(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 28 de novembro de 2017)
Tinha jurado para mim mesmo nunca mais ler uma narrativa sobre um escritor em conflito com o mundo ou com bloqueio criativo, mas não contava com Bruno Ribeiro, o príncipe da prosa sulfúrica, pornográfica e ultrajante: “Decido ir ao lançamento, teria conhecidos e precisava de uma massagem de ego. Velhos broxas e velhas de buceta seca adoram elogiar meu livro, falar dos prêmios, do glamour, da minha roupa e voz de barítono, cabelo renascentista; risadas de dentadura, jovens virgens e amantes da alta literatura me cumprimentando, amigos – não tão amigos, pois são escritores”, eis um trecho quase inofensivo no jorro atropelador de “FEBRE DE ENXOFRE”.
Yuri Quirino é um poeta que se sente asfixiado pela rotina de Campina Grande. Tenta até um patético suicídio, pulando do terceiro andar e está “queimado” na cidade por dar aulas de poesia a travestis. Então aparece Manuel di Paula, o qual lhe faz uma proposta, ir a Buenos Aires escrever sua biografia.
Esse convite tem algo de pacto diabólico, aliás enseja uma das cenas mais bizarras do romance, quando Manuel tira a arcada dentária e coloca na mão de Yuri Quirino, que a partir daí começa a sentir em si um cheiro fétido.
“Vocês têm o que, mas não tem o como. Mas ter o que é mais importante do que o como. O que há de estudantes de literatura preenchidos pelo como não há como contabilizar, são bilhões, trilhões, e nenhum deles tem o que, o que, o que, o que vou contar? Nada”.
Para escapar desse círculo “infernal”, ele viaja para Buenos Aires, que mais parece um show de Alice Cooper, enquanto acompanhamos a alucinante e infame biografia de Manuel di Paula, um dos pontos altos da nossa ficção atual.
Em tempo: Bruno Ribeiro escreveu a brilhante coletânea “Arranhando Paredes”, onde há a mesma fusão de divertimento e perversidade corrosiva.