http://www.ederfogaca.blogspot.com.br/
HAVIA : NO FINAL DA FRASE
havia : no final da frase : que no início não me diziam nada e se nada é o fim pode também ser parte do princípio como posso explicar tive a impressão que tudo partia dali daqueles : no final da frase puxei um panfleto antigo que guardara no bolso da calça puxei uma caneta para tentar esquecer mas quem disse quem disse que : a gente esquece assim andei cabisbaixo por um tempo medi os meus passos andei perto do que me foi destinado mas depois esqueci e quem disse que : a gente esquece assim quando bati em sua porta era uma noite chuvosa mil coisas passavam pela minha cabeça desde os desenhos que vira na livraria num livro de arte que me entorpeceu por uma tarde toda até os dias que se passaram e eu não vi quando toquei a campainha de sua casa eu já sabia o que viria ao meu encontro eu já sabia o que esperava por nós uma noite num bar qualquer entre tantas cervejas você me disse já deu meu bem não entendi no princípio como no princípio não havia entendido o significado daqueles : no final da frase depois me dei conta me dei conta que tudo não passava de um mal-entendido e você repetindo já deu pra nós dois meu bem era uma noite chuvosa e deixei aquele bar que também era tua casa sem sentir o chão que eu pisava tudo girava nada fazia sentido como para mim até então não fazia sentido aqueles : no final da frase insisti para que você me explicasse mas não tinha explicação alguma não havia mais nada que pudesse ser dito porque tudo que tivesse de ser dito ficou para trás então me dei conta me dei conta quando lembrei do bilhete sobre a mesa da sala que dizia uma frase você bem sabe nunca deve terminar com :
DOIS MICROQUONTOS:
http://microquontos.blogspot.com.br/
Fumava tabaco há anos. Todos os dias. Percebeu que se plantasse em casa sairia mais barato. Assim o fez. A moda pegou. A primeira safra foi boa, a segunda melhor. Na terceira foi preso. Investigação da Polícia Federal. Operação ‘A Cobra Vai Fumar’. Em sua ficha consta: crime contra o sistema financeiro nacional e sonegação de impostos.
****
Com tanta jogada para fazer, foi comer logo a rainha do oponente.
ALGUNS POEMAS:
Subo e desço
de um trem imaginário
que me leva do nada a
lugar nenhum.
Sempre precisei de lugares e objetos imaginários
para construir meus castelos. Esses de areia.
Hoje, falando nisso, perdi o trem.
*****
a chuva cai sem vontade
numa tarde quase incerta
entra pela janela
um ar solene de solidão
fica assim parado
sem dizer nada
como se os dias e as horas
nada quisessem de mim
o seu silêncio perturba
e faz parar o tempo
******
Éder Fogaça é natural de São Leopoldo (RS) desde 1977. Andou de ônibus gratuitamente durante um ano após ser finalista da 11ª Edição do Concurso Poemas no Ônibus, da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, no ano de 2003. Depois foi para Santos (SP) e integrou o Grêmio de Haicai Caminho das Águas, grupo destinado ao estudo, produção e disseminação dessa forma poética. Em 2005, ao lado de nomes como Teruko Oda, Regina Alonso, Mahelen Madureira, Roberto Graça Lopes, entre outros, participou da Mostra de Haicais Natureza em Fotopoemas, no SESC Santos, combinando trabalhos fotográficos de Du, Palê e Zé Zuppani com haicais dos membros do grupo. Atualmente edita o blog literário E!?
