“O mais é barro, sem esperança de escultura”
(“Composição”, de Novos Poemas)
Não cumpri à risca, nas férias de janeiro, o plano de ler os 23 livros de poemas de Carlos Drummond de Andrade reunidos pela Best Bolso; sequer terminei o primeiro volume. Nem por isso desisti da empreitada, ainda que ela exija mais do que um mês. Vamos lá, então: durante janeiro, fui de Alguma Poesia à A rosa do povo. Do primeiro volume restavam, ainda, Novos Poemas; Claro Enigma & Fazendeiro do Ar.
Novos Poemas (1948) é um pouco como José (embora bem menos expressivo). Era uma pequena reunião de inéditos, que introduzia a reedição de livros anteriores. Dos doze poemas, o mais famoso acabou sendo aquele que eu considero mais fraquinho (há outros bem fracos, como “Notícias de Espanha”, o piegas “A Federico García Lorca”), mais representante de um certo Drummond “para incautos”, isto é, uma visão minúscula do poeta, a qual, se o tornou o mais popular dos nossos maiores modernistas, também o banalizou bastante (e deu origem a vários títulos discutíveis da sua produção): falo de “Canção amiga”:
“Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça”
mas como se a mãe itabirana é de um universo onde predomina o “alheamento do que na vida é porosidade e comunicação”?; mesmo assim, nessa toada, ele continua:
“todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos” (…)
“Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.”
Talvez a justificativa desse poema-intróito esteja em “O arco”:
“Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos.
Que quer o homem? salvar-se,
ao prêmio de uma canção”.
Mais interessante, inclusive pela sua fusão de poema-crônica-narrativa, é o seguinte, “Desaparecimento de Luísa Porto”:
“Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de Janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898
ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra à tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.”
Gosto também do último poema, “O enigma”, no qual uma “forma obscura” barra as pedras “caminhantes” (rolling stones & Drummond, uma combinação pertinente); as pedras conhecem “o perigo de cada objeto em circulação na terra”,mas a nada podem relacionar aquela forma e, por isso, elas “detêm-se. No esforço de compreender, chegam a imobilizar-se de todo. E na contenção desse instante, fixam-se as pedras — para sempre– no chão, compondo montanhas colossais, ou simples e estupefatos e pobres seixos desgarrados”. A máquina do mundo que movimentava as pedras sofre um represamento, elas se lastimam, mas “a Coisa interceptante não se resolve.Barra o caminho e medita, obscura”. Esse poema é o elo perdido entre “No meio do caminho” e “A máquina do mundo”. Este último pertence, e é o maior poema, da coletânea mais complexa e ambiciosa de Drummond, Claro Enigma (1951), dividida em 6 partes: “Entre lobo e cão” , Notícias amorosas”;”O menino e os homens”; “Selo de Minas”; “Os lábios cerrados” e “A máquina do mundo”. Apresentando temas similares, é um livro que parece querer se opor clara(enigmaticamente) ao clima do igualmente portentoso A rosa do povo e os livros à sua órbita, como Sentimento do Mundo e José: mais calcado no formal explícito, mais duro e mais “clássico”.
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