MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

27/04/2010

A lama inscrita na alma: VIAGEM AO FIM DA NOITE, de Céline

                         “o barulho de existir:

                           um cão dentro

                           de mim

 

                          atravesso

                          como a um pátio

                          o barulho de existir” (Carlos Nejar)

No início da década de 1980, a Nova Fronteira —que vivia então um grande momento editorial— colocou à disposição do leitor brasileiro Morte a Crédito (1936). Fui um daqueles que, tendo ouvido falar vagamente de Louis-Ferdinand Céline, ficaram impactados por esse romance genial, por essa história da infância, adolescência e vida adulta como médico suburbana de um narrador irascível, por um estilo raivoso e peculiar. Era a descoberta de um escritor que, na ficção francesa do século XX, só encontrava páreo em Proust e Camus.

A literatura francesa só podia aceitar Céline no seu cânone com má consciência e constrangimento: era um talento do qual não podia regozijar-se, como é possível à literatura inglesa, com Joyce, a norte-americana, com Faulkner, ou a brasileira, com Guimarães Rosa. A biografia de Céline revela uma mentalidade pequeno-burguesa desprezível, histérica, ressentida, um homem que escreveu panfletos colaboracionistas, incentivando o massacre de judeus pelos nazistas.

Essa desagradável moldura biográfica ainda não fora evidenciada há 75 anos quando da publicação de sua primeira e mais famosa obra, Viagem ao fim da noite, que só foi traduzida no Brasil (aliás, brilhantemente) em 1994, no centenário (pouco comemorado) de Céline. Nas suas memórias, Simone de Beauvoir sublinhou a importância do seu aparecimento em 1932: “… o livro francês que se nos afigurou mais importante nesse ano foi Le Voyage au bout de La nuit. Sabíamos de cor uma porção de trechos. Seu anarquismo parecia-nos perto do nosso. Ele atacava a guerra, o colonialismo, a mediocridade, os lugares-comuns, a sociedade, em um estilo e num tom que nos encantavam; Céline forjara um instrumento novo; uma escrita tão viva quanto a palavra. Que alívio, depois das frases marmóreas de Gide, Alain, Valéry”.

Viagem ao fim da noite é também narrada em primeira pessoa: Bardamu alista-se na Primeira Guerra e acaba entre os combatentes com problemas mentais; vai para a África colonial, onde sufoca de calor e de febres tropicais; é vendido a um navio-galera, chegando assim à Nova York; foge do navio, perambula pelos EUA, trabalhando até na Ford, em Detroit; volta para a França, mal ganhando a vida (e sendo mal falado) como médico, atravessando até o fim a grande noite da existência…

Parece bem aventuresco, não? Não, não é. É sórdido, é mesquinho, filtrado por uma sensação de claustrofobia existencial, por uma visão pejorativa (e paradoxalmente salutar) do patriotismo, dos sentimentos e ideais elevados, das relações humanas. A lama está anagramada na alma. O corpo já traz inscrito em si o pó em que será no nada que nos espera.

Bardamu não esconde seu aviltamento bem como seu desprezo pelos pobres (“contra a abominação de ser pobre, é preciso, vamos confessar, é um dever, experimentar tudo”) ou seu racismo (sobre os negros afirma outro personagem, e Bardamu não pensa muito diferente: “uns pedaços de noite cheios de histerias”). Tudo é uma “bad trip” horrível e que causa desconforto, e no entanto era preciso que surgisse alguém disposto a pulverizar o academicismo francês e desmascarar o que a hipocrisia e os “bons sentimentos” e palavras como virtude, honra, moral traziam em seu bojo, com a prestidigitação da retórica oca: “nus. É assim que a gente deve se habituar a imaginar desde o primeiro contato os homens que vêm nos visitar; os compreendemos bem mais depressa depois disso, distinguimos de imediato em qualquer criatura sua realidade de gigantesco e ávido verme. É um bom truque de imaginação. Seu imundo prestígio se dissipa, se evapora. Nu em pêlo, só resta em resumo diante de nós um pobre saco vazio despretensioso e cheio de si que se esforça em tartamudear num gênero ou noutro”, ou ainda: “Indiscutivelmente haveria que fechar o mundo por duas ou três gerações pelo menos se não existissem mais mentiras para contar. Não teríamos mais nada a nos dizer, ou quase”. Beckett já está quase todo aqui. Mas será que não chafurdamos suficientemente no cinismo e na negatividade? Por que, no entanto, 75 anos depois a visão celiniana do mundo ainda parece tão visceral e autêntica? E sobretudo, a sua admirável perícia narrativa, em episódios como o da velha que vive trancada com medo de ser assassinada pelo filho e a nora e que, com sua recusa em ir para o asilo, incita-os a pôr em prática um plano de homicídio, que contará com a ajuda do “sombra” de Bardamu, Léon Robinson.

