MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

20/03/2018

A GENIAL JANE AUSTEN AGORA EM NOVELA DA GLOBO

Filed under: autores centrais — alfredomonte @ 16:55
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(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 20 de março de 2018)

Numa entrevista que concedi a Herasmo Braga (em 2013), ele me fez a seguinte pergunta: “HB – Quais autores são imprescindíveis para um leitor qualificado em sua opinião?

AM – Mas o que importa mesmo é não ler ‘de orelha’, nem de ‘segunda mão’. Mesmo que através de traduções, é necessário conhecer a grande tradição de autores que foram ‘inventando o humano’ além do Shakespeare à Bloom. Outro dia li uma declaração de uma autora, da qual não direi o nome, que admiro. Ela disse que não tinha muito tempo de ler os clássicos porque tinha de ficar atenta à ‘cena atual’. Acho essa declaração não só uma bobagem imensa como também perigosa: o que é bom na literatura é sempre ‘cena atual’. Tem coisas de dois anos atrás e que já estão prontas pro disque-entulho. Enquanto Jane Austen é sempre ‘da hora’”.

Jane Austen é tão da hora que a nova novela da Globo, “Orgulho e Paixão” é baseada em “ORGULHO E PRECONCEITO” (com pitadas de “Emma”), seu mais famoso romance. Elizabeth Bennet é uma das personagens mais carismáticas da história da ficção, como digna sucessora que é daquelas heroínas inteligentes, mordazes e apaixonadas de Shakespeare. Como se sabe, ela pertence a uma família que tem muitas filhas (cinco), todas sem dote e cuja propriedade, com a morte do pai, deverá passar para um distante (e insuportável) parente masculino. Este, em certo ponto da narrativa, resolve pedir a mão de Elizabeth, mas ela está encantada com o forasteiro Wickham, desafeto de Mr. Darcy, melhor amigo de outro estranho ao lugar onde mora a família Bennet, Mr. Bingley, que se apaixona por Jane, irmã mais velha de Elizabeth (romance desaprovado pelo orgulhoso e preconceituoso Darcy). Aliás, Mr. Collins, o absurdo pretendente, toca na questão central da vida de mulheres como as Bennet: “A senhora deve levar em conta que apesar dos seus múltiplos atrativos, nada garante que outra proposta de casamento lhe seja feita algum dia. O seu dote infelizmente é tão pequeno que em todas as situações pesará contra a sua beleza e as suas louváveis qualificações”.

Com implacável precisão e lucidez, ficamos conhecendo aquela sociedade em que cada um é prisioneiro de sua condição social e sexual, em que o mais rasteiro cálculo materialista e comodista dita as regras, como mostra a melhor amiga de Elizabeth, Charlotte, ao aceitar Mr. Collins como marido: “Sem pensar muito nem nos homens nem no matrimônio, o casamento sempre fora o seu objetivo; era a única condição digna para uma moça bem-educada e de pouca fortuna e por mais incertas que fossem as perspectivas de trazer felicidade, ainda era a forma mais agradável de se preservar da necessidade”.

Mesmo assim, provavelmente os leitores apaixonados por Jane Austen, como eu, nunca cansarão de reler “ORGULHO E PRECONCEITO” é por causa mesmo da mudança de sentimentos de Elizabeth com relação a Mr. Darcy, depois que reconhece o caráter dúbio e escorregadio de Wickham (que seduzirá a irmã dela), percorrendo lentamente (em termos psicológicos, não narrativos) o arco que vai da antipatia ao amor. E isso através de diálogos ainda insuperados (a cena da declaração de amor dele é particularmente antológica).

Outro prazer adicional é o de retomar contato com um dos pais mais deliciosamente irônicos já criados, Mr. Bennet, sempre roubando a cena quando aparece e que, entretanto, não escapa à prodigiosa visão crítica da genial escritora inglesa: “Elizabeth, no entanto, nunca fora cega à impropriedade do comportamento do pai como marido. Aquilo sempre a fizera sofrer, mas, respeitando as suas qualidades e grata pelo seu tratamento afetuoso, esforçava-se por esquecer o que não podia fingir não ver e bania dos seus pensamentos aquela contínua quebra das obrigações e do decoro conjugal, expondo a esposa ao desprezo das próprias filhas”.  Todavia, como resistir a um personagem que, quando sua tola esposa diz: “Você se diverte em me aborrecer, não tem compaixão pelos meus pobres nervos”, responde: “Está enganada, minha cara. Tenho um alto respeito pelos seus nervos. São meus velhos amigos. Ouço-a mencioná-los com consideração há pelo menos vinte anos”.

