MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

19/05/2016

O HOMEM QUE PREFERIA NÃO FAZER

Herman Melville Bartleby, o escrevente

(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em dezessete de maio de 2016)

 

“Preferiria não fazer (I would prefer not to) ”, uma das afirmações mais célebres da literatura ganha tradução de Tomaz Tadeu, pela editora Autêntica: Já houve muitas outras; até agora, a minha favorita era a de Luís de Lima (Rocco); Pinheiro de Lemos traduz de maneira bem eficaz: “Preferia não fazê-lo” José Olympio; Confesso que não gosto da solução de Irene Hirsch: “Acho melhor não” (Cosac Naify), sem graça e no fundo pouco poética.
Estou falando da desconcertante recusa do personagem – título de Bartleby, o escrevente (1853), em cumprir as tarefas designadas a ele pelo patrão, o narrador, dono de um escritório em Wall Street. A situação se complica porque mesmo demitido, Bartleby se recusa a deixar o local de emprego (o qual transformou-se em moradia: “De pronto senti todo o drama: Que solidão e desamparo terríveis estão sendo revelados aqui! A sua pobreza é grande, mas a sua solidão… que horror! Pensem nisso. Num domingo, Wall Street é tão deserta quanto Petra, e todas as noites de todos os dias são um imenso vazio. E até este edifício, que nos dias de semana fervilha com vida e labor, à noite ecoa de tão absoluta inatividade e durante todo o dia dominical jaz abandonado. E é daqui que Bartleby faz seu lar…”). Apesar da irritação e dos problemas que o estranho individuo lhe acarretam, esse patrão acaba sentindo-se responsável pelo seu destino. Na verdade, é como se no mundo capitalista se infiltrasse um vírus de não-produtividade que colocasse em xeque todas as regras da economia e da hierarquia social.
Herman Melville escreveu uma obra prima muito adiante do seu tempo. Bartleby é um personagem que antecipa todos os anti-heróis do século seguinte, e até do nosso.  O autor de Moby Dick era realmente um visionário e poeta da prosa.
Por isso não apreciei a solução de Irene Hirsch para a emblemática declaração do bizarro escrevente. Há poesia na recusa de Bartleby, pois é uma recusa dentro de uma formulação da Possibilidade: “prefiro”, “preferia” ou “preferiria” não fazer, ou seja, há a possibilidade de fazer, mas abriu-se um pequeno e decisivo lapso: a “preferência”. Não é uma recusa propriamente dita: não vou fazer. É uma preferência que, manifesta, abole a possibilidade de fazer o que é solicitado. É minha opinião que tudo isso se perde no “acho melhor não”.
A superioