difícil de acreditar: “Comecei a debruçar-me sobre a mitologia em 1950, terminei as ´Mitológicas´ em 1950. Durante vinte anos, acordando ao nascer do dia, embriagado de mitos, realmente vivi num outro mundo. Os mitos impregnavam-me