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“A coisa não é fácil lá no alto, na egosfera…”
“Não é culpa sua que você não saiba o que os gentios pensam quando leem uma coisa assim. Mas eu sei e lhe digo. Para eles pouco importa se o que têm nas mãos é uma grande obra de arte. Eles não entendem nada de arte. Pode ser que eu mesmo não entenda. Talvez ninguém em nossa família entenda, não da maneira como você entende. Mas esta é a questão. Quando as pessoas leem um livro, não se interessam pelo que há de arte ali—querem é saber das pessoas que aparecem na história. E é como pessoas que as julgam. E como você acha que julgarão as pessoas que aparecem no seu conto, que conclusões acha que tirarão? Você pensou nisso?”
“Todavia, esse era o ponto—era isso que dava a seu diário o poder de tornar real o pesadelo. Esperar que este mundo tão vasto e insensível se importasse com a filha de um pai devoto, barbudo, a viver sob a forte influência de rabinos e rituais—isso seria pura estupidez. Para o homem comum, sem nenhum grande dom para tolerar sequer as diferenças mais ínfimas, o infortúnio de tal família não significaria nada. Para as pessoas comuns provavelmente pareceria que eles mesmos tinham atraído a desgraça ao teimar em repelir tudo o que era moderno e europeu—para não dizer cristão. Porém, com a família de Otto Frank a coisa mudava de figura! Nem mesmo o mais obtuso dos indivíduos poderia ignorar o que os judeus haviam sofrido simplesmente por serem judeus, nem mesmo o mais chucro dos gentios teria como não perceber a monstruosidade da coisa ao ler… que uma vez por ano os Frank entoavam uma inofensiva canção de Hanucá, diziam algumas palavras em hebraico, acendiam algumas velas, trocavam alguns presentes—uma cerimônia que durava cerca de dez minutos—e que só foi preciso isso para fazer deles o inimigo. Não, não foi preciso nem isso. Não foi preciso nada—esse era o horror. E essa, a verdade. E esse, o poder do seu livro…”

(resenha publicada originalmente, sem notas de rodapé ou anexo, em A TRIBUNA de Santos, em 19 de março de 2013)
Em 19 de março de 1933 nascia Philip Roth. A princípio, pensei em homenagear os 80 anos desse admirável ficcionista norte-americano com uma visão panorâmica da sua prolífica obra; preferi, no entanto, limitar-me a um de seus romances mais característicos, O Escritor Fantasma (The Ghost Writer traduzido anteriormente como Diário de uma ilusão[1]).
Ao lançá-lo em 1979, embora já contasse com 20 anos de carreira (estreou em 1959 com a coletânea Adeus, Columbus, ganhando seu primeiro National Book Award ), com certos picos de sucesso infelizmente enfronhados em escândalo (O Complexo de Portnoy, 1969; O Professor do Desejo, 1977), Roth não contava com a aura reverente que o cerca agora. A meu ver, foi O Escritor Fantasma a largada para sua consagração até que ele se tornasse o mais contumaz entre os favoritos ao Nobel; ali também surgia o mais emblemático de seus personagens, recorrente em diversos textos: Nathan Zuckerman (mesmo num livro mais tardio, Exit Ghost-Fantasma sai de cena, de 2007, ele continuava na ativa).