30/01/2013

ORGULHO E PRECONCEITO 200 anos: Traduções Brasileiras

austen

Com a comemoração dos duzentos anos da publicação original de ORGULHO E PRECONCEITO (Pride and Prejudice), de Jane Austen (1775-1817), o leitor comum pode sentir a necessidade de indicações quanto às mais confiáveis entre as numerosas traduções brasileiras desse romance genial. Editoras nunca muito cortejadas pela mídia, uma delas injustamente (a L&PM); a outra, só agora dando mostras de sair do atoleiro de descrédito abissal, contudo lucrativo, em que se afundara (a Martin Claret), apresentam boas traduções, que ombreiam com a tradução paradigmática (e ainda muito útil, a meu ver) de Lúcio Cardoso, a qual desde 1940 vem sendo incessantemente republicada. Não sei nem o que dizer da versão publicada pela Landmark, tão abaixo do nível de uma Jane Austen ou de qualquer autor clássico ela me parece.

Entre as mais recentes, a mais badalada—inclusive pelo aparato que a acompanha—foi certamente a publicada pela Penguin/Companhia. No entanto, houve incríveis falhas sobretudo de revisão, e ela resultou desleixada e discutível. Logo nas primeiras páginas há um erro incrível: são atribuídas QUATRO filhas ao casal Bennet (na verdade, são cinco, e no original lemos: “When a woman has five grown-up daughters…”; traduziu-se assim: “Uma mulher com quatro filhas adultas…”; não seriam “cinco filhas [já] crescidas”?); logo a seguir este trecho incompreensivelmente truncado: “Lizzy não é em nada melhor que as outras; e garanto que sua beleza não chega nem à metade da beleza de Lydia.” (no original: “Lizzy is not a bit better than the others; and I am sure she is not half so handsome as Jane, nor half so good-humoured as Lydia.”). Portanto, acautele-se leitor com relação a essa versão.

Nota- Para maiores informações sobre traduções de Jane Austen, aconselho a leitura de:

http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/2010/01/orgulho-e-preconceito-da-best-seller.html

http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/2010/01/orgulho-e-preconceito-da-lpm.html

pride_and_prejudice

Escolhi um trecho do capítulo 42 para cotejar as cinco traduções de que disponho:

Primeiramente o original:

“Had Elizabeth´s opinion been all drawn from her own family, she could not have formed a very pleasing picture of conjugal felicity or domestic comfort. Her father captivated by youth and beauty, and that appearance of good humour, which youth and beauty generally give, had married a woman whose weak understanding and illiberal mind, have very early in their marriage put an end to all real affection for her. Respect, esteem, and confidence, had vanished for ever; and all his views of domestic happiness were overthrown. But Mr. Bennet was not of a disposition to seek comfort for the disappointment which his own imprudence had brought on, in any of those pleasures which too often console the unfortunate for their folly or their vice. He was fond of the country and of books; and from these tastes had arisen his principal enjoyments. To his wife he was very little otherwise indebted, than as her ignorance and folly had contributed to his amusement (…)

    Elizabeth, however, had never been blind to the impropriety of her father´s behavior as a husband. She had always seen it with pain; but respecting his abilities, and grateful for his affectionate treatment of herself, she endeavoured to forget what she could not overlook, and to banish from her thoughts that continual breach of conjugal obligation and decorum which, in exposing his wife to the contempt of her own children, was so highly reprehensible.”

