(a lista abaixo foi reproduzida no site “Letras inverso e re.verso” em 25 de abril de 2014:
http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2014/04/10-filmes-essenciais-partir-das-pecas.html)
Sim, eu sei, eu sei, tem o indefectível Hamlet de Laurence Olivier (não desgosto, muito pelo contrário, da versão completa da peça, dirigida por Kenneth Branagh, mas é “estilosa”, amaneirada demais, com seu elenco irregularíssimo). Se é, entretanto, para indicar somente 10 filmes entre as centenas de versões cinematográficas (incluindo filmes de fantasia, como o belo Planeta Proibido, que evoca A tempestade), escolho os seguintes:
- HAMLET (1964), a versão russa de Grigori Kozintsev (com co-direção de Iosif Shapiro), até hoje a mais impressionante que tive oportunidade de assistir, a que se parece mais com a ideia que tenho da peça. Que fotografia! Um detalhe: o roteiro teve colaboração de Boris Pasternak (autor de Doutor Jivago). Apesar do nome finneganswakiano, Innokentiy Smoktunovskiy no papel-título eclipsa Oliviers, Branaghs etc;
- TRONO MANCHADO DE SANGUE (1957). Gosto do Macbeth de Welles, gosto bastante da versão “suja” de Polanski, todavia essa apropriação da trama shakesperiana para o universo de Kurosawa é arrasadora, e tem a ligeira vantagem sobre Ran (o Rei Lear do genial diretor japonês) de ser mais seca, desidratada de grandiloquência. Para mim, um dos filmes essenciais da história do cinema;
- REI LEAR (1971). Peter Brook (que já tinha dirigido Orson Welles numa versão de 1953) encena quase que com um espírito bergmaniano esta belíssima e controversa versão (que parece ter sido filmada nos confins do universo, no território da desolação). E que ator é Paul Scofield, um dos maiores entre os maiores. Listo o de Brook, mas é bom lembrar do filme de Kurosawa (e, claro, da versão do mesmo Konzintsev do Hamlet acima, e que sempre foi muito difícil de ter a oportunidade de assistir);
- OTELO (1952)- A versão de Orson Welles vale mais pelo visionarismo e visceralidade do próprio diretor do que exatamente pela harmonia do conjunto (para a qual contribuiu principalmente a caracterização do próprio e ultra-narcisista diretor no papel-título). Ainda assim, um filme grandioso. A versão corretinha de Oliver Parker, de 1995, tem, para mim, a melhor e mais linda Desdêmona do cinema, Irène Jacob;
- CÉSAR DEVE MORRER (2011)- Ainda que o Júlio César de 1953, de Joseph L. Mankiewcz seja o mais bem-sucedido e equilibrado espetáculo hollywoodiano já levado a cabo utilizando uma tragédia shakesperiana (além de ser um grande momento de James Mason), há muitos anos já não esperava mais nenhuma versão realmente inovadora e brilhante de uma peça do bardo. E eis que os irmãos Taviani resolvem a equação de forma genial e simples: colocando presidiários para interpretar o drama da conspiração romana. Um dos maiores filmes recentes;
- A MEGERA DOMADA (1967)- Não posso dizer que sou muito fã de Franco Zeffirelli, mas se algum dia ele já acertou a mão num filme foi nessa deliciosa travessura do casal Elizabeth Taylor- Richard Burton, inspiradíssimos nos seus arrufos e arrulhos, numa encenação bela de ver, leve, dinâmica, cheia de verve e charme;
- COMO GOSTAIS (1936)- Um jovem Laurence Olivier (ainda sem aqueles maneirismos canastrônicos que ele foi cristalizando no cinema) atua, nessa adaptação dirigida por Paul Czinner, no papel de Orlando, naquela que é a comédia mais espirituosa e engenhosa de Shakespeare. Apesar do roteiro não dar conta plenamente disso, o filme tem aquele timing dos anos 1930, e pode ser uma boa introdução para quem quer começar a conhecer o lote menos trágico da sua obra;
- HENRIQUE IV- 2ª. parte (2012)- Richard Eyre não é um grande diretor, longe disso, mas ele fez a mais cirúrgica e precisa adaptação de uma peça histórica de Shakespeare, pelo menos em anos recentes. Essa segunda parte é bem mais interessante que a primeira (diga-se a verdade: é impossível entender todos os imbróglios ligados à sucessão real dessas peças). Jeremy Irons, soberbo;
- O MERCADOR DE VENEZA (1973)- E eis uma interpretação shakesperiana de Laurence Olivier (já “medalhão”) na lista, enfim! Na verdade, incluo este telefilme de John Sichel porque foi a primeira vez, quando eu ainda era garoto, que um texto de Shakespeare me despertou a atenção, siderado que eu fiquei com as cenas de julgamento, as réplicas, a atmosfera toda dessa estranha peça;
- SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO (1935)- Acho que Max Reinhardt deu o toque de classe, o “plus” ao co-dirigir com William Dieterle uma versão americana da sublime farsa sazonal, muito menos ridícula e forçada (talvez pela pátina nostálgica) que quase todas as versões posteriores das comédias shakesperianas com elencos mais castiços. O elenco é inusitado, indo de James Cagney (não, não, ele não interpreta Puck, papel de Mickey Rooney, mas encarna Bottom, curiosidade que já valeria uma olhada no filme) a Olivia de Havilland (Hermia).
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