MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

09/12/2014

Das cavernas de aço ao sol desvelado: o futuro da humanidade segundo Isaac Asimov

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(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 09de dezembro de 2014)

De Isaac Asimov (1920-1992), a Aleph vem reeditando não apenas o clássico ciclo de romances sobre a Fundação[1], como também as aventuras de Elijah Baley, a segunda das quais é O sol desvelado (belo título brasileiro para “The naked Sun”,1957—a tradução é de Aline Storto Pereira[2]): o investigador viaja para Solaria a fim de elucidar um assassinato (ali inexistem forças policiais, pois nunca houvera um crime), com seu parceiro, o robô Daneel Olivaw, cuja aparência reproduz a dos Siderais (pelo menos em sua versão “idealizada” pelos terráqueos como Baley),  habitantes de colônias, que nutrem profundo desprezo pelo nosso planeta-origem — onde há forte resistência à integração de robôs nas engrenagens produtivas.

Em Solaria, o número de habitantes é escasso: a natalidade e o crescimento populacional são rigidamente controlados, os serviços são executados por uma legião de robôs, e o que torna o homicídio do Dr. Delmarre ainda mais enigmático é a aversão que os solarianos desenvolveram à presença física de outros indivíduos: a não ser em raros e contrafeitos momentos, todo contato é holográfico. Por isso, as suspeitas recaem sobre a esposa, Gladia, único ser humano na propriedade, além do morto. Não obstante, não se consegue imaginar como ela teve acesso ao marido de forma a agredi-lo com uma arma não encontrada.

robôs

A investigação de Baley tem como obstáculos principais essa rejeição ao contato pessoal por parte dos solarianos (afora a arrogância com que são tratados os oriundos da Terra) e seu pânico em estar num planeta onde se vive na superfície, fazendo-o enfrentar espaços abertos — com uma visão direta do sol, daí o título: “Ele evitava olhar para aquele vazio azul, isto é, vazio a não ser pelos tons de branco aglomerados de algumas nuvens ocasionais e o brilho do sol desvelado. Ainda assim Baley foi capaz de lutar contra o desejo de correr, de voltar para um ambiente fechado (o próprio Asimov era o oposto daquele que sofre de fobia claustrofóbica:  era aficcionado por espaços pequenos fechados e não gostava muito de viajar).

Aliás, o primeiro romance da série chama-se As Cavernas de Aço (“The caves of steel”, 1954[3]) exatamente porque assim são as cidades da Terra no futuro asimoviano: conglomerados urbanos no interior do planeta, com alucinante concentração populacional, totalmente isolados do que restou da natureza, e nos quais os pequenos luxos da privacidade são arduamente conquistados.

Genial urdidor de tramas, nem sempre o notável bielorrusso (que viveu a maior parte de sua existência nos EUA) mostrou-se um prosador inspirado, e isso empana um pouco do brilho da narrativa de As Cavernas de Aço. Mas em O Sol Desvelado o estilo apresenta-se menos “tímido”, e ele permite-se alguns voos que permitem ao leitor apreender de forma cabal os efeitos psicológicos de questões como ocupar um espaço pessoal, proximidade, percepção do impacto físico do mundo à nossa volta.

Se a fábula é inteligentíssima e a narrativa mostra um domínio maior como escritor, o que deixa pasmo o leitor é a reflexão civilizatória atualíssima[4]: ao contrastar as culturas da Terra e de Solaria, o autor de O Fim da Eternidade antecipou dois perigos que parecem antípodas, no entanto são interfaces do mesmo fenômeno: de um lado, a superpopulação e o colapso de uma organização social para a qual a natureza passa a ser uma ameaça quanto mais destruídos os recursos do planeta; por outro, ancorados numa dependência alarmante da tecnologia (a servidão, a par da sua presença mais e mais ostensiva, dos seres positrônicos, que ocupa boa parte do imaginário dos livros protagonizados por Baley, incluindo sua complicada parceria com Daneel), indivíduos cada vez mais isolados em seus nichos, com relacionamentos virtuais substituindo os reais, e uma indiferença gritante com relação ao resto do universo. O resultado nunca é a melhora da condição humana, e sim, como aponta um sociólogo solariano, “conforme uma pessoa avança rumo ao topo, encontra cada vez menos pessoas para desfrutar de tudo isso. Invariavelmente, há uma preponderância dos despojados”.

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NOTAS

[1] Incluí a trilogia inicial na lista que 100 maiores romances do século XX que preparei para A TRIBUNA na virada do milênio.

[2] Pela Hemus, que publicou anteriormente as obras de Asimov no Brasil, saiu como Os robôs.

[3] Pela Hemus (e foi um dos primeiros Asimov que li, justamente nessa versão), Caça aos robôs.

[4] Minha avaliação é completamente oposta à de Antonio Luiz M.C. Costa, o qual aponta o envelhecimento da visão asimoviana do futuro e tacha de “datados” tanto As cavernas de aço quanto O sol desvelado, entre outros fatores, pelo tratamento das questões de gênero:

http://www.cartacapital.com.br/blogs/antonio-luiz/a-robotica-de-asimov-uma-ciencia-passadista-1515.html

Apesar de não concordar muito com o texto (penso que ele passa longe do “coração” do universo asimoviano), ele chama a atenção para aspectos bem interessantes.

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