(extraído de The complete novels of Jane Austen, The Wordsworth Library Collection)

pride and prejudice

“Se as opiniões de Elizabeth se originassem do exemplo dado por sua própria família, sua ideia de felicidade conjugal e de conforto doméstico não poderia ser das mais lisonjeiras. Seu pai, cativado pela mocidade, beleza e aparência de bom humor que a juventude em geral confere às mulheres, casara-se com uma pessoa de compreensão limitada e de ideias estreitas; pouco depois do casamento, esses defeitos haviam extinto toda a afeição sincera que tinha por ela. O respeito, a estima, a confiança, tinham-se desvanecido para sempre. E todos os seus anseios de felicidade doméstica foram destruídos. Mas o senhor Bennet não era desses homens que procuram se consolar das desilusões causadas por suas próprias imprevidências entregando-se a esses prazeres em que os infelizes procuram uma compensação para suas loucuras e vícios. Ele gostava do campo e dos livros, suas principais distrações. Quanto à sua mulher, pouco mais lhe devia do que os divertimentos que o espetáculo de sua ignorância e sua falta de sensibilidade lhe tinham proporcionado (…)

   Elizabeth, no entanto, nunca fora cega aos defeitos de seu pai como marido. Aquilo sempre lhe doera, mas, admirando suas qualidades e grata pela maneira afetuosa com que a tratava, esforçava-se por esquecer o que não podia deixar de  perceber e bania dos seus pensamentos essas contínuas irregularidades de conduta conjugal, que, expondo sua mãe aos desprezo das próprias filhas, era portanto altamente repreensível.”

(tradução de Lúcio Cardoso, utilizada em diversas edições, ao longo das décadas)

orgulho e preconceito abril 1orgulho e preconceito abril 2

“Se a opinião de Elizabeth fosse formada a partir de sua própria família, ela não teria estabelecido uma opinião muito favorável sobre a felicidade conjugal ou o conforto doméstico. Seu pai, cativado pela juventude e pela beleza, e por aquela aparência de bom-humor que a juventude e a beleza geralmente dão, tinha se casado com uma mulher cuja fraca compreensão e mente nada liberal tivesse [sic] colocado um termo, logo no começo do casamento, a toda real afeição por ela. O respeito, a estima e a confiança teriam se esvaído para sempre; e todas as opiniões dele sobre a felicidade no lar seriam reviradas. Mas o Sr. Bennet não tinha o temperamento de buscar conforto, pelo desapontamento que sua própria imprudência tinha causado, em nenhum desses prazeres que muito comumente consolam os desafortunados pela sua fantasia ou pelo seu vício. Ele era apaixonado pelo campo e pelos livros; e desses gostos, se erguiam suas principais diversões. Por outro lado, ele devia muito pouco à sua esposa, do que a ignorância e os desatinos tinham contribuído para seu deleite (…)

    Elizabeth, porém, nunca fora cega à impropriedade do comportamento de seu pai como marido. Ela sempre o vira com dor; mas respeitando suas habilidades e grata pelo tratamento afetuoso que recebia, ela tentava se esquecer do que não conseguia passar despercebido e banir de seus pensamentos aquela contínua quebra de obrigação conjugal e decoro que, ao expor sua esposa ao desprezo de suas próprias crianças, era tão altamente repreensível.”

(tradução editado pela Landmark e realizada por Marcella Furtado que—entre tantas soluções horrendas—parece titubear nos tempos verbais, basta ver o trecho sublinhado)

landmark

“Fossem todas as opiniões de Elizabeth formadas a partir de sua própria família, sua ideia de felicidade conjugal ou conforto doméstico não seria das mais agradáveis. O pai, cativado pela juventude, pela beleza e por aquela aparência de bom-humor que em geral acompanha a juventude e a beleza, casara-se com uma mulher cuja pouca inteligência e espírito intolerante em pouco tempo destruíram todo o afeto que sentira por ela. Respeito, estima e confiança desapareceram para sempre, e toda esperança de felicidade doméstica foi abandonada. Mas o sr. Bennet não tinha propensão para buscar conforto para o desapontamento causado por sua própria imprudência em nenhum daqueles prazeres que tantas vezes consolam os desafortunados por sua loucura ou devassidão. Ele gostava do campo e de livros; e dessas preferências brotaram suas maiores alegrias. À esposa, ao contrário, pouco devia, além da diversão provocada pela ignorância e pela loucura (…)

    Elizabeth, entretanto, nunca fora cega à impropriedade do comportamento do pai enquanto marido. Sempre sofreu com isso, mas, respeitando suas qualidades e grata pelo afetuoso tratamento que ele lhe dispensava, tentava esquecer o que não podia deixar de perceber e afastar do pensamento a contínua transgressão das obrigações conjugais e a falta de decoro que, por expor a mulher ao desprezo de suas próprias filhas, era tão altamente condenável.”