O nascimento literário de Zuckerman divide-se em quatro partes muito intensas e concentradas (é um romance curto), a partir da visita que ele faz a E.I. Lonoff, em 9 de dezembro de 1956 (aos 23 anos) e que se prolonga até a manhã seguinte. Reunidos 4 caracteres na erma morada (além dos dois escritores, a mulher de Lonoff, Hope, e uma “menina-mulher” ou “moça em flor”: Amy Bellette) as tensões que se estabelecem e que dizem respeito não apenas ao casamento dos Lonoff como também às expectativas sexuais do imaturo Nathan com relação à Amy, presumível (ou pelo menos candidata a) amante do seu ídolo literário, poderiam fazer com que se pensasse numa estrutura teatral, num Quem tem medo de Virginia Woolf? judaico[2]:
“Contudo, eu já não conseguia pensar nela como Amy. Era incessantemente devolvido à ficção que criara sobre ela e os Lonoff enquanto jazia às escuras no escritório, ainda em êxtase por causa dos elogios que recebera do escritor e latejando de ressentimento devido à reprovação de meu pai—e, é claro, sob o domínio do que se passara entre o meu ídolo e a moça maravilhosa antes que ele, com muita hombridade, fosse se deitar na cama ao lado da mulher.”[3]


O leitor habitual de Roth sabe como ele já tirou vantagem de situações desse feitio, atmosferas tragicômicas nas quais, camuflada ou explosiva, a sexualidade perturba e dilacera interações sociais supostamente “decorosas” Por outro lado, desde o princípio do relato, Zuckerman nos diz que está evocando um “retrato do artista quando jovem”, sua formação (indo em busca de Lonoff como um mentor, um pai espiritual): “Faltava uma hora para escurecer naquela tarde de dezembro de mais de vinte anos atrás—eu tinha 23 anos, estava escrevendo e publicando meus primeiros contos e, à maneira de muitos protagonistas de Bildungsroman antes de mim, já sonhava com o meu próprio e monumental Bildungsroman…”[4]
E em menos de 24 horas, ele se defrontará— na figura do venerado Lonoff— com a árida cristalização da dedicação obsessiva à carreira literária: uma espécie de “morte em vida”, de existência sumamente tediosa, um tormento de Sísifo ou Prometeu (não à toa, as primeiras histórias em que Zuckerman aparece foram arroladas com o título geral de ZUCKERMAN BOUND-ZUCKERMAN ACORRENTADO), em que tudo é consumido, inclusive as relações pessoais (os diálogos entre Lonoff e Hope são, nesse sentido, extraordinários). Decerto também temos uma lição da paciência e disciplina, mas o aspecto de “egosfera” parece predominar.[5]
Este seria um aspecto ainda mais notável de O Escritor Fantasma, justificando, outrossim, o título: o ghost writer aqui não é aquele que de fato escreve um livro assinado por outro (como era o protagonista do filme homônimo de Roman Polanski), e sim, aquele que, mergulhando na escrita, se torna um “fantasma” em vida. aqui não é aquele que de fato escreve um livro assinado por outro, e sim aquele que, mergulhando na escrita, se torna um “fantasma” em vida. Nesse sentido, a obra-prima de Roth vem se associar a duas marcantes investigações dos anos 1970 a respeito da entrega ao “sacerdócio da literatura”: Tia Júlia e o Escrevinhador, de Vargas Llosa, e A Escolha de Sofia, de William Styron.
Por incrível que pareça, ainda não é o ponto crucial do romance. Quando Nathan visita Lonoff, está brigado com o pai porque usara antigas dissensões familiares no seu conto mais ambicioso. Para o Sr. Zuckerman, os episódios narrados, com suas mesquinharias e ridículos, fomentariam os estereótipos sobre os judeus. Ele movimenta uma verdadeira campanha entre parentes e conhecidos para conscientizar o filho de que sua conduta pode ser tomada como antissemita; portanto, Nathan vê sua vocação embaraçada por atavismos étnicos; em sua visita aos Lonoff, fascinado por Amy, ele – numa longa jornada noite adentro—faz o leitor desconfiar de que ela é Anne Frank, cujos diários causaram comoção mundial. Amy teria de esconder sua identidade, fazer com que se acreditasse que Anne estaria morta, para que seus escritos tivessem mais “autoridade”; sua própria evolução criativa, seu talento, permaneceriam presos dentro do círculo da fatalidade trágica. Ou seja, o destino do povo judeu representa um fardo a ser enfrentado pelos escritores, mesmo nas confortáveis paragens da Nova Inglaterra ou dos círculos literários nova-iorquinos.
Ao apresentar Amy/Anne como uma escritora-irmã, Roth amplia vertiginosamente o âmbito de O Escritor Fantasma. E se prepara para os romances da sua maturidade em que a vertigem da fabricação de uma realidade alternativa pela literatura e o peso dos fatos históricos são os grandes movimentos pendulares: O Avesso da Vida (1986), Operação Shylock (1993), a trilogia formada por Pastoral Americana, Casei com um Comunista, A Marca Humana (1997-2000), Complô contra a América (2004) e sua possível obra-prima suprema, O Teatro de Sabbath (1995). E Nathan Zuckerman ali no meio.


