MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

30/01/2013

ORGULHO E PRECONCEITO 200 anos: Traduções Brasileiras


austen

Com a comemoração dos duzentos anos da publicação original de ORGULHO E PRECONCEITO (Pride and Prejudice), de Jane Austen (1775-1817), o leitor comum pode sentir a necessidade de indicações quanto às mais confiáveis entre as numerosas traduções brasileiras desse romance genial. Editoras nunca muito cortejadas pela mídia, uma delas injustamente (a L&PM); a outra, só agora dando mostras de sair do atoleiro de descrédito abissal, contudo lucrativo, em que se afundara (a Martin Claret), apresentam boas traduções, que ombreiam com a tradução paradigmática (e ainda muito útil, a meu ver) de Lúcio Cardoso, a qual desde 1940 vem sendo incessantemente republicada. Não sei nem o que dizer da versão publicada pela Landmark, tão abaixo do nível de uma Jane Austen ou de qualquer autor clássico ela me parece.

Entre as mais recentes, a mais badalada—inclusive pelo aparato que a acompanha—foi certamente a publicada pela Penguin/Companhia. No entanto, houve incríveis falhas sobretudo de revisão, e ela resultou desleixada e discutível. Logo nas primeiras páginas há um erro incrível: são atribuídas QUATRO filhas ao casal Bennet (na verdade, são cinco, e no original lemos: “When a woman has five grown-up daughters…”; traduziu-se assim: “Uma mulher com quatro filhas adultas…”; não seriam “cinco filhas [já] crescidas”?); logo a seguir este trecho incompreensivelmente truncado: “Lizzy não é em nada melhor que as outras; e garanto que sua beleza não chega nem à metade da beleza de Lydia.” (no original: “Lizzy is not a bit better than the others; and I am sure she is not half so handsome as Jane, nor half so good-humoured as Lydia.”). Portanto, acautele-se leitor com relação a essa versão.

Nota- Para maiores informações sobre traduções de Jane Austen, aconselho a leitura de:

http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/2010/01/orgulho-e-preconceito-da-best-seller.html

http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/2010/01/orgulho-e-preconceito-da-lpm.html

pride_and_prejudice

Escolhi um trecho do capítulo 42 para cotejar as cinco traduções de que disponho:

Primeiramente o original:

“Had Elizabeth´s opinion been all drawn from her own family, she could not have formed a very pleasing picture of conjugal felicity or domestic comfort. Her father captivated by youth and beauty, and that appearance of good humour, which youth and beauty generally give, had married a woman whose weak understanding and illiberal mind, have very early in their marriage put an end to all real affection for her. Respect, esteem, and confidence, had vanished for ever; and all his views of domestic happiness were overthrown. But Mr. Bennet was not of a disposition to seek comfort for the disappointment which his own imprudence had brought on, in any of those pleasures which too often console the unfortunate for their folly or their vice. He was fond of the country and of books; and from these tastes had arisen his principal enjoyments. To his wife he was very little otherwise indebted, than as her ignorance and folly had contributed to his amusement (…)

    Elizabeth, however, had never been blind to the impropriety of her father´s behavior as a husband. She had always seen it with pain; but respecting his abilities, and grateful for his affectionate treatment of herself, she endeavoured to forget what she could not overlook, and to banish from her thoughts that continual breach of conjugal obligation and decorum which, in exposing his wife to the contempt of her own children, was so highly reprehensible.”

(extraído de The complete novels of Jane Austen, The Wordsworth Library Collection)

pride and prejudice

“Se as opiniões de Elizabeth se originassem do exemplo dado por sua própria família, sua ideia de felicidade conjugal e de conforto doméstico não poderia ser das mais lisonjeiras. Seu pai, cativado pela mocidade, beleza e aparência de bom humor que a juventude em geral confere às mulheres, casara-se com uma pessoa de compreensão limitada e de ideias estreitas; pouco depois do casamento, esses defeitos haviam extinto toda a afeição sincera que tinha por ela. O respeito, a estima, a confiança, tinham-se desvanecido para sempre. E todos os seus anseios de felicidade doméstica foram destruídos. Mas o senhor Bennet não era desses homens que procuram se consolar das desilusões causadas por suas próprias imprevidências entregando-se a esses prazeres em que os infelizes procuram uma compensação para suas loucuras e vícios. Ele gostava do campo e dos livros, suas principais distrações. Quanto à sua mulher, pouco mais lhe devia do que os divertimentos que o espetáculo de sua ignorância e sua falta de sensibilidade lhe tinham proporcionado (…)

   Elizabeth, no entanto, nunca fora cega aos defeitos de seu pai como marido. Aquilo sempre lhe doera, mas, admirando suas qualidades e grata pela maneira afetuosa com que a tratava, esforçava-se por esquecer o que não podia deixar de  perceber e bania dos seus pensamentos essas contínuas irregularidades de conduta conjugal, que, expondo sua mãe aos desprezo das próprias filhas, era portanto altamente repreensível.”