Também mantém sua modernidade e força a sintaxe arrevesada, seu uso personalíssimo e inesquecível dos advérbios. Enfim, uma obra-prima, ainda que Morte a Crédito continue a ser o favorito de quem aqui escreve, mesmo levando em conta o alerta da mesma Simone de Beauvoir, na seqüência do enaltecimento que faz das virtudes de Viagem ao fim da noite: “Morte a crédito abriu-nos os olhos. Há certo desprezo odiento pela gente miúda que é uma atitude pré-fascista.”

(resenha em homenagem aos 75 anos de Viagem ao fim da noite, publicada em A TRIBUNA de Santos, em 15 de setembro de 2007)

23/04/2010

O herói-objeto de João do Rio

      João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto) nasceu no mesmo ano de Lima Barreto (não são parentes), 1881 e morreu um ano antes (em 1921).  Foi um célebre cronista das primeiras décadas do século XX e o mais célebre tradutor de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.

     Devido à dedicação dos pesquisadores da Fundação Casa de Rui Barbosa dele vieram à tona dois romances praticamente desconhecidos: A profissão de Jacques Pedreira (1910-13) e Correspondência de uma estação de cura (1918).

      O primeiro é o mais interessante como obra literária. Começa com o personagem-título sendo pressionado pelo pai a assumir uma profissão (advogado) e termina com ele conseguindo uma (diplomata). João do Rio faz um malicioso e desmoralizador retrato da sociedade carioca do iníciio do século ao mostrar como Jacques preenche sua existência entre um episódio e outro: vagabundo convicto, indolente, aproveitador, corrujpto, cafajeste, burraldo, “não podia deixar de sentir-se superior. Superior, por quê? Não o sabia, nem o era. Mas assim o fizera a educação e também a herança… Os verdadeiros amigos de Jacques podiam-lhe jurar que qualquer contínuo era mais útil e mais inteligente. Não o acreditaria. Ele era importante, mais importante, apesar de não ter qualidade alguma superior para compensar as más disposições iguais às de todos os homens, mais às da sua condição“. Sem chegar a ser um tipo repelente como o Cássi Jones de Clara dos Anjos, boa parte do seu tempo é ocupado por um caso com a provinciana e rica Alice, casada com um deputado, “ligação perigosa” que concretiza uma das suas maiores aspirações existenciais: “Ainda não tivera uma amante casada. Quanta coisa ainda não fizera na vida! Mas havia de fazer, tinha o desejo de fazer, desde que elas fossem agradáveis e pouco trabalhosas“.

      A preocupação obsessiva de Jacques em evitar o batente e manter-se up to date com a melhor sociedade faz do romance de  João do Rio uma obra afim (mas não no mesmo nível) a dois grandes textos coetâneos: Em busca do tempo perdido, de Proust (cujo primeiro volume sairia em 1913), e A época da inocência (1920), de Edith Wharton (aliás, entre as mais apreciadas “qualidades” de Jacques está o apuro no vestir, tal como os rapazes do livro de Wharton).

    Só que os heróis dessas duas obras-primas não são rasos e Jacques é, e muito. E se em Proust até o aristocrático grand monde europeu revela-se tacanho e risível, o que dizer de uma sociedade medíocre e atrasada como a nossa procurando emular costumes cosmopolitas (ao contrário da sociedade whartoniana, que realçava deliberadamente seu provincianismo para se defender do cosmopolita, tido como corrupto)? Tal pretensão aumenta o ridículo swiftiano de uma sociedade deslumbrada, mas nunca deslumbrante.

      Pena que a fatuidade contamine também o estilo do autor, que apresenta ostensivamente o cinismo e o pessimismo filosófico de um Machado de Assis ou de um Lima Barreto, sem um vestígio da profundidade moral e humana desses dois grandes autores cariocas, embora A profissão de Jacques Pedreira seja bastante revelador do tipo de sociedade que compõe o universo de Quincas Borba e de  Recordações do escrivão Isaías Caminha.

      Mesmo permanecendo na superfície do cinismo fácil, de salão, o livro se destaca de outras obras do mesmo período pela vivacidade e dinamismo. Se há muitas coisas descosturadas na estrutura, se ele apresenta um ritmo espasmódico e episódico, há também muitos detalhes a mostrar olho vivo e faro fino para a dissecação de uma hierarquia de valores que, inclusive, vampiriza a figura de Jacques, essa mistura ambulante de futilidade e beleza; pois Jacques Pedreira é uma curiosa narrativa onde o sujeito (o protagonista) é mais um objeto (nem  pharmakós,  vítima da ” sociedade” como, por exemplo, Isaías Caminha ou Rubião chegam a tanto): “estava junto dele, fremente. Não era desejo. Era um pouco de adoração pela graça estuante do efebo… via-lhe apenas a beleza, essa quente beleza, em que a fronte era lisa, sem preocupação, e o sorriso garoto. É o único momento em que os homenscausam paixões”.