AMOSTRAS DAS DUAS TRADUÇÕES
Negrito- Alexandre Hubner Itálico- Luís Horácio da Matta
“Pois, veja, eu fora até lá para apresentar-me como candidato a nada menos que filho espiritual de E. I. Lonoff, para rogar seu patrocínio moral e, se possível, granjear a proteção mágica de seu apoio e afeição. Claro que eu já tinha um pai que me amava, a quem podia pedir este mundo e o outro, porém mais pai era calista, não artista, e ultimamente andávamos tendo problemas sérios na família por causa de um conto que eu havia escrito…”
“Deve-se compreender que eu viera candidatar-me a nada menos que filho espiritual de E. I. Lonoff, implorar seu patrocínio moral e, se possível, conseguir a proteção mágica de seu amparo e amor. Naturalmente, eu tinha um pai ao qual poderia pedir tudo neste mundo, a qualquer momento. Todavia, meu pai era pedicuro, e não artista, e ultimamente haviam surgido graves problemas familiares por causa de um novo conto que eu escrevera…”
“__ Faz trinta anos que escrevo ficção. Não acontece nada comigo.
Foi então que a extraordinária menina-mulher apareceu diante de mim—Lonoff, num tom que traía certo sentimento de aversão por si próprio, acabara de dar vazão àquele lamento incrível e eu tentava me haver com seu significado. Não acontecia nada com ele? Pois sim. E a genialidade? E a arte? Não tinham acontecido com ele? O sujeito era um visionário!”
“__ Há trinta anos escrevo ficção. Nada acontece comigo.
Nesse ponto, uma linda jovem surgiu diante de mim—exatamente quando Lonoff, num leve tom de autocomiseração, acabava de pronunciar aquele incrível lamento e eu me esforçava para compreendê-lo. Nada acontecia a ele? Ora, acontecera-lhe o gênio, a arte—ele era um visionário!”
“__ Com uma mulher, claro.
Respondeu isso sem pestanejar, como se eu fosse um homem adulto.
De modo que, como se eu fosse realmente um homem adulto, fui em frente e perguntei: Que idade ela teria, essa mulher?
Lonoff sorriu para mim: Acho que bebemos demais.”
“__ Com uma mulher, é claro—disse ele, como se eu fosse um adulto amadurecido.
Portanto, como se o fosse, perguntei:
__ Que idade teria essa mulher?
Ele sorriu: Ambos já bebemos demais.”
“__Você não se encaixa no estereótipo do cinquentão careca. Ir para a Itália com você não seria a mesma coisa que ir para a Itália com qualquer um.
__ Como assim? Agora vou aproveitar os sete livros que escrevi para arrumar uma bocetinha gostosa?”
“__ Você não é um careca de cinquenta e seis anos estereotipado. Estar na Itália com você não seria estar na Itália com qualquer um.
__ Que quer dizer com isso? Devo negociar meus sete livros em troca de um rabo-de-saia?”
“O fato é que havia mais alguém que eu queria que entendesse aquilo, pois logo me esqueci da provação que tinha pela frente com Heidegger e Wittgenstein e me vi sentado à escrivaninha de Lonoff, bloco de anotações em punho, entando explicar a meu pai—o pai calista, o primeiro dos meus pais—a voz que, de acordo com o grande vocalista E. I. Lonoff, começava atrás dos meus joelhos e ia subindo até chegar bem acima da minha cabeça. Eu estava devendo aquela carta. Fazia três semanas que meu pai esperava de mim um sinal iluminado de contrição pelas ofensas que eu passara a dirigir às pessoas que mais me haviam apoiado. E por três semanas eu o deixara arrancando os cabelos, se é assim que alguém descreve sua própria dificuldade em pensar em outra coisa ao acordar com pesadelos horríveis às quatro da madrugada.”
