Henry Wadsworth Longfellow, James Russell Lowell e Oliver Wendel Holmes eram grandes estrelas da literatura em meados do século 19, nos EUA. Eram de Boston, ligados à Harvard e tinham o mesmo e prestigiado editor, J.T. Fields.
A amizade fez com que Lowell e Holmes auxiliassem Longfellow na primeira tradução americana da Divina Comédia(o poema é quase desconhecido no país), e justamente no momento em que ela se encaminha para o término, há uma onda de crimes, cujas características copiam detalhes de cantos do Inferno. Esse é o argumento básico de O Clube Dante, de Matthew Pearl. Já envolvidos com intrigas de membros da diretoria de Harvard, os quais não vêem com bons olhos a incorporação de Dante ao cânone universitário, graças ao fato de Holmes ser médico os membros do insólito clube ficam sabendo da similaridade alcançada pelo criminoso e começam a imaginar que ele pode ser um erudito, profundo conhecedor da obra de Dante.
O que os intriga é a aleatoridade das punições: há um indiferente, um simoníaco e um fomentador de desavenças, que aparecem em cantos diversos (mais tarde, haverá traidores, mas já é outra história…). O quarteto (Longfellow, Holmes, Lowell, Fields) descobrirá que os crimes estão relacionados mesmo é com a Guerra de Secessão, que terminara e que, como se sabe, fraturou a identidade nacional (“Todos os tempos foram separados em duas épocas: antes da guerra e depois da guerra”), de um modo que lembra a dividida Florença, retratada de forma tão crítica por Dante. E descobrem que realmente foi a tradução de Longfellow que motivou os crimes, embora da forma mais inusitada possível. Nessa investigação, eles ganham a colaboração de um dos primeiros policiais negros da cidade, Nicholas Rey, uma conseqüência progressista da guerra, que gera previsíveis tensões sociais, convenientemente incorporadas ao enredo.
Apesar do estilo meio laborioso, e às vezes meio pueril (frases do tipo “as narinas promeminentes do soldado agitaram-se de interesse”, alguém consgue imaginar a agitação de narinas interessadas?) adotado por Pearl em seu romance de estréia, ler Clube Dante é uma experiência divertida. Quem é que, gostando de literatura, não acha empolgante ver mistérios criados por livros gerando crimes reais, ou então ver escritores correndo pra lá e pra cá em aventuras perigosas ? Esse era um dos encantos de O nome da rosa.
Não há como negar que Pearl nos transmite muito bem o clima intelectual de Harvard e Boston. Particularmente bem sucedido nas figuras do timorato e pusilânime, por vezes, Wendell Oliver Holmes, e do destemido e temperamental James Russell Lowell, a amizade entre ambos, feita de embates é o destaque do livro, sem dúvida. Por outro lado, quem sai perdendo no livro é Dante. No que se refere ao uso do poema na trama, tudo é clichê e trivial. E, é lógico, mais uma vez se sacrificou a estrutura tripartite, ignorando-se solenemente o Purgatório e o Paraíso, e insistindo-se no Inferno. Que o assassino inculto fizesse isso, tudo bem, mas que chances foram desperdiçadas ao longo das discussões dos membros do clube no decorrer da narrativa! Quem pode esquecer, no romance de Umberto Eco, as apaixonantes discussões sobre Aristóteles (e esse, com certeza, era um dos encantos de O nome da rosa) ?
Além disso, e é algo que contamina até a apelativa capa colocada pela editora Francis [com a tradução de Maria José Silveira, não se entende muito bem a insistência de Pearl nas moscas varejeiras, que deveriam fazer parte apenas do primeiro crime, mas ganham uma amplificação forçada e até de mau-gosto no início do romance, e depois reaparecem aqui e ali sem ter o que fazer, após a morte do juiz culpado de indiferença, a ponto de fazer a Grande Negação.
Talvez ao pesquisar para o livro, Pearl tenha fica muito impressionado com a existência dessas moscas. No terceiro mundo, ela não nos causam qualquer espécie.
[resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 26 de novembro de 2005)]