    No finalo, o que decorre da atmosfera do livro é uma degradação do significado do trabalho, como a sociedade brasileira sempre se envergonhou dele e como a malandragem e a esperteza sempre foram mais valorizadas (não oficialmente, é claro), uma ideologia subjacente exemplarmente retratada em Correspondência de uma estação de cura: viver em férias, comentando, invejando e, se possível, denegrindo o status alheio.

(resenha publicada, com poucas alterações, em 02 de julho de 1996)

17/04/2010

O LIVRO ESSENCIAL: “Pedro Páramo”, de Juan Rulfo

(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 29 de janeiro de 2005)

Na minha biblioteca pessoal  o livro mais antigo (em termos de aquisição) é a tradução de Eliane Zagury, numa edição do Círculo do Livro, dos dois únicos trabalhos de ficção (excluindo algumas coisas esparsas, mais ligadas ao cinema e à fotografia) do mexicano Juan Rulfo (1917-1986): Pedro Páramo (1955) & O Planalto em Chamas (1953). A data no exemplar: 09/10/79. Vinte e cinco anos atrás, não fazia idéia do status dessas duas obras, da admiração geral que as cerca, mas certamente era uma inesperada chave que abria muitas portas de percepção para um leitor de quinze anos.

Agora Pedro Páramo completa cinquenta anos e ganha nova tradução. E vinte e cinco anos após a primeira leitura, pode-se afirmar: é o romance mais importante da literatura hispano-americana. Tudo nele é paradigmático: a linguagem essencial e cortante, despojada, “faca só lâmina”, à maneira de Graciliano Ramos e João Cabral de Mello Neto; a temática da procura do pai e da posse da terra.

A pedido da mãe moribunda, Juan Preciado vai para Comala atrás de Pedro Páramo, que os espoliara. Lá, informam-no que o pai já morrera há muitos anos. O achado genial de Rulfo é que as pessoas encontradas nessa busca  também estão mortas. Ele mesmo acaba por morrer de “ahogo”, ou seja, do sufoco com o calor (dizem que as pessoas de Comala condenadas ao inferno voltam para buscar cobertores), ou talvez dos murmúrios que assombram o lugarejo:

Este povoado está cheio de ecos. Parece até que estão aprisionados no oco das paredes ou debaixo das pedras. Quando você anda, sente que vão pisando seus passos. Ouve rangidos. Risadas. Umas risadas já bem velhas, como cansadas de rir. E vozes já desgastadas pelo uso…”

 Preciado ocupa um lugar junto aos mortos-vivos do povoado “untado de desdita”. Uma narrativa enrodilhada faz com que conheçamos prismática e simultaneamente como Pedro Páramo apossou-se das terras e como tudo foi se arruinando devido à inércia que toma conta dele a partir da morte de sua mulher, Suzana (o leitor brasileiro imediatamente se lembra  da história de Paulo Honório e Madalena em São Bernardo). Conhecemos, então, o vácuo deixado pelo espoliador, o legado patriarcal.

Como os reis de antigamente, o destino da terra inscreve-se no processo físico do seu dominador. O rei Artur adoecia, a terra se estiolava. Pedro Páramo, em seu rancor contra Comala (não prantearam como deviam sua amada da infância, uma mulher cuja agonia já prefigurava o pathos fantasmagórico da região), acarreta sua destruição:

“Perdeu interesse por tudo. Desalojou suas terras e mandou queimar os trastes. Uns dizem que porque já estava cansado, outros porque foi tomado pela desilusão; a verdade é que expulsou as pessoas e se sentou na sua cadeira… Desde então a terra ficou baldia e feito ruína… De lá para cá as pessoas se consumiram; os homens se debandaram em busca de outras paragens. Recordo dias em que Comala se encheu de adeuses e até nos parecia coisa alegre despedir-se dos que iam. E se iam com intenção de voltar. Nos encarregavam das suas coisas e sua família. Logo alguns mandavam buscar a família mas não suas coisas, e depois parecem ter esquecido do povoado e de nós e até das suas coisas…”

E, como um fantasma a mais a assombrar esse “povoado sobre brasas”  e o leitor, temos os murmúrios da Revolução Mexicana. A lenta agonia do rancor patriarcal, como um sorvedouro, como um  poço de  estagnação imemorial, atrai tudo para si inclusive uma marca de maquiagem muito vendida por estas bandas chamada progresso.