(tradução de Lúcio Cardoso, utilizada em diversas edições, ao longo das décadas)

orgulho e preconceito abril 1orgulho e preconceito abril 2

“Se a opinião de Elizabeth fosse formada a partir de sua própria família, ela não teria estabelecido uma opinião muito favorável sobre a felicidade conjugal ou o conforto doméstico. Seu pai, cativado pela juventude e pela beleza, e por aquela aparência de bom-humor que a juventude e a beleza geralmente dão, tinha se casado com uma mulher cuja fraca compreensão e mente nada liberal tivesse [sic] colocado um termo, logo no começo do casamento, a toda real afeição por ela. O respeito, a estima e a confiança teriam se esvaído para sempre; e todas as opiniões dele sobre a felicidade no lar seriam reviradas. Mas o Sr. Bennet não tinha o temperamento de buscar conforto, pelo desapontamento que sua própria imprudência tinha causado, em nenhum desses prazeres que muito comumente consolam os desafortunados pela sua fantasia ou pelo seu vício. Ele era apaixonado pelo campo e pelos livros; e desses gostos, se erguiam suas principais diversões. Por outro lado, ele devia muito pouco à sua esposa, do que a ignorância e os desatinos tinham contribuído para seu deleite (…)

    Elizabeth, porém, nunca fora cega à impropriedade do comportamento de seu pai como marido. Ela sempre o vira com dor; mas respeitando suas habilidades e grata pelo tratamento afetuoso que recebia, ela tentava se esquecer do que não conseguia passar despercebido e banir de seus pensamentos aquela contínua quebra de obrigação conjugal e decoro que, ao expor sua esposa ao desprezo de suas próprias crianças, era tão altamente repreensível.”

(tradução editado pela Landmark e realizada por Marcella Furtado que—entre tantas soluções horrendas—parece titubear nos tempos verbais, basta ver o trecho sublinhado)

landmark

“Fossem todas as opiniões de Elizabeth formadas a partir de sua própria família, sua ideia de felicidade conjugal ou conforto doméstico não seria das mais agradáveis. O pai, cativado pela juventude, pela beleza e por aquela aparência de bom-humor que em geral acompanha a juventude e a beleza, casara-se com uma mulher cuja pouca inteligência e espírito intolerante em pouco tempo destruíram todo o afeto que sentira por ela. Respeito, estima e confiança desapareceram para sempre, e toda esperança de felicidade doméstica foi abandonada. Mas o sr. Bennet não tinha propensão para buscar conforto para o desapontamento causado por sua própria imprudência em nenhum daqueles prazeres que tantas vezes consolam os desafortunados por sua loucura ou devassidão. Ele gostava do campo e de livros; e dessas preferências brotaram suas maiores alegrias. À esposa, ao contrário, pouco devia, além da diversão provocada pela ignorância e pela loucura (…)

    Elizabeth, entretanto, nunca fora cega à impropriedade do comportamento do pai enquanto marido. Sempre sofreu com isso, mas, respeitando suas qualidades e grata pelo afetuoso tratamento que ele lhe dispensava, tentava esquecer o que não podia deixar de perceber e afastar do pensamento a contínua transgressão das obrigações conjugais e a falta de decoro que, por expor a mulher ao desprezo de suas próprias filhas, era tão altamente condenável.”

(Tradução editada pela L&PM, e realizada com Celina Portocarrero, que nada fica a dever à tradicional e vetusta versão de Lúcio Cardoso)

L&PM

“Se a opinião de Elizabeth se baseasse apenas em sua própria família, não poderia ter feito um julgamento muito favorável da felicidade conjugal ou da paz doméstica. Seu pai, cativado pela juventude e pela beleza e por aquela aparência de bom humor que a juventude e a beleza geralmente provocam, casara-se com uma mulher cuja pouca inteligência e generosidade mental haviam, desde muito cedo no casamento, posto um ponto final em todo real afeto por ela. Respeito, estima e confiança haviam desaparecido para sempre; e todos os seus projetos de felicidade doméstica foram arruinados. Não era da natureza do sr. Bennet, porém, procurar reconforto para a decepção que sua própria imprudência produzira em algum desses prazeres que muitas vezes consolam o infeliz por sua insensatez ou seu vício. Adorava o campo e os livros; e desses gostos vinham suas principais alegrias. Sua dívida para com a mulher era muito pequena, a não ser pela diversão que o espetáculo de sua ignorância e insensatez lhe proporcionava (…)