“Dei-me conta de que desejava ver também outra pessoa, pois logo esqueci o iminente encontro desagradável com Heidegger e Wittgenstein, e sentei-me com meu bloco à mesa de trabalho de Lonoff, esforçando-me por explicar a meu pai—o pedicuro, o primeiro de meus pais—a fala que, segundo uma autoridade da importância de E.I. Lonoff, brotava de meus membros inferiores e ia muito além de minha cabeça. A carta estava atrasada três semanas: durante esse tempo meu pai aguardava algum sinal de iluminada contrição pelas ofensas que eu começara a cometer contra meus principais sustentáculos. E, durante três semanas, eu o cozinhara em seu próprio molho—se esta é a expressão correta para descrever a incapacidade de pensar em outra coisa ao despertar de um pesadelo às quatro da manhã.”
“… do lugar onde eu me achava ajoelhado, junto à porta do escritório, ouvi Amy entrar pela porta da frente. Ela passou pelo corredor e subiu os degraus atapetados da escada—e isso foi tudo o que eu soube dela até aproximadamente uma hora mais tarde, quando tive o privilégio de assistir como ouvinte a outro curso atordoante, este ministrado pelo Departamento de Matérias Noturnas e Adultas da escola Lonoff de Artes. Quanto ao resto daquilo que me mantivera acordado até então, isso eu obviamente tive de imaginar. O que, todavia, é tarefa bem mais fácil do que ficar inventado coisas à máquina de escrever…”
“…ajoelhado junto à porta do escritório, escutei a jovem entrar na casa. Atravessou o vestíbulo atapetado e subiu a escada forrada por uma passadeira. Foi a última coisa que vi ou ouvi dela até cerca de uma hora mais tarde, quando tive o privilégio de fazer mais um curso—desta feita, na divisão de adultos da Escola de Artes de Lonoff. Naturalmente, fui obrigado a imaginar o resto das coisas pelas quais esperara acordado, mas isso foi tarefa muito mais fácil que tentar escrever ficção numa máquina portátil…”
“Nenhum de nós dois tinha dormido à noite: Amy pensando em quem ela poderia ser, vivendo em Florença com Lonoff; eu pensando em quem ela poderia ter sido. Quando a manga de seu casaco subiu um pouco, revelando o antebraço, obviamente vi que não havia nenhuma cicatriz ali. Nenhuma cicatriz, nenhum livro, nenhum Pim. Não, o pai amoroso a quem era preciso renunciar em favor da arte da criança não era o dela; era o meu.”
“Nenhum de nós dormira na noite passada: ela pensando em quem se tornaria caso morasse em Florença com Lonoff; eu, imaginando quem seria ela. Quando levou a mão à testa, a manga de seu casaco desceu. Naturalmente, vi que não existia cicatriz no antebraço. Nem cicatriz, nem livro, nem Pim. Não, o pai amoroso precisava ser abandonado porque a arte da filha não era dela; o pai era meu.”

Às vezes a discrepância é grande como nos casos abaixo:
“Lidos em sequência, os trechos grifados formavam um resumo perfeito de cada matéria e teriam servido como excelente preparação para um colegial que precisasse falar a respeito daqueles assuntos em sua aula de atualidades.”
“Lidos em sequência, os trechos sublinhados constituíam um resumo preciso de cada artigo e serviriam como excelente preparação para uma aula do curso de atualidades que Lonoff ministrava na faculdade.”
“A Saturday Review publicara uma matéria sobre jovens escritores americanos ainda não conhecidos do público, com notas biográficas e fotos dos DEZ TALENTOS EM QUE VALE A PENA FICAR DE OLHO, selecionados pelos editores dos principais periódicos literários do país.”
“A Saturday Review publicara um artigo sobre jovens escritores americanos desconhecidos do público, com fotografias e breves biografias dos DOZE A SEREM OBSERVADOS, selecionados pelos editores das mais importantes revistas literárias.”
“Meu conto, intitulado FORMAÇÃO SUPERIOR, terminava com Essie morando a mão do fulano.
__ Bom, você não deixou mesmo nada de fora, deixou?
Assim meu pai deu início a sua crítica…”
“Meu conto, intitulado EDUCAÇÃO SUPERIOR, terminava com Essie, de martelo em punho, perguntando: Você certamente não deixou mais nada de fora, não?”