 

14/04/2010

ANIVERSÁRIO DO BLOG –

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Hoje o blog completa um ano. Na verdade, meu caríssimo amigo e colega de trabalho Nivaldo, após eu ter comentado que, apesar da minha ignorância internética, eu gostaria (ate por sugestões de várias pessoas) de montar uma página na rede, me fez a surpresa (que acabou se tornando um presente e uma alegria constante) de criá-la por mim, no dia 23 de março do ano passado. Mas foi só no dia 14 de abril que assumi a “administração” e o blog ficou aberto ao público. No final desse abril já fiquei contentíssimo com 182 visitas! Com o tanto de texto que coloco (e muitos reclamam, embora o nome do blog era para ter sido, numa brincadeira com meu sobrenome, MONTE DE LEITURAS), e com a obscuridade que um blog literário costuma ter, fico assombrado e grato de saber que, até minutos atrás, um ano depois de ir a público minha página contabilizava 31.049 visitas!

     Durante esse mês de aniversário (até 14 de maio), entre outros planos, farei uma retrospectiva do blog,  resgatando os posts mais antigos, e às vezes complementando-os e atualizando-os.

    Muito obrigado a todos (e, por favor, divulguem o blog)  e um grande abraço para você,Nivaldo.

11/04/2010

Excesso de fadas na mente do matemático: Lewis Carrol, Sílvia e Bruno

“A infelicidade, a desunidade do absoluto conscientemente presente, deverá, agora, ser levada para dentro da unidade da felicidade absoluta. Mas essa felicidade não é somente o encanto presente a si mesmo e que descartou qualquer infelicidade. Ao contrário, essa felicidade é a felicidade que domina a infelicidade e, precisamente por isso, a necessita para si. A conexão íntima de felicidade e infelicidade –não estabelecida numa terceira coisa, mas sim na própria felicidade, que retorna a si ao permitir que a infelicidade pertença a ela –, essa maneira como aquilo que está dividido em dois os detém como um só, constitui o verdadeiro infinito do finito.” (“Heidegger, A fenomenologia do Espírito de Hegel, traduzido por Heloísa Vilhena de Araújo)

 

(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 13 de abril de 2010)

(o texto abaixo foi publicado no “Letras in.verso e re.verso”, em 28 de maio de 2014:

http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2014/05/na-dimensao-do-avesso-personagens-de.html)

 

 “__Mas você não deseja ser sempre feliz, não é Bruno?

 __ Sempre, não. Quando eu fico muito feliz, eu fico também querendo ser um pouco infeliz. Eu falo isso pra Sílvia e ela me dá uma lição pra fazer. Então fico de novo bem.” (Lewis Carroll, Sílvia e Bruno, traduzido por Sérgio Medeiros)

Além da famosa dupla de livros sobre Alice , Lewis Carroll procurou renovar a literatura infantil com o menos conhecido par de romances, assumidamente experimentais,  protagonizados pelos irmãos Sílvia e Bruno. Aqui no Brasil, dos 50 episódios (que consumiram 16 anos de trabalho e originalmente representam umas 700 páginas), 24 foram traduzidos em Algumas Aventuras de Sílvia e Bruno.

Eles são os espertos e vivazes filhos do Governador do País do Outro Lado, mundo paralelo ao nosso. Um dia, o pai precisa viajar (não sabemos por que) por muito tempo e deixa o Estado nas mãos do irmão, que, através de uma vil artimanha, usurpa o poder. Sílvia e Bruno, maltratados pelos tios e pelo primo (que se torna o herdeiro), fogem, e, no País das Fadas, metamorfoseiam-se em fada e elfo.

Em nossa realidade, quem consegue vê-los é o Narrador, um homem que está entrando na velhice, mas que consegue ficar “encantado”, ou seja, numa espécie de transe o qual, além de permitir que conviva com as crianças-fadas, o leva a testemunhar (invisível) as peripécias no País do Outro Lado (ele só não tem acesso ao País das Fadas).Vez em quando, Sílvia e Bruno também participam de episódios na nossa dimensão, aparentemente como crianças “normais” (só que especialmente “encantadoras”).

O que torna um tanto estranhos os primeiros capítulos (depois o leitor se acostuma) é que o autor mistura as dimensões e de uma frase para outra passamos de um mundo para o outro, sem aviso. Ele contempla Lady Muriel, a heroína romântica da nossa dimensão, num vagão de trem, e sobreposto à sua face descortina o rosto de Sílvia no Outro Lado.

Depois que se “entra no jogo”, a estrutura narrativa não apresenta mais dificuldades, embora eu tenha minhas dúvidas se alguma criança conseguirá entendê-la ou se “encantar” com ela (ao que parece, na época de Carroll, episódios isolados conseguiam essa proeza: tanto que o romance nasceu de um capítulo, “A Vingança de Bruno”, que fez muito sucesso).