À MARGEM DO RIO
eu estive assoberbado nos últimos dias
e tropecei no meu próprio verbo
corri sem destino
falei sem pensar
sentei à margem do rio
e o deixei passar
não
eu quis que o rio parasse
veja só que audácia a minha
eu quis que o rio parasse
nada faz um rio parar
nada faz um rio deixar de ser o que ele é
um rio
queira você ou não
um rio
vai ser sempre
um rio
e nada
mais
eu estive assoberbado nos últimos dias
mas porque
eu ainda não compreendi
o que eu estou fazendo
aqui
O FIM DO DIÁLOGO
Quando no meio da mais singela palavra
acabam
os teus créditos
ACASO
E se com todos os meus erros
no final
der tudo certo
flertando com o microconto e cultivando seu raro talento de exímio haicaista, como no belo exemplo (em inglês) logo abaixo:
in the garden
the bird picks up the seed
and flies
(no mais, aqui vai uma pequena antologia dos textos fogaçarianos):
ABRIGO
tem algo
que não digo
que me serve
como palco
que me serve
como abrigo
CADEIRA VAZIA
Num tempo distante
a cadeira vazia na varanda
era convite para
o viajante
Hoje a cadeira
segue vazia
numa varanda cercada
por barras de ferro
CONTRACULTURA
o máximo de rebeldia
que atingiu nos últimos tempos
foi a opção por permanecer
fumando.
TEMPO DE DESPERTAR
06H20
o celular atenta
para o início do dia
a partir de então
mantém-se num silêncio
monástico.
DIA DA PARTIDA
não temos mais tempo
ouço o trem
que se aproxima
dê-me a mala
um beijo
e não olhe para trás.
A DECISÃO
trancou a porta do banheiro por dentro
um barulho de metal tocando a louça fria da pia
depois o silêncio
e uma gota de sangue escorrendo no espelho.
SURDEZ
Meu ouvido amanheceu fechado. O som alto, o cigarro, a chuva no fim da noite. Numa de olhar para o lado, deixei de lado o que mais importava para mim. O que fazer quando algo dá errado? Observe a imagem no espelho. Há tanta coisa entre o céu e a Terra… Me perdi no centro. No centro de tudo, no centro de nada. Me perdi porque o centro não era meu, era teu, era nosso. Nada faz sentido, nada. E se você se vê incomodado, procure um sentido onde não há. É o primeiro passo para se ficar surdo.
HAICAIS
flores no mato
borboletas voando
pra todo lado.
vento do mar
a gaivota parada
no ar.
chuva fina
até a onze-horas
perdeu a hora
as ondas vêm
e vão para ninguém –
maré outonal
nuvem parada
virou lágrima
do nada
luzes de natal
a árvore decorada
passa a noite em claro
escorrendo na vidraça
pingos de saudade
lá de casa
a lua aparece
entre nuvem e outra
o brilho é igual
chuva constante
o guarda-roupa mudou
agora é varal
eu em demasia
não fosse
a poesia
quase verão
no silêncio da noite
grilam estrelas
chuva gelada
o vento com pressa
por dentro de casa
tarde de festa
o flamboyant como palco
pro canto da cigarra
trilha na mata
o vôo da borboleta
mostrando o caminho
no meio da rua
um punhado de sol
molhado de chuva
café da manhã
o canto do bem-te-vi
passado no pão
sala vazia
o silêncio dos livros
na livraria
no cair da noite
vai sumindo lentamente
a pipa no céu
lua ao meio
metade dela
não veio
nuvem de verão
a fumaça do cigarro
suspensa no ar
a brisa da tarde
numa doce melodia –
sino-dos-ventos
trazendo o dia
o canto do quero-quero
na minha janela
farelos sobre a mesa
as formigas vieram
para a ceia
hora do jantar
me fazendo companhia
um grilo à mesa
folha em branco
o caderno inicia
primeira aula do ano
noite pacata
de repente estrelas
nas águas do lago
nas entrelinhas
o sol é um monte
de estrelinhas
céu nublado
o girassol olhando
para os lados
fim do carnaval
fantasias desfilam
no varal
o vento passou
da ponta do galho
a folha acenou
para cada escolha
tanto dias de sol
quanto noites de insônia
tardinha outonal
