MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

21/03/2012

O que o diabinho sussurrou em meus ouvidos sobre O SOL TAMBÉM SE LEVANTA ou O romance broxante de Hemingway

(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 15 de maio de 2001)

“Há em nós um diabinho a sussurrar sempre em nossos ouvidos:  ´gosto´, ´detesto´, e não podemos silenciá-lo”.

As palavras de Virginia Woolf servem para justificar um pouco este artigo que se dedicará a mostrar como seu autor passou a detestar um romance do qual já gostara muito, O sol também se levanta (The Sun also rises, EUA, 1926, em tradução de Berenice Xavier), que está completando 75 anos e ganhou  reedição pela Bertrand Brasil.

Quando eu era bem novo, algumas obras-primas foram norteadoras de um gosto para a alta literatura: o já referido O sol também se levanta; A morte em Veneza (Thomas Mann); Gargalhada na escuridão (Vladimir Nabokov, atualmente mais conhecido como Riso no escuro); O estrangeiro (Albert Camus); A metamorfose (Franz Kafka). Com exceção do romance de Ernest Hemingway, todos permaneceram como objeto de admiração cada vez mais intensa.

Como se sabe, com esse romance e com seus contos, Hemingway “renovou” a literatura: estilo despojado, diálogos diretos, narração calcada em sensações e ações dos personagens. Renovação que, a meu ver, ficou irremediavelmente datada: tudo parece velho e desbotado. Causa espanto um crítico da perspicácia de Harold Bloom, no seu Como e Por que Ler afirmar que é o seu “único romance que permanece atual” !!!!??? Hoje em dia, quando se constata a vitalidade e força da ficção de Faulkner e Fitzgerald, como Hemingway parece defasado. E até na área do conto, sua praça-forte, por assim dizer, como perde longe para uma Dorothy Parker ou um John Cheever, por exemplo.

O sol também se levanta é narrado por Jake Barnes, um americano da “geração perdida”, isto é, aquela que participou da Primeira Guerra Mundial, e que se tornou um expatriado boêmio em Paris. Ele ama Brett, ela o ama, mas tem que traí-lo com vários homens, incluindo um judeu candidato a escritor e um jovem toureiro, porque Barnes ficou impotente em função de um ferimento de guerra. O leitor não pode imaginar como é chata, banal e piegas a lengalenga sentimental que envolve Barnes & Brett, sem contar a constrangedora comicidade que decorre da relação entre o “problema” do narrador e um título onde se coloca a expressão “também se levanta”!!!??? Do jeito que as coisas se passam, é apenas o sol que o consegue.

Mas Hemingway é assim mesmo: cafona, com uma inclinação para o sentimentalismo patético e um pé no ridículo. Eu já deveria ter percebido isso na época em que li o romance pela primeira vez, numa edição da Abril Cultural, que apresentava Jake Barnes com uma pérola kitsch: “touro ferido, incapaz de viver a sua própria fiesta.

E por falar em fiesta, Barnes e um grupo de amigos vão para Pamplona para assistir a touradas. E O sol também se levanta deixa de ser apenas um livro vazio e meio piegas, apoiado num estilo que já cumpriu o seu papel histórico. Torna-se detestável e desprezível.

Tirando o fato de que só pessoas estúpidas podem se interessar (e ainda mais, serem aficionadas), como Barnes,  por eventos como touradas ou farras-do-boi, ou rodeios, enfim, qualquer espetáculo onde se maltrata gratuitamente um animal, o repugnante no livro de Hemingway é que elas e Pedro Romero (o toureiro) são descritos como os únicos momentos de autenticisade e força vitl que a inútil “geração perdida” é capaz de experimentar. Tanto que  o forçado relacionamento amoroso entre Brett e o judeu Cohn é logo desmascarado em sua artificialidade; a amada debiloide do narrador logo, logo se aproxima do belo e jovem toureiro e inicia outra ligação que nos obriga a aturar  parvoíces do tipo: “Pedro Romero, porém, possuía grandeza. Gostava de tourear e creio que amava os touros e que também amava Brett”!!!??? (que bom pra ela, não?); ou ainda (depois que o galã mata o seu touro): “Romero recebeu do irmão a orelha do animal e ergueu-a para o presidente. Este se inclinou e o toureiro… aproximou-se de nós, inclinou-se sobre a barreira e entregou a orelha a Brett. Sorria. A multidão o rodeava e Brett deu a sua capa. Gostou, perguntou-lhe Romero. Brett não disse nada. Olhavam um para o outro e sorriam. Brett conservava na mão a orelha do touro”!!!!!????

O sol também se levanta está saindo mais ou menos em conjunto com Verdade ao amanhecer, um manuscrito inédito de Hemingway (que morreu, deixando em suas gavetas, inomináveis baboseiras do tipo As ilhas da  Corrente, que quase veio a ser a causa do óbito de quem aqui escreve, vitimado por um tédio mortal) que foi “trabalhado” pelo seu filho!

Além das muitas razões para se repudiar esse “trabalho” póstumo, eu não lerei o  livro por tudo o que se escreveu acima. Se um trabalho no auge da juventude e da força literária revela-se intragável, quase ilegível, imagine-se um produto da decrepitude e da esterilidade criativa. A cruel verdade ao amanhecer: o sol já não mais se levantava para um touro ferido, incapaz de viver sua fiesta como escritor.

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