Há muitos detalhes apaixonantes, a trama geral é deliciosa (há também a complicação romântica envolvendo Muriel e o amigo do narrador, Arthur Forester, apaixonado por ela e sem coragem de se declarar, o que a leva para os braços do primo, Eric), mas há muita coisa extravagante, no mau sentido, e, ao fim e ao cabo, enfadonha. Como acontece no Wilhelm Meister, de Goethe, e em Ada ou Ardor, de Nabokov, a criatividade, a exuberância da imaginação, a riqueza episódica ficam comprometidas.pelas idiossincrasias do autor, e por um certo artificialismo de salão, que prejudica muito a leitura, que oscila entre a admiração e a exasperação.

Carroll já radicalizara suas peculiaridades em Através do Espelho, o qual, concordamos todos, é muito mais “estranho” do que o primeiro Alice. Em Sílvia e Bruno, querendo coroar a obra da sua vida, ele enfatizou por demais suas obsessões, suas próprias questiúnculas, de tal forma que todas as discussões metafísico-científicas  envolvendo tempo, espaço, medidas, princípios lógicos, usos e funções dos nomes, acabam parecendo as divagações monomaníacas de alguém muito neurótico e esquisito, e certos episódios “infantis” (como o do leão, a ovelha e as raposinhas) acabam sendo de um tremendo mau gosto.  Parece que ele levou ao extremo e se intoxicou com a percepção do que acontecera com Através do Espelho, tal como Roger W. Holmes descreve muito bem:

“Essas regiões estão repletas de problemas e da parafernália da lógica e da metafísica, da teoria do conhecimento e da ética. Encontramos aqui um tratamento extremamente imaginativo dos princípios lógicos,  dos usos e significados das palavras, das funções dos nomes, das perplexidades ligadas ao tempo e ao espaço, do problema da identidade pessoal, do status da substância em relação a suas qualidades, o probelma da mente-corpo…”

A seleção brasileira, otimamente traduzida, acaba ilustrando os acertos e os perigos que envolvem a originalidade. Até ela pode ser demasiada e se transformar em incomunicabilidade.

VER TAMBÉM NO BLOG:

https://armonte.wordpress.com/2013/12/28/uma-menina-sem-modos-que-moral-podemos-tirar/

https://armonte.wordpress.com/2010/04/09/destaque-do-blog-as-aventuras-de-alice/

09/04/2010

Destaque do blog: AS AVENTURAS DE ALICE

(uma versão do texto abaixo foi publicada no “Letras in. verso e re.verso”, em 28  de maio de 2014:   

http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2014/05/na-dimensao-do-avesso-personagens-de.html)

  “Meu querido Charles,

Você pode confiar em que não esquecerei  da sua encomenda. Assim que chegar a Leeds, começarei a gritar, no meio da rua ´Ferrageiros´, `Ferrageiros´. Seiscentos homens acorrerão de uma loja num instante, voando de todas as direções, os sinos tocarão, a polícia será convocada, a cidade será incendiada. Eu HEI de conseguir uma lima e uma chave de fenda e uma argola,e se essas coisas não forem trazidas imediatamente, em quarenta segundos, não deixarei pedra sobre pedra em toda a cidade de Leeds, e a única coisa que sobreviverá será um gatinho, porque não sei se terei tempo de matá-lo. Então haverá gritos e arrancar de cabelos! Porcos e bebês, camelos e borboletas, rolando juntos na sarjeta, mulheres velhas tentando escapar pelas chaminés e vacas correndo atrás delas, patos escondendo-se em xícaras de café e gansos gordos espremendo-se em estojos de lápis. Finalmente, o prefeito será encontrado em um prato de sopa coberto com creme e será revestido de amêndoas para ficar parecido com um pão-de-ló e assim tentar escapar da terrível destruição da cidade (…)

Eles finalmente trazem as coisas que pedi, então eu poupo a cidade e mando em  cinqüenta vagões, sob a escolta de dez mil soldados, uma lima, uma chave de fenda e uma argola de presente para Charles Lutwidge Dodgson”.

Como muitos adultos, sou fascinado por Alice no País das Maravilhas & Através do espelho e o que Alice encontrou lá, de Lewis Carroll (1832-1898), e mais de uma vez fiquei desconcertado com o volume de crueldade, desfaçatez, arrogância, perversidade, estupidez e violência que avulta na aparentemente inofensiva história da menina que vê um coelho tirando um relógio do bolso do colete, vai atrás dele, entra numa toca e a partir daí vive diversas aventuras num País das Maravilhas que de maravilhoso nada tem a não ser o nonsense do autor, seus jogos com as palavras, a lógica formal e seus silogismos, e as convenções sociais ;e tudo isso se radicaliza mais ainda na aventura subseqüente, quando, após admoestar, ameaçar e sacudir a filhotinha da sua gata de estimação, a menina “passa” para o outro lado do espelho. Só para dar um exemplo memorável,  no capítulo 7 (no país do espelho, onde não por acaso há uma duplicação incômoda de rainhas, reis, cavaleiros, mensageiros, etc):  o Rei Branco, que enviara sabe-se lá para onde  “quatro mil duzentos e sete” cavaleiros,  ordena a Alice:

“Dê uma olhada na estrada e veja se pode avistar algum deles.