E foi assim, também, que começou a crítica de meu pai…”
“Na primeira leitura, dobrara o canto da página; na segunda, usando uma caneta tirada da bolsa, traçou uma linha significativa na margem e escreveu ao lado—em inglês, claro—sinistro (tudo o que ela marcava, marcava para ele ou, no fundo, marcava imaginando ser ele).”
“Ao lê-lo pela primeira vez, dobrou o canto superior da página; na segunda vez, tirou uma caneta da bolsa, traçou uma significativa linha na margem e escreveu ao lado, em inglês: Fantástico (tudo o que anotava era para ele; ou, pelo menos, fazia as anotações imaginando que fossem realmente para ele).”


[1] Essa versão, lançada pela Francisco Alves, em 1980, e depois pelo Círculo do \Livro, foi feita por Luís Horácio da Matta.
A tradução de que me ocupo na resenha acima é da autoria de Alexandre Hubner e faz parte do volume ZUCKERMAN ACORRENTADO-3 ROMANCES E 1 EPÍLOGO, do qual constam também Zuckerman Libertado; Lição de Anatomia & A Orgia de Praga.
[2] Devo salientar que O Escritor Fantasma é um texto saturado de literatura, não apenas por ser a ocupação dos personagens, mas porque há um diálogo explícito entre Roth e o James Joyce de Um retrato do artista quando jovem e seu protagonista Stephen Dedalus: não só uma das partes tem como título “Nathan Dedalus” (o que se perde um pouco na tradução de Luís Horácio da Matta:”O dédalo de Nathan”),como—assim como seu antecessor—Nathan se debate em meio a uma teia pegajoso de atavismos (no caso de Dedalus, o catolicismo, mais precisamente o jesuítico e o tomista; no caso de Zuckerman, o judaísmo), além de—como no Ulysses—afastar-se do pai real em busca de um pai simbólico.
Mas, longe de ser apenas o “retrato do artista quando jovem” versão Roth (que o publicou aos 46 anos), o romance também é impregnado de Henry James e suas visões do artista maduro e insatisfeito. A referência explícita (com citações textuais) é Os anos médios (na versão de Hubner; eu prefiro a solução do outro tradutor: A Idade Madura), mas há trechos inteiros da primeira parte (“Maestro”), muito evocativos do estilo jamesiano, como também podemos lembrar de outras histórias do “maestro”, como A Lição do Mestre, entre outros exemplos de artistas maduros e candidatos a artista que se envolvem em jogos equívocos (há um momento também que evoca O Desenho do Tapete).
E, por fim, o livro utiliza surpreendentemente o impacto imaginativo e moral do Diário de Anne Frank, e também suas estratégias literárias e quanto do seu simbolismo depende da não-sobrevivência da escritora Anne Frank (e nem preciso dizer que há a sombra de Kafka em tudo, a questão dos pais, do destino judaico, da imersão na literatura em detrimento de tudo o mais…).
[3] Na tradução de Luís Horácio da Matta: “Contudo, eu já não conseguia pensar nela como sendo Amy. Em vez disso, sentia-me constantemente arrastado de volta à ficção que tecera em torno dela e dos Lonoff enquanto permanecia deitado no sofá-cama, eufórico com os elogios de Lonoff e furioso com o ressentimento de meu pai reprovador—bem como, é claro, arrasado pelo que se passara entre meu ídolo e a maravilhosa jovem de vinte e seis anos antes que ele, com grande dignidade masculina, voltasse à cama da esposa.”
[4] Em Diário de uma ilusão: “Foi na última hora de luz do final de uma tarde de dezembro, há mais de vinte anos—na época, eu tinha 23 anos, escrevendo e publicando meus primeiros contos, e, como tantos heróis Bildungsroman anteriores a mim, já contemplava meu volumoso Bildungsroman…”
[5] Na mesma época em que li o livro na sua versão Diário de uma ilusão, me impressionei muito com certas afirmações de Autran Dourado, em Uma poética de romance: matéria de carpintaria em que ele dizia que a vida que o escritor vivia era à custa da sua obra, e vice-versa. E aqui cabe lembrar outra reminiscência literária, tanto de Dourado quanto de Roth: o torturado Aschenbach de Morte em Veneza, que nas suas únicas férias do exaustivo labor artístico, é traído por Eros e morre.

