“No dialeto de hoje
Direi, por minha vez, coisas eternas…”
“Ao esquecimento, às coisas do esquecimento, acabo de
Erigir este monumento…”
“Que arco terá lançado esta seta
que sou ? Que cume pode ser a meta?”
Em A rosa profunda (1975), talvez o poema central (ele fica mais ou menos no meio dos 26 poemas) é “1972”:
“Temi que o porvir (que já declina)
Seria um profundo corredor de espelhos
Indistintos, ociosos e minguantes,
Um repetir sem fim de fatuidades,
E na penumbra que precede o sonho
Pedi a meus deuses, cujo nome ignoro,
Que algo ou alguém enviassem a meus dias.
Fizeram-no. É a Pátria. Meus ancestrais
Serviram-na com longas proscrições,
Com penúrias, com fome, com batalhas,
Aqui de novo está o formoso risco.
Não sou aquelas sombras tutelares
Que honrei com versos que não esquece o tempo (…)
Mas hoje a Pátria profanada quer
Que com minha obscura pena de gramático,
Douta em nimiedades acadêmicas
E distante dos trabalhos da espada,
Congregue o grande rumor da epopéia
E exija o meu lugar. Eu o estou fazendo.”
Outro poema que me parece central (e que está bem próximo ao anterior) é “All our yesterdays”:
“Quero saber de quem é meu passado.
De qual dos que já fui? Do genebrino
Que traçou algum hexâmetro latino
Pelos anos lustrais já apagado?
Édo menino que buscou na inteira
Biblioteca do pai as pontuais
Curvaturas do mapa e as ferais
Formas que são o tigre e a pantera?
Ou daquele outro que empurrou uma porta
Atrás da qual um homem morria
Para sempre, e beijou no branco dia
A face que se vai e a face morta?
Sou os que já não são. Inutilmente
Sou em meio à tarde essa perdida gente.”
Na coletânea, há um poema chamado “Eu” (“os caminhos de sangue que não vejo”) e um poema chamado “Sou” (“Sou, tácitos amigos, o que sabe/ Que não há outra vingança que o olvido/ Nem há outro perdão (…) Sou eco, olvido, nada”).
E os temas do rio, da trama do tecido, do sonho (“Bem no fundo do sonho estão os sonhos”, lemos em “Efialtes”; “Eu também sou um sonho fugitivo que dura/ Alguns dias mais…”, lemos em “A cerva branca”) e do mapa do Tempo continuam entretecidos nesse Boitempo (“… a morte, esse outro nome/Do incessante tempo que nos rói…”, lemos em “Elegia”) borgeano:
“O grande rio de Heráclito, o Obscuro,
Seu curso misterioso não empreendido,
Que do passado flui para o futuro,
Que do olvido flui para o olvido.” (“Cosmogonia”)
“Serei todos ou ninguém. Serei o outro
Que sem saber eu sou, o que fitou
Esse outro sonho, minha vigília. E a julga,
Resignado e sorridente…” (“O sonho”)
“…o humano tempo,
Cujo espelho espectral é a memória” (“O bisão”)
…”Cada coisa
É infinita coisas. Tu és música,
Firmamentos, palácios, rios e anjos,
Rosa profunda, ilimitada, íntima…” (“The unending rose”)
Machadianamente (pelo menos, no que se refere ao narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas), neste nosso “intolerável universo”, o suicida pode afirmar: “Lego o nada a ninguém” (“O suicida”). Mas, para compensar, há o rouxinol, “voz repleta de mitologias”, que merece este belíssimo verso: “Keats te ouviu por todos, para sempre” (“Ao rouxinol”).
As 13 moedas de O ouro dos tigres, retomadas, foram acrescidas de mais duas. Em uma delas temos essa homenagem a Poe:
“Os sonhos que sonhei. O poço e o pêndulo.
O homem das multidões. Ligéia…
Mas também este outro.” (“Quinze moedas”)
O tigreiro Simón Carbajal:
“Sempre estava matando o mesmo tigre
Imortal. Não te assombre demasiado
Seu destino. É o teu e é o meu,
Salvo que nosso tigre possui formas
Que mudam sem parar. Chama-se o ódio,
O amor, o acaso, cada momento.” (“Simón Carbajal”)
A cegueira:
“Não sei qual é o rosto que me mira
Quando miro o rosto do espelho;
Não sei que velho espreita em seu reflexo
Com silenciosa e já cansada ira.
Lento em minha sombra, com a mão exploro
Meus invisíveis traços. Um lampejo
Me toca. Teu cabelo entrevejo,
Se ora de cinza ou ainda de ouro, ignoro.
Repito que o perdido foi somente
A inútil superfície das coisas.” (“Um cego”)
A nostalgia do épico persiste, claro. Alguém percorre os caminhos de Ítaca e não se lembra daquele rei que partiu para Tróia, que desceu ao Hades para consultar Tirésias (“O desterrado”).
Os destinos que não são nossos; os destinos não que não nos couberam, nesse jardim de veredas que se bifurcam da existência:
“Eu, com ela, morro de infinitos
Destinos que o acaso não me depara.” (“Em memória de Angélica”)
Enquanto (creio que não dá para ser totalmente solipsista), “Sobre nós vai crescendo, atroz, a história” (“Em memória de Angélica”):
“…as vozes dos mortos
vão me dizer para sempre.” (“Meus Livros”)
Esclarecendo que os “meus livros” são os livros que ele possui (mas não pode ler) e não aqueles que ele mesmo escreveu.
E, por fim, a visão da “cerva branca”:
“Leve criatura feita de uma certa memória
E de um pouco de olvido…” (“A cerva branca”).
(anotações de leitura de julho de 2009; todos os trechos foram traduzidos por Josely Vianna Baptista)
Dentro da mesma linha, acesse também:
https://armonte.wordpress.com/2012/11/02/historia-da-noite-o-que-a-memoria-concede/
https://armonte.wordpress.com/2012/11/01/as-perpetuas-aguas-de-heraclito-a-moeda-de-ferro-de-borges/
https://armonte.wordpress.com/2012/10/25/o-ontem-fatal-e-inevitavel-borges-e-o-ouro-dos-tigres/
Alfredo como todo bom corinthiano Borges era foda. rs
Abraço
Francisco
Comentário por Francisco Nogueira — 26/10/2012 @ 22:27 |
Ele seria foda, mesmo se palmeirense. Borges só não era foda, Francisco, quando queria ser o personagem Borges que lhe imputaram. Ainda bem que escrevendo ele fugia quase sempre desse personagem.
Abração, Alfredo.
Comentário por alfredomonte — 27/10/2012 @ 12:12 |