   Elizabeth, porém, nunca foi cega à impropriedade do comportamento do pai como marido. Sempre a encarava com pesar; mas, respeitando a capacidade dele e grata ao tratamento carinhoso que ele lhe dispensava, tentava esquecer o que não podia superar, e expulsar de seus pensamentos essa violação das obrigações e do decoro conjugais, que, ao expor a mulher ao desdém das próprias filhas, era tão repreensível.”

(Editada pela Martin Claret—num volume onde estão também Razão e Sensibilidade  & Persuasão—e realizada por Roberto Leal Ferreira, também num trabalho de qualidade)

martin claret

Se as opiniões de Elizabeth fossem sempre as mesmas de sua família, ela não teria criado um quadro muito agradável  da felicidade conjugal ou dos confortos do lar. Seu pai, cativo da juventude e da beleza, e daquela aparência de bom humor que a juventude e a beleza costumam conferir, casara-se com uma mulher de parcas luzes e mentalidade tacanha, e logo no início do casamento abdicara de qualquer afeto genuíno por ela. Respeito, estima e confiança haviam sumido para sempre; e todas as suas aspirações à felicidade doméstica foram abolidas. Mas o senhor Bennet não parecia disposto a procurar consolo para uma frustração que sua própria imprudência acarretara em nenhum daqueles prazeres que tantas vezes consolam os desafortunados em sua loucura ou seu vício. Ele gostava do campo e de livros; e desses dois prazeres extraía o principal de seus deleites. À esposa, ele era grato simplesmente na medida em que sua ignorância e suas tolices ajudavam a distraí-lo (…)

    Elizabeth, contudo, jamais fora cega às impropriedades do comportamento do pai como marido. Sempre lamentara tal atitude; mas, respeitando suas qualidades e grata pelo tratamento afetuoso que lhe dedicava particularmente, ela procurava esquecer  o que não conseguiria relevar e bania de seus pensamentos a contínua falha dos deveres e do decoro conjugal que, expondo a esposa ao desprezo das próprias filhas, era nele altamente repreensível.”

(Co-editada pela Penguin-Companhia, essa tradução de Alexandre Barbosa de Souza é altamente irregular, como se pode ver pelo início infeliz do trecho, e muito literal por vezes, apresentando no entanto boas soluções aqui e ali)

AQUI NO BLOG:

https://armonte.wordpress.com/2010/07/30/minha-amiga-elizabeth/

penguin companhiajane

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18 Comentários »

  1. Quando há uns anos você comentou desse livro fiquei com vontade de ler, desde então tive que disputar com você o tempo da Elisabeth Bennet, porque realmente é uma pessoa maravilhosa para se ter como amiga, obrigado de novo Alfredo.

    PS: Ainda aguardo aquela lista dos 100 mais do sec XX que me prometeu rsrsrs ^^

    Grande Abraço

    Comentário por Thiago Agnezi — 30/01/2013 @ 17:50 | Responder

    • Caríssimo Thiago, ainda bem que Elizabeth já tem duzentos anos de tempo acumulados para conviver com todos nós, seus amigos.
      Vou publicar a lista brevemente. Não se decepcione. Abração (e feliz 2013).

      Comentário por alfredomonte — 31/01/2013 @ 12:39 | Responder

  2. Um problema é que as editoras estão eliminando o cotejo por copidesques gabaritados em favor da revisão por monoglotas de vinte anos de idade.

    Comentário por Roberto Matias — 31/01/2013 @ 14:43 | Responder

    • É a famosa “diminuição de padrões”, Roberto. O resultado é o que se vê. Obrigado pelo comentário, um grande abraço.

      Comentário por alfredomonte — 31/01/2013 @ 14:45 | Responder

  3. Estou lendo Orgulho e preconceito com a tradução do Roberto Leal Ferreira e, sinceramente, não estou gostando muito… Na sua opinião, as versões de Lúcio Cardoso e Celina Portocarrero teriam uma tradução equivalente, ou melhor? Obrigada!

