
(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 15 de agosto de 2017)
O meu leitor sabe que desprezo a Academia Brasileira de Letras e as indicações geralmente confirmam esse sentimento, caso do mais novo imortal, Antonio Cícero, bom letrista, mas mau poeta e pífio filosofo.
Temos um misto de helenismo, hedonismo e homoerotismo, ou seja, referências à cultura greco-romana clássica (“Vai e diz ao rei/ cai a casa magnífica/ O santuário de apolo/ fenece o louro sagrado”) e uma procura do prazer, do corpo masculino bonito, do momento perfeito em que esse corpo se insere numa paisagem, num instante de beleza.
Antonio Cícero está para Konstantinos Kaváfis como o chup-chup para o sorvete. Temos de aguentar elegias para surfistas, hinos às furtivas caçadas gays em parques e aborrecidas alusões clássicas. Logo no início ele avisa: “Jamais regressarei à Esparta”. Esse tom solene logo é substituído pela necessidade estridente de exaltar o corpo masculino da forma mais ávida, óbvia, servil e constrangedora possível: “Hesitante entre o mar ou a mulher/ a natureza o fez rapaz bonito/rapaz/ pronto para armar e zarpar”; ou então: “Dormes/Belo/ Eu não, eu velo/Enquanto voas ou velejas/ E inocente exerces teu império/ Amo: o que é que tu desejas/ Pois sou a noite, somos/Eu poeta, tu proeza/ E de repente exclamo/Tanto mistério é/Tanta beleza”. E o leitor exclama: quanta abobrinha!
E o leitor exclama isso porque ainda está na página 53 e não viu o que tem pela frente. Ele ainda não chegou a um poema chamado “Onda”, onde se fala de um garoto conhecido no Arpoador, “garoto versátil, gostoso/ ladrão, desencaminhador/ de sonhos, ninfas e rapsodos”. E o que o nosso poeta/rapsodo faz? Segura o tchan? Não: “Comprei-lhe um picolé de manga”. Não é lindo, não é bucólico? Mas ele é recompensado: “…e deu-me um beijo de língua/ e mergulhei ali à flor/ da onda, bêbado de amor”. E ainda estamos apenas na página 57.
Há, é claro, poemas onde se fala do ser, da poesia, do tempo, não se fique com a impressão de que ele só pensa naquilo, porém por que será que sentimos que eles são só embromação para o tema principal?
Depois do picolé do garoto versátil, chegamos ao verdadeiro banana split que é o poema “Eco”: “A pele salgada daquele surfista/parece doce de leite condensado”. Não é lírica essa conjunção agridoce de pele salgada com doce de leite condensado?
Os cicerólogos do mundo da cabeça oca terão muitos símbolos fálicos a desvendar: picolés de manga, pranchas em riste, embora o poeta não perca tempo em sutilezas: “O amante/ Cabeça tronco membro/Eretos para o amado/ Não o decifra um só instante…/ Já o amado/Por mais ignorante e indiferente/Decifra o seu amante/De trás pra frente”. Ao leitor comum restará a saudade de uma letra tão bonita como o “Menino do Rio”, de Caetano Veloso.
Kaváfis também cultuava o fálico. Ele tem um conselho a si mesmo que poderia ser útil a Antonio Cícero: “Esforça-te, poeta, para retê-las todas/embora sejam poucas as que se detêm/ As fantasias do teu erotismo/ Põe-nas, semi-ocultas, em meio às tuas frases/ Esforça-te, poeta, por guardá-las todas/ quando surgirem no teu cérebro, de noite/ ou no fulgor do meio-dia se mostrarem”…