(Tradução editada pela L&PM, e realizada com Celina Portocarrero, que nada fica a dever à tradicional e vetusta versão de Lúcio Cardoso)

L&PM

“Se a opinião de Elizabeth se baseasse apenas em sua própria família, não poderia ter feito um julgamento muito favorável da felicidade conjugal ou da paz doméstica. Seu pai, cativado pela juventude e pela beleza e por aquela aparência de bom humor que a juventude e a beleza geralmente provocam, casara-se com uma mulher cuja pouca inteligência e generosidade mental haviam, desde muito cedo no casamento, posto um ponto final em todo real afeto por ela. Respeito, estima e confiança haviam desaparecido para sempre; e todos os seus projetos de felicidade doméstica foram arruinados. Não era da natureza do sr. Bennet, porém, procurar reconforto para a decepção que sua própria imprudência produzira em algum desses prazeres que muitas vezes consolam o infeliz por sua insensatez ou seu vício. Adorava o campo e os livros; e desses gostos vinham suas principais alegrias. Sua dívida para com a mulher era muito pequena, a não ser pela diversão que o espetáculo de sua ignorância e insensatez lhe proporcionava (…)

   Elizabeth, porém, nunca foi cega à impropriedade do comportamento do pai como marido. Sempre a encarava com pesar; mas, respeitando a capacidade dele e grata ao tratamento carinhoso que ele lhe dispensava, tentava esquecer o que não podia superar, e expulsar de seus pensamentos essa violação das obrigações e do decoro conjugais, que, ao expor a mulher ao desdém das próprias filhas, era tão repreensível.”

(Editada pela Martin Claret—num volume onde estão também Razão e Sensibilidade  & Persuasão—e realizada por Roberto Leal Ferreira, também num trabalho de qualidade)

martin claret

Se as opiniões de Elizabeth fossem sempre as mesmas de sua família, ela não teria criado um quadro muito agradável  da felicidade conjugal ou dos confortos do lar. Seu pai, cativo da juventude e da beleza, e daquela aparência de bom humor que a juventude e a beleza costumam conferir, casara-se com uma mulher de parcas luzes e mentalidade tacanha, e logo no início do casamento abdicara de qualquer afeto genuíno por ela. Respeito, estima e confiança haviam sumido para sempre; e todas as suas aspirações à felicidade doméstica foram abolidas. Mas o senhor Bennet não parecia disposto a procurar consolo para uma frustração que sua própria imprudência acarretara em nenhum daqueles prazeres que tantas vezes consolam os desafortunados em sua loucura ou seu vício. Ele gostava do campo e de livros; e desses dois prazeres extraía o principal de seus deleites. À esposa, ele era grato simplesmente na medida em que sua ignorância e suas tolices ajudavam a distraí-lo (…)

    Elizabeth, contudo, jamais fora cega às impropriedades do comportamento do pai como marido. Sempre lamentara tal atitude; mas, respeitando suas qualidades e grata pelo tratamento afetuoso que lhe dedicava particularmente, ela procurava esquecer  o que não conseguiria relevar e bania de seus pensamentos a contínua falha dos deveres e do decoro conjugal que, expondo a esposa ao desprezo das próprias filhas, era nele altamente repreensível.”

(Co-editada pela Penguin-Companhia, essa tradução de Alexandre Barbosa de Souza é altamente irregular, como se pode ver pelo início infeliz do trecho, e muito literal por vezes, apresentando no entanto boas soluções aqui e ali)

AQUI NO BLOG:

https://armonte.wordpress.com/2010/07/30/minha-amiga-elizabeth/

penguin companhiajane

30/07/2010

Minha amiga Elizabeth

(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos,  em 18 de março de 2006)

Devido à sua interpretação (que não considero nada de especial) na mais recente (e mais rasa) das numerosas versões de Orgulho e Preconceito, Keira Knightley recebeu indicação para todas as premiações de maior repercussão (Oscar, Globo de Ouro, SAG), embora tenha perdido sucessivamente para Reese Whiterspoon, a qual, por sua vez, estrelou a adaptação de outro magnífico romance oitocentista, A Feira das Vaidades [mas seus prêmios foram por outro papel, em Johnny e June]. Em conseqüência, a mais tradicional tradução (a de Lúcio Cardoso) do principal livro de Jane Austen ganhou nova edição. Esperemos que a obra-prima de Thackeray tenha a mesma sorte.

