MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

19/04/2012

Henry James e os enigmas insolúveis (segunda e última parte)


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(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 27 de novembro de 2001)

A Nova Alexandria vem enriquecendo seu catálogo com alguns clássicos da ficção, entre os quais A VIDA PRIVADA E OUTRAS HISTÓRIAS, três novelas extraordinárias de Henry James (1843-1916), traduzidas por Onédia Célia Pereira de Queiroz (que já fizera o mesmo, na coleção Lazuli da editora Imago, com Daisy Miller e Um incidente internacional).

Das três só é inédita, salvo engano, A vida privada “The private life” (A lição do mestre e O desenho do tapete podem ser encontradas em outra versão, na coletânea A morte do leão- Histórias de artistas e escritores). Nesse texto de 1892, o narrador descobre que Clare Vawdrey (baseado em Robert Browning), escritor pelo qual tem admiração e que o decepciona com sua conversa frívola e medíocre, tem um duplo, um vulto que, no escuro, escreve, enquanto o outro o representa em sociedade (a história se passa na Suíça, envolvendo um grupo de viajantes ingleses).

Esse tema do duplo é constante e tem representações memoráveis no século XIX, como O duplo (ou O sósia), de Dostoiévski, O retrato de Dorian de Gray, de Wilde, e, como lembra a tradutora no prefácio, O médico e o monstro, de Stevenson, e o paradigmático William Wilson, de Poe (que está erroneamente citado como “William Winston” na página 15). E continuará frutificando no século XX.

O interesse maior do texto está em outra descoberta: a de que Lord Mellifont, aquele tipo de pessoa que domina qualquer ambiente com a sua presença, desaparece , se esvanece, quando não há ninguém por perto.

Vawdrey, portanto, tem um duplo, e Mellifont torna-se ninguém por falta de público, como se a sua existência social correspondesse à de um ator (e A vida privada, como tantos outros textos jamesianos, é permeado de metáforas e analogias teatrais, além de ter uma atriz como convergência dos interesses românticos).

Quem leu O espelho, um dos contos fundamentais de Machado de assim, lembrará do alferes Jacobina, que, ficando sozinho num sitio ermo, só consegue convencer-se da sua existência ao vestir sua farda, sua “alma exterior”, diante do espelho. É fascinante como, sem se conhecerem, um ancorado no mais alto cosmopolitismo, o outro tratando de uma existência nas quebradas de um país periférico, ambos chegaram a resultados similares.

A lição do mestre (“The lesson of the máster”, 1888) é um dos grandes exercícios de ambiguidade de James, aquele tipo de narrativa na qual, como em Dom Casmurro, para dar outro exemplo machadiano, só temos um lado da história, ainda que seja uma narrativa em terceira pessoa: St George, escritor decadente (no sentido artístico, pois seu sucesso mundano está assegurado pela esposa) aconselha Paul Overt, admirador e discípulo, a não se casar sob pena de perder o talento, escravizando-se à vida familiar.

Overt, que ama Marian Fancourt, segue o conselho do mestre e se afasta dele. A esposa de St. George morre e ele vem a se casar com Marian. E a “lição”? Foi sincera ou um ato de má fé? Como saber? E mais: Marian esteve apaixonada por Overt, como às vezes ele parece pensar? Ou sempre teve uma queda por St. George, cuja energia vital revela-se mais duradoura do que a energia criativa? Como saber?

O desenho do tapete (“The figure in the carpet”, 1896) talvez seja (junto com A fera na selva) o ápice das novelas de Henry James e um dos maiores momentos da ficção. Nessa espécie de metáfora da própria literatura, o grande escritor Hugh Vereker comenta desdenhosamente um artigo do narrador sobre sua obra, e lhe confidencia que ela é toda atravessada por uma intenção secreta, nunca percebida por ninguém, muito menos pelo intrépido e açodado crítico.

Obcecado pela ideia de descobrir qual é o “desenho do tapete”, o narrador conta tudo a George Corvick, amigo e rival. Este, aparentemente, descobre o segredo, porém morre num acidente em sua lua-de-mel. O narrador passa a crer (com razão) que Corvick revelou sua descoberta à esposa, que se recusa a revelá-la, e morre também.

Como afirma a tradutora, essas mortes fornecem um arcabouço folhetinesco a essa narrativa sofisticada, “uma sequência narrativa do tipo Maldição do Faraó ou Maldição da Múmia, em que todos os que desvendam o segredo, ou descobrem o tesouro oculto, morrem”. E isso faz com que o leitor também não consiga largar o texto, embora seja um jogo fadado ao insucesso.

Ler pela primeira vez O desenho do tapete é um impacto por causa disso. Mesmo as releituras sucessivas só fazem descobrir novos elementos do jogo, já se sabendo que ele nunca terminará.

O que unifica os três relatos (e vários outros de James) é o fato de que há todo um lado bisbilhoteiro, fuxiqueiro e mundano, no interesse que os personagens dedicam a esses enigmas. Além disso, geralmente há uma situação de competição para os heróis (o que significa que James nunca se afastou muito das suas preocupações, uma vez que, já num conto da juventude, “Poor Richard”, tratava do assunto), sejam narradores ou não.

Eles são de antemão derrotados (a derrota pode ser amorosa ou artística, ou envolver os dois aspectos), obrigados a renunciar e a encarar sua impotência em impor-se, ou pelo menos ter a solução dos segredos com os quais se envolvem. Não deixa de ser engraçado que alguns dos maiores mistérios da literatura sejam obtidos com bisbilhotices e rivalidades mesquinhas.

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