    Comentário por Maria Alcantara — 29/03/2013 @ 19:47 | Responder

    • Acho a tradução de Roberto Leal Ferreira bastante eficiente, mas creio que Lúcio Cardoso e Celina Portocarrero fizeram as melhores versões até agora. Obrigado pelo comentário. Uma ótima Páscoa.

      Comentário por alfredomonte — 30/03/2013 @ 12:52 | Responder

      • Muito obrigada!

        Comentário por Maria Alcantara — 01/04/2013 @ 1:23

  4. Meu Bem, há tempos estou a procura de uma tradução confiável desse livro, achei uma da ‘peguim/companhia’ mas depois de ler seu texto desisto de comprar ): Pelo q entendi a tradução da ”Martin Claret” é confiável, certo?! Preciso ler esse livro, Mas preciso da sua ajuda pra resolver se compro ou não, o da “Martin Claret”. Obrigada (:

    Comentário por Kelly — 03/10/2013 @ 9:23 | Responder

    • Oi, Kelly. Eu leria a tradução da Martin Claret em vez da Penguin/Companhia.
      Abração.

      Comentário por alfredomonte — 03/10/2013 @ 14:35 | Responder

  5. Boa noite. Gostaria de saber qual a tua opinião sobre a tradução de Roberto Leal Ferreira para a editora Martin Claret. Desde já agradeço.

    Comentário por Eliseu — 27/10/2013 @ 17:24 | Responder

    • Pelo que pude perceber, caro Eliseu, ela é de boa qualidade, vale a pena. Um grande abraço.

      Comentário por alfredomonte — 28/10/2013 @ 14:07 | Responder

  6. Como gostaria de ter lido este post antes…comprei a versão da Landmark por achar esteticamente bonita e conter a letra maior, já tenho uma outra edição comprada em um sebo há mais de 10 anos traduzida por Lúcio Cardoso, mas sabe a letra é bem pequena e o livro está amarelado e como releio a cada ano quis adquirir uma edição nova, então, sem pensar duas vezes comprei esse lustroso livro do qual não consegui ler mais de 30 páginas, a tradução é sofrível e há muitos erros…resultado continuo lendo na minha edição surradinha feito por Lúcio Cardoso.

    Comentário por Adriana — 26/11/2014 @ 16:18 | Responder

    • Como diziam nossas avós, melhor o certo que o duvidoso, rsrsrsrs

      Comentário por alfredomonte — 26/11/2014 @ 21:12 | Responder

  7. Eu amo muito esse livro, mas me decepcionei com meu exemplar!
    A primeira vez que li, foi a tradução de Lúcio Cardoso, que me agradou imensamente (eu fazia Letras / Inglês na época), da editora Ediouro.
    Meses depois, comprei aquela edição de luxo da ridícula Landmark, veja bem, a editora é ridícula, mas a capa é linda e ainda por cima é bilíngue, o que me impulsionou a comprá-la.
    Porém, foi uma decepção!
    Primeiro li a versão inglês, comparada com a tradução de Lúcio Cardoso, acho que ele fez um trabalho incrivelmente digno.
    Agora, quando terminei e fui reler em português, JESUS! que sufoco!
    É terrível demais! Impossível de ler!
    Amo muito esse livro, mas vezenquando quero lê-lo em português, e daí???
    Odiei imensamente a tradução de Marcella Furtado. Nunca mais compra edições da Landmark; foi a primeira e última!

    Agora, preciso urgentemente da edição da Abril, Ediouro ou qualquer outra editora que disponha a tradução de Lúcio Cardoso!

    Comentário por Ana I. J. Mercury — 09/01/2015 @ 1:07 | Responder

    • Mas tem outras boas por aí, e relativamente baratas, experimente.

      Comentário por alfredomonte — 09/01/2015 @ 10:17 | Responder

    • Oi, Ana Mercury!
      Procure pela Editora L & PM. A tradução de Celina Portucarreno é a mais fiel em proximidade a tradução de Orgulho e Preconceito. Comprei o livro hoje e já o estou amando. Paz!

      Comentário por Márcio Maciel! — 06/05/2015 @ 17:09 | Responder

  8. Na 2ª versão(capa toda vermelha) da Martin Claret está assim: “Se a opinião de Elizabeth se baseasse apenas em sua própria família”. Corrigiram a maioria dos erros.

    Comentário por renan — 06/08/2015 @ 0:20 | Responder

    • Obrigado pela informação, abração.

      Comentário por alfredomonte — 06/08/2015 @ 15:13 | Responder


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