MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

04/03/2010

ONDE FICA ESSA EDIMBURGO?

Um título desperdiçado

Um título irresistível; uma ambientação diferente (Edimburgo); uma protagonista que é especialista em filosofia moral, editora de uma “Revista de Ética Aplicada”; um autor nascido no Zimbábue e que já escrevera uma série policial cujo cenário era Botsuana. Era presumível que O Clube Filosófico Dominical (“The Sunday Philosophy Club”, 2004; tradução de Alexandre  Hubner, Companhia das Letras) , de Alexander McCall Smith, transcendesse o mero entretenimento de mistério e tivesse o fôlego necessário para ingressar no ainda seleto cânone dos que realmente sobreviveram num gênero ingrato, às vezes subestimado, às vezes supervalorizado.

Isabel Dalhousie vai a um concerto e assiste à queda mortal de um desconhecido, Mark Fraser, das galerias superiores. Investigando por conta própria (e pela absoluta falta do que fazer na vida) o incidente, que aos poucos vai se configurando em sua mente como assassinato, ela descobre transações financeiras desonestas e um triângulo amoroso envolvendo os parceiros de moradia de Mark e seu chefe e a noiva deste.

A sensaborona síntese acima é proposital: não existe nada mais sem graça do que O Clube Filosófico Dominical. Que entretenimento, que nada! Que candidato a cânone! E, o que é pior, que desperdício de um título e suas possibilidades! Entre as muitas queixas que se pode fazer contra o livro, está o fato de que o tal clube só é citado e nunca aparece em cena. Que saudade das sessões (de mah jong ou bridge) das senhoras de St. Mary Mead, o vilarejo de Mrs. Marple, com seus mexericos e revelações involuntárias! Não nos deparamos, apesar das constantes caminhadas de Isabel, com um personagem ou situação interessante: nem sua sobrinha, Cat, em cuja vida sentimental a tia se intromete, porque prefere (até demais da conta…) o antigo namorado, que a ajuda na investigação, ao atual; nem a empregada, Grace, com julgamentos morais inflexíveis; nem os prováveis suspeitos. Até mesmo o momento de maior “suspense” (ela liga para o celular de um homem que lhe deu informações e o aparelho começa a tocar dentro da sua casa, praticamente no seu quarto) se perde na mornidão geral.

O pior de tudo é a chatice da heroína. Que ela seja uma filósofa é risível. Seus pensamentos são pífios (para se ter uma idéia, ela lembra de Hannah Arendt e pensa: “A banalidade do mal”!!?? Faça-me o favor, Mr. McCall Smith!), suas conclusões morais, banais (“Os relacionamentos entre as pessoas não podiam ser usados como base de comparação por outros”) e sua rotina é uma mistura de ociosidade e privilégios que chega a causar espanto, senão repulsa. Há até um momento cômico, quando ela reflete: “Havia ocasiões em que ser a editora da Revista de Ética Aplicada era um peso, parecia tão difícil relaxar…”

A tal Isabel é de uma caretice sem par: ela candidamente fica transtornada ao saber que existem casos extraconjugais e falcatruas no mercado financeiro, o que nos leva a pensar que a Edimburgo de O Clube Filosófico Dominical não fica na Escócia, e sim em outra galáxia, a muitos anos-luz daqui.

(resenha publicada em A TRIBUNA de Santos,  em 22 de março de 2008)

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