(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 26 de abril de 1994)
Publicado em 1957, A madona de cedro é um dos primeiros livros de Antônio Callado. Curiosamente, é bem melhor que outros posteriores como, por exemplo, Sempreviva, uma bomba atômica cujos efeitos radiativos de ruindade literária persistem muito tempo depois da malfadada leitura.
O protagonista de A madona de cedro, Delfino, é um mineiro de Congonhas do Campo que, para casar com a carioca Marta (pois o pai dela insiste que ele tenha casa própria para efetivar o enlace), a quem conheceu numa viagem ao Rio que mudará sua vida em vários sentidos, aceita roubar uma imagem sacra. Treze anos depois, casado, com seus filhos, recebe nova proposta de roubo. Tudo se complica porque um grotesco sacristão começa a chantageá-lo…
Tal trama e a ambientação barroca transpõem para o cotidiano moderno temas como trangressão, pecado, expiação, ou seja, forças que envolvem um homem não apenas comum como fraco (no sentido forte do termo, por assim dizer), mas que tem de tomar decisões sobre-humanas. Seria dostoievskiano se a comparação, além de esmagadora, não se revelasse inadequada, uma vez que Delfino, fraco como homem, é pior ainda como personagem: jamais consegue fazer com que nos identifiquemos com seus dilemas ou misérias (e essa identificação seria essencial num livro com essa temática), como conseguem os seres (mesmo os mais exagerados) de Dostoievski. É por essa razão que a cuidadosa construção do livro, tão envolvente e convincente a maior parte do tempo (e que funciona como bom registro de época), vacila na parte final: não se consegue crer na redenção (mesmo que irônica) de Delfino pelas ruas de Congonhas, nem no desenlace da sua história. E é aí que o sagaz e lúcido Callado dos artigos, declarações e posturas revela suas limitações como ficcionista.
Outra vertente explorada no romance e cujo resultado acaba sendo um tanto quanto modesto como resultado é a técnica consagrada por James Joyce em Ulisses (1922), do stream of consciousness, o discurso-fluxo associativo que procura reproduzir movimentos psíquicos, como no trecho seguinte (no qual o autor entra na mente do padre Estevão, num momento de quase sonolência): “… o pior é a distração que não deixa a gente pensar até o fim num mistério, numa coisa impenetrável e portanto fazer correr a água de novo mas que correr de quem quando tudo impele amai-vos-uns-aos-outros em sentido chocarreiro aí está a distração nem um momento de concentração trá-lá-lá de polcas naquele casamento ora há tanto e tanto tempo e o Delfino subindo a rua…” O recurso “boia” timidamente na corrente do enredo, sempre com associações óbvias e unívocas, sem maior complexidade.
O saldo final, entretanto, dessa leitura motivada pela minissérie que começa a ser exibida esta semana pela Globo (uma adaptação do veterano Walter Negrão, com direção geral de Tizuka Yamasaki), é bem positivo, e o segundo romance de Callado preenche um espaço importante, muito comum na literatura norte-americana, por exemplo, e que faz falta na brasileira (onde todos são gênios): o dos bons romances, da ficção média, não-medíocre, que complementa a obra dos grandes. Isso não é pouco.
alfredo,
mais uma vez digo como é bom ler suas postagens, e como elas nos prestam um grande serviço quando tratam de obras de autores que, após morrerem, ficaram esquecidos.
abração.
Comentário por niltonresende — 31/03/2014 @ 12:51 |
Obrigado, Nilton, bjs.
Comentário por alfredomonte — 31/03/2014 @ 14:33 |