(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 30 de maio de 2017)
De que universo paralelo e sulfúrico, Andréa Catrópa, trouxe suas histórias curtas, muitas vezes cores e tintas berrantes. Muitas vezes nem sabemos os antessentes que levam os personagens a chegar naquela situação, mas o processo narrativo nos leva de roldão. Essa pane pode ser verificada em contos como “Balcão”, que assim começa: “Não pense que vim aqui confessar perversões ou chorar mágoas. Só vou lhe dizer uma coisa, este é o meu segredo: não vou contar nada. Você deve estar acostumado a ouvir coisas, hein, que até o diabo duvida, não é? Já lhe disseram alguma coisa que de tão suja chegava a ser criminosa? Mas não diga, porque vim aqui para calar”, e termina assim: “No banco giratório de madeira, ajoelhou-se para alcançar o balcão com o pé direito. Quando se deu conta, o barman correu para perto dela, pediu que descesse. Ela deu dois passos para ficar logo abaixo de uma luminária. Parte da louça que aguardava para ser recolhida foi para o chão. Ficar ali no alto, entre cacos de porcelana e cristal, seria perigoso para ela, disse o rapaz. Mas o barulho criou uma interrogação que calou as conversas. Conseguiu a atenção que queria. Limpou a garganta com uma tosse fingida, inspirou o ar tentando alojá-lo o mais fundo possível. Quando todos a olharam, projetou a voz cênica e começou a dizer sua confissão”.
A coletânea SEM SISTEMA (Editora Patuá) apresenta vários contos de textos com essa sensação de curto circuito em duas ou três páginas (destaco “Fobia”, “Trabalha com Cultura” e “Moto Escola”). Mas a poderosa versatilidade de Andréa Catrópa ainda se permite cores mais matizadas, em relatos mais longos, criando microcosmos paranoicos. A obra-prima é “Ouvido Absoluto”, centrado num condomínio: “Não estava doido: é claro que o edifício todo não estaria lhe pregando uma peça. Só algumas pessoas: Dona Neide, Seu Klaus, o Zé, o Victor do 62, a Raquel e a Juliana do 71, o Marcos do 41… Nome assim, aparentemente tão comuns e, por isso mesmo, cobertos com a capa da inocência. Nenhum Judas, Nero ou Salomé. Todos cidadãos com um endereço e com uma profissão. Aparentemente também, idôneos, com uma reputação a zelar. Atraíram Juvenal como aranhas trabalhando juntas para tecer uma teia gigante, invisível… ‘Mas por quê? Querem me matar?’”, (mas também tem o condomínio macabro em “Condomínio Phoenix”)
Contudo, o meu favorito, um soco no estômago, é “Depósito”, no qual uma menina vive dentro de um shopping e, de repente descobre que para manter esse mundo “iluminado” e completamente falso, há todo um subterrâneo de lixo material e humano.