–Ninguém está vindo pela estrada – disse Alice.

-Ah, só queria ter olhos assim –observou o Rei em tom rabugento– Capazes de ver Ninguém! E a tal distância!  Ora, o máximo que consigo é ver alguém de verdade.”

    Mais adiante, quando chega um dos dois Mensageiros do Rei (ao qual Alice atribui “maneiras meio esquisitas” e o Rei replica: “Esquisitas? Não. Ele é um mensageiro  anglo-saxão, e aquelas são maneiras anglo-saxônicas”), o Rei pergunta a ele:

“–Por quem você passou pela estrada?

–Ninguém – respondeu o Mensageiro.

–Certo, certo– disse o Rei– Esta jovem aqui também o viu…”

O texto que abre este post talvez ajude a entender a origem desse universo peculiaríssimo. Ele pode ser encontrado na página 382 da edição brasileira (traduzida por Raffaella de Filippis e lançada pela Record) da biografia de Carroll escrita por Morton N. Cohen. Trata-se de uma carta escrita pelo pai de Charles Dodgson (verdadeiro nome de Carroll), respondendo a um pedido do filho de oito anos. Nela,  encontramos tudo: o nonsense, a imaginação exuberante, os delírios de grandeza e a violência desmedida. Pasmem: é a carta de um austero e repressivo reverendo anglicano, atado à mais estrita moral vitoriana que se possa imaginar. No entanto, se um pai jamais teve influência no estilo de um filho, nem que seja involuntariamente, eis aí a prova. A carta do reverendo Dodgson podia perfeitamente fazer parte do mundo de Alice (tanto é que, e Cohen o registra escrupulosamente, temos aí a referência extravagante a “porcos e bebês” rolando juntos na sarjeta,e em Alice um bebê se transforma em porco, assumindo a forma que as suas feições já propiciam).

Pelo menos na minha geração, a referência de tradução para os dois livros das Aventuras de Alice é a de Sebastião Uchoa Leite (Summus Editorial, 1980), que tirou Lewis Carroll do mundo Disney e das adaptações e condensações infanto-juvenis. Ele também aproveitou as versões extraordinárias de Augusto de Campos para alguns textos carrollianos e do poema Jabberwocky, que faz parte de Através do espelho e o que Alice encontrou lá. No Brasil, será difícil algo que supere Jaguadarte:

Era briluz. As lesmolisas touvas

       Roldavam e relviam nos gramilvos.

Estavam mimsicais as pintalouvas

     E os momirratos davam grilvos.

 

Foge do Jaguadarte, o que não morre!

       Garra que agarra, bocarra que urra!

Foge da ave Felfel, meu filho, e corre

     Do frumioso Babassurra!

 

Ele arrancou uma espada vorpal

    E foi atrás do inimigo do Homundo

Na árvore Tamtam ele afinal

     Parou um dia sonilundo.

 

E enquanto estava em assustada sesta

      Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,

Sorrelfiflando através da floresta

     E borbulia um riso louco!

 

Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta

      Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!

Cabeça fera, corta e, fera morta,

     Ei-lo que volta galunfante.

Pois então tu mataste o Jaguadarte!

      Vem aos meus braços, homenino meu!

Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!

    Ele se ria jubileu…” etc etc.

Recentemente, a Jorge Zahar publicou uma versão brasileira da edição enciclopédica de Martin Gardner das duas obras, que pretendo comentar aqui oportunamente.. Mas nos últimos dias, me ocupei da esplêndida versão de Nicolau Sevcenko publicada há pouco pela CosacNaify (infelizmente com umas ilustrações medonhas de Luiz Zerbini) de Alice no País das Maravilhas.

Nessa outra dimensão da realidade, Alice ora cresce desmesuradamente, ora diminui de forma aflitiva (“dessa vez, pode ser que eu suma de uma vez, como uma vela. E o que seria eu então?”). Isso gera dúvidas quanto à sua própria identidade, como no divertidíssimo diálogo com a pedante Lagarta, que pergunta quem é ela: “Eu neste momento  não sei muito bem, minha senhora. Pelo menos, quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem era eu, mas acho que depois mudei várias vezes… Eu acho que não consigo me explicar, minha senhora, pois não sou mais eu mesma…”

Alice fica confusa e furiosa com todas as suas mudanças, mas não exatamente angustiada, não há uma ameaça à sua identidade. Não estamos  no mundo da Metamorfose de Kafka… ainda. O que está em jogo, aqui, é a disponibilidade infinita da criança, antes de ser domesticada e deformada pelas regras absurdas e impositivas do mundo adulto. Muito do absurdo delicioso de Alice no País das Maravilhas reside no fato de que os seres que a heroína encontra tentam impingir-lhe (e se ela retruca e questiona, consideram-na  “sem modos”) ou considerações lógicas que no fundo são idiotas e rebarbativas, ou regras que não têm sentido, que “têm de ser assim”, sem fundamentação alguma.