É provável que mesmo o aguado desempenho de Keira Knightley (em compensação, não se podia pedir um  mr. Darcy melhor que o de Matthew Macfadyen: a cena em que ele aparece ao amanhecer nas imediações da casa de Elizabeth e diz que a ama três vezes é um belo momento romântico do cinema atual) tenha chamado tanta atenção porque Elizabeth Bennet é uma das personagens mais carismáticas da história da ficção, como digna sucessora que é daquelas heroínas inteligentes, mordazes e apaixonadas de Shakespeare (Rosalind, de Como gostais, Pórcia, de O Mercador de Veneza, por exemplo). Como se sabe, ela pertence a uma família que tem muitas filhas (cinco), todas sem dote e cuja propriedade, com a morte do pai, deverá passar para um distante (e insuportável) parente masculino. Este, em certo ponto da narrativa, resolve pedir a mão de Elizabeth, mas ela está encantada com o forasteiro Wickham, desafeto de Mr. Darcy, melhor amigo de outro estranho ao lugar onde mora a família Bennet, Mr. Bingley, que se apaixona por Jane, irmã mais velha de Elizabeth (romance desaprovado pelo orgulhoso e preconceituoso Darcy). Aliás, Mr. Collins, o absurdo pretendente, toca na questão central da vida de mulheres como as Bennet: “A senhora deve levar em conta que apesar dos seus múltiplos atrativos, nada garante que outra proposta de casamento lhe seja feita algum dia. O seu dote infelizmente é tão pequeno que em todas as situações pesará contra a sua beleza e as suas louváveis qualificações.” Como se vê, uma situação muito parecida com a de outro livro de Austen (cuja versão cinematográfica, dirigida por Ang Lee, também foi sucesso), Razão e Sentimento. Em Orgulho e Preconceito tudo ganhou mais amplitude, principalmente o humor e a ironia.

Com implacável precisão e lucidez, ficamos conhecendo aquela sociedade em que cada um é prisioneiro de sua condição social e sexual, em que o mais rasteiro cálculo materialista e comodista dita as regras (e que talvez seja menos hipócrita que a nossa, regida da mesma forma, porém onde se pratica outro discurso), como mostra a melhor amiga de Elizabeth, Charlotte, ao aceitar Mr. Collins como marido: “Sem pensar muito nem nos homens nem no matrimônio, o casamento sempre fora o seu objetivo; era a única condição digna para uma moça bem-educada e de pouca fortuna e por mais incertas que fossem as perspectivas de trazer felicidade, ainda era a forma mais agradável de se preservar da necessidade”.

Mesmo assim, provavelmente os leitores apaixonados por Jane Austen, como eu,  nunca cansarão de reler Orgulho e Preconceito é por causa mesmo da mudança de sentimentos de Elizabeth com relação a Mr. Darcy, depois que reconhece o caráter dúbio e escorregadio de Wickham (que seduzirá a irmã dela),  percorrendo lentamente (em termos psicológicos, não narrativos) o arco que vai da antipatia ao amor. E isso através de diálogos ainda insuperados (a cena da declaração de amor dele é particularmente antológica). Nem a descoberta da protagonista de Emma de que ama Mr. Knightley é tão marcante.

Outro prazer adicional é o de retomar contato com um dos pais mais deliciosamente irônicos já criados, Mr. Bennet, sempre roubando a cena quando aparece e que, entretanto, não escapa à prodigiosa visão crítica da genial escritora inglesa: “Elizabeth, no entanto, nunca fora cega à impropriedade do comportamento do pai como marido. Aquilo sempre a fizera sofrer mas, respeitando as suas qualidades  e grata pelo seu tratamento afetuoso, esforçava-se por esquecer o que não podia fingir não ver e bania dos seus pensamentos aquela contínua quebra das obrigações e do decoro conjugal, expondo a esposa ao desprezo das próprias filhas.”  Todavia, como resistir a um personagem que, quando sua tola esposa diz,”Você se diverte em me aborrecer, não tem compaixão pelos meus pobres nervos”, responde: “Está enganada, minha cara. Tenho um alto respeito pelos seus nervos. São meus velhos amigos. Ouço-a mencioná-los com consideração há pelo menos vinte anos.”

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