o pescador solitário
lança a linha na água
noite de outono
na companhia da chuva
eu volto pra casa
em cada trovão
um pedaço do dia
que a noite escondeu
surpresa no céu
primeira lua de outono
entre as nuvens
nuvem movente
água que abre caminho
água corrente
arrebol de outono
na superfície do lago
o barco se deita
a rua desperta
atravessam a noite
sapatos de festa
súbito venta
folha seca não agüenta
o próprio peso
tarde tranqüila
a borboleta de outono
entra na livraria
fim de tarde
o sol se pondo
sem alarde
noite outonal
o leve balanço das
roupas no varal
formigas em desespero
a marca do tênis
no formigueiro
vindo a noite
nos pêlos do braço
friozinho de outono
rajada de vento
a árvore balança
chuva de folhas secas
noite de inverno
na companhia da lua
a solidão é menor
noite de inverno
o cheiro do caldo verde
por toda a casa
doce jardim
diz a placa escondida
entre o capim
noite de inverno
o murmurinho das ondas
por dentro do quarto
tardinha de outono
depois de muito trabalho
a escuna ancorada
madrugada fria
um instante de silêncio
por toda a cidade
garoa insistente
pela avenida passo
a passo em frente
noite de inverno
a solidão no toque
do sino-dos-ventos
dono da cena
o tico-tico no galho
põe fim na conversa
mar de inverno
o som das ondas quebrando
o silêncio da noite
corpo seminu
primeira flor amarela
no galho do ipê
lua vermelha
a tarde vai saindo
de cena
manhã chuvosa
nenhum pássaro cantando
na galho do ipê
em boa companhia
a mariposa
passeia sozinha
na chuva empoçada
sob estrelas
o vento gelado
varre folhas secas
café da manhã
as gaivotas sobrevoam
o barco pesqueiro
almoço campeiro
o carreteiro aquecido
no fogo de chão
manhã de sol
o branco das ondas
ainda mais branco
dança solitária
a areia em círculos
na orla da praia
chove tanto
parece até
que chove em prantos
um tanto faceira
entre dois prédios
brilha uma estrela
a pipa vai subiiindo
lá em cima sente saudade
do menino
céu nublado
um único pássaro
no gramado
chuva criadeira
o pequeno sabiá
sob a soleira
tarde nublada
a menina rodeada
de bolhas de sabão
tarde silenciosa
entre um parágrafo e outro
o canto da cigarra
manhã de outono
sobre a mesa da cozinha
as frutas de cera
noite na estrada
a lua surge
corada
madrugada fria
entre a fresta da janela
o som do mar
tarde fria
a velhinha passeia
encolhida
meia lua
a noite cheia
de estrelas
MINICONTOS:
DESATENÇÃO
Atravessava a rua quando ouviu o buzina. Treze dias depois acordou de um susto. Sonhara que havia sido atropelada.
FESTA LITERÁRIA
Antes de sair, foi ao dicionário retocar o verbo
BALA PERDIDA
Passou a chave na porta. Largou sobre a mesa o celular, a carteira; dos bolsos tirou moedas, comprovantes do Credicard e papéis com números telefônicos anotados. Sentou-se no sofá para tirar os sapatos. Ligou a tevê. Marília não devia ter dito aquilo. Não com aquelas palav…
sensível, prazeroso.
Comentário por mariana fernandes — 10/08/2009 @ 19:52 |
Reverência a você, caro Alfredo.
E minha gratidão também.
Um abraço do amigo
Éder.
Comentário por Éder Fogaça — 28/04/2010 @ 16:00 |
Eu que agradeço, meu amigo, pelos seus belos textos. Gostaria de ter uma linguagem assim tão precisa e econômica. Mas me inclino mais para o oposto. Octavio Paz diz: “A idéia fixa embebeda-se do oposto”. Acho que é isso mesmo.
Um grande abraço.
Comentário por alfredomonte — 28/04/2010 @ 16:38 |
Um deleite para a alma.
Comentário por Thais Hameister — 18/06/2010 @ 22:04 |
…e eu não sabia que o tempo era preenchido de forma tão sábia…. (comentário de sogra)
Comentário por Silvia — 06/04/2013 @ 12:53 |
…são as prendas do genro…
Comentário por alfredomonte — 06/04/2013 @ 13:41 |