Nada demonstra melhor isso (se as cenas anteriores, como a conversa com a Lagarta, a cena com a Duquesa, a Cozinheira e o Bebê, ou a hora do chá interminável com o Chapeleiro |Maluco e a Lebre Aloprada, não o tiverem feito; de qualquer forma, elas inscrevem-se indelevelmente na nossa imaginação, mesmo que não procuremos “explicá-las”) do que o baralho de cartas que forma uma  Corte (é preciso lembrar que Carroll escrevia num país onde até hoje há a realeza). E há coisa mais arbitrária do que as regras de um jogo de cartas?

Durante o julgamento do Valete (com a ameaça onipresente da Rainha de Copas de sempre mandar cortar a cabeça de alguém, promulgando a sentença, antes do veredicto, e aí sim estamos já no mundo kafkiano), o Rei quer expulsar  Alice citando a regra 42 do regulamento. Ela, a sem modos, retruca: “Pois bem, eu não vou sair daqui  de jeito nenhum! E além do mais, não existe essa tal regra, você acaba de inventar isso agora mesmo”. O rei replica, como se  bastasse apenas dizer isso: “É a mais antiga regra do Livro”. Alice, impávida, mostra que tudo que é sólido pode se desmanchar no ar e que as certezas do mundo adulto podem sempre ser voltadas contra ele: “Nesse caso, ela deveria ser a de Número Um”.

       Charles Dodgson não se manteve com oito anos. No entanto, já adulto, diácono (que é uma espécie de condição eclesiástico-leiga ou leigo-eclesiástica preliminar à ordenação como clérigo anglicano), professor de matemática e lógica em Oxford, ele não se desligou da infância, pelo menos nos seus gostos eróticos. Era um pedófilo, ainda que não se tenha notícia de qualquer abuso cometido contra uma menina (a sua preferência). E ele fotografou dezenas, com a autorização dos pais, cultivou “amizades” com ela. A inspiradora de Alice, por exemplo, era uma das filhas do reitor, e  num passeio de barco com um amigo, ela e suas duas irmãs, é que surgiram as prImeiras aventuras da Alice ficcional. Muito caprichoso, principalmente no tocante aos presentes para suas “amiguinhas”,  Dodgson (ainda não Carroll) escreveu As aventuras de Alice no Subterrâneo e confeccionou e ilustrou um livro para a Alice real. Em 1865, esse livro foi aumentado e transformado em Alice no País das Maravilhas (a continuação no País dos Espelhos, apareceu em 1871).

Durante anos, ele cultivou a amizade com a família do reitor até que as relações “esfriaram” por razões não muito bem esclarecidas, mas é evidente que têm a ver com a estranheza de tud aquilo.  Morton N. Cohen tem Alice Liddell como o grande amor da vida de Charles Dodgson, e acha que ele nunca se recuperou da decepção de não ter casado com ela.  E é bem severo na sua biografia com a frieza e volubilidade da família Liddell como um todo, especialmente da mãe de Alice.

De qualquer forma, após a “amizade” enquanto criança e pré-adolescente com Dodgson e uma paixão compartilhada, mas que não deu em nada com Leopold, um dos filhos da rainha Vitória, Alice se casou com Reginald Hargraeves., tornando-se uma mulher intolerante com a criadagem, muito convencional, enfim, o epítome da “dama” vitoriana. Dos seus três filhos, dois morreram na Primeira Guerra. Em 1926, morreu  o marido, e o filho que sobrou, Caryl (Cohen faz especulações com o nome dele, por conta da associação Caryl-Carroll)  aos poucos leva o patrimônio da família à quase bancarrota, por falta de sorte, pelas condições da época, enfim, por uma série de circunstâncias e vicissitudes pessoais e históricas.  Cohen  escreve então ( pág. 598): “Alice  correu para o resgate. Ela guardara em seu escritório todas aquelas magníficas primeiras edições, com suas dedicatórias especiais, além de vários presentes que ganhara de Charles, entre os quais o famoso caderno com capa de couro verde contendo o primeiro manuscrito  da história de Alice. Ela decidiu vendê-lo. Lewis Carroll já era  um nome mundialmente famoso, e seus manuscritos e primeiras edições autografadas eram tesouros caçados por colecionadores ricos de todos os cantos do mundo.Alice não teve escrúpulos…”Em 1932, ela se deixa envolver pelas homenagens ao centenário de Dodgson/Carroll e chega a viajar para os EUA em turnê para diversos eventos. Só para depois afirmar (num desabafo ao filho) que estava cansada  de ser Alice no País das Maravilhas: “Isso soa ingrato? Que seja–pois  o fato é que estou cansada” (pág. 600).

O que me leva à Alice ficcional e seu desejo de ser uma “rainha” em Através do Espelho, um flashe muito interessante da intuição de Charles Dodgson do “eu” real da sua “amiguinha”. No capítulo 9, ela realiza sua aspiração: “Ah, que maravilha. Nunca pensei  que fosse ser Rainha tão cedo… e para falar a verdade, Vossa Majestade –disse em tom muito grave (ela adorava fingir que estava repreendendo a si mesma)– não fica bem estar refestelada na grama desse jeito! As Rainhas têm que ter dignidade!”

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https://armonte.wordpress.com/2013/12/28/uma-menina-sem-modos-que-moral-podemos-tirar/

 

07/04/2010

A MORTE DO CAIXEIRO VIAJANTE: “A METAMORFOSE”

(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos,  em 14 de outubro de 1997)

A Companhia das Letras iniciou uma nova edição das obras de Franz Kafka no Brasil, começando com A METAMORFOSE, certamente um dos textos mais traduzidos por aqui. Eu, por exemplo, tenho em casa quatro  traduções brasileiras (além de uma portuguesa). A Ediouro publica atualmente tanto a tradução pioneira de Torrieri Guimarães (que está na coletânea A Colônia Penal) quanto uma versão de Marques Rebelo. Há a tradução de Brenno Silveira, relançada pela Civilização Brasileira.  E a mesma tradução de Modesto Carone que inicia o empreendimento da Companhia das Letras já havia sido lançada pela Brasiliense. Como se vê, é metamorfose que não acaba mais, quase tanto quanto as metamorfoses partidárias de certos políticos em época pré-eleitoral.

Como se sabe, A METAMORFOSE conta a história de um caixeiro-viajante, Gregor Samsa, o qual desperta uma manhã transformado numa “espécie monstruosa de inseto”. Como se sabe também, o texto (que  Kafka escreveu em 1912, numa grande fase criativa) é uma espécie de vingança simbólica do genial escritor tcheco contra sua família: ao mostrar Samsa reduzido à condição de um inseto inválido e incapaz para o trabalho, ele estaria dando vazão a um ressentimento que faz dos familiares de Gregor os verdadeiros monstros da narrativa (mesmo a irmã, Grete, bondosa com ele a princípio, vai metamorfoseando-se numa tirana).

O principal alvo é o pai. Não é à toa que os capítulos de A METAMORFOSE acabam convergindo para confrontos onde o pai de Gregor praticamente o esmaga. Inicialmente, com uma bengalada, relegando o filho à condição de prisioneiro no seu quarto, e, meses mais tarde, ao acertá-lo com uma maçã que apodrecerá no seu corpo, apressando seu fim.

O pai, dentro da ótica do narrador, parece revitalizar-se com a desgraça do filho e parece ressentir-se, ao mesmo tempo, pela atenção dispensada a ele na sua “condição monstruosa”, a qual nada mais é do que a inatividade, a incapacidade de ganhar a vida, o sustento da família, ou seja, de manter-se no mercado de trabalho, essa expressão odiosa que parece ter se metamorfoseado no nosso único horizonte.

Mas, com se sabe também, A METAMORFOSE é uma demonstração do progressivo esvaziamento das pessoas pelo capitalismo, isto é, sua crescente desumanização e alienação da própria ideia do “humano”.  É por isso que não se limita a ser apenas uma mera vingança de um filho oprimido e recalcado, para ganhar a dimensão de grande alegoria da nossa época.

O que, porém, só uma leitura, um contato efetivo, transcendendo o mundo de informações biográficas e interpretativas que se pode ter de A METAMORFOSE, mesmo sem ter lido o texto, dessa que é a novela (aquela forma intermediária e imprecisamente caracterizada entre o romance e o conto) mais importante, o texto paradigmático deste século, pode mostrar verdadeiramente o impacto que é acompanhar Gregor Samsa rumo à sua morte decretada pela família e pela esfera de produção, em cenas que conseguem o milagre de ser engraçadas (quem pode esquecer a fuga do chefe de Samsa após sua aparição? Ou o espanto dos inquilinos? Ou a empregada jocosa?) e macabras, a um só tempo.

E, pouco antes da terrível sentença familiar contra ele, o inútil, o inválido, o sem-vida no mundo em que todos precisam ser úteis, produtivos e capazes, o texto  atinge o ápice da beleza quando Gregor rasteja, inconsciente dos danos que pode trazer (ele que se transformou num monstro rancoroso, rabugento e faminto), rumo à irmã que toca violino:

“Gregor rastejou um pouco mais… a fim de que os seus olhares se encontrassem. Será que ele não passava de um animal, embora a música o emocionasse tanto? Parecia que ela lhe abria um caminho rumo a um alimento desconhecido pelo qual ele tanto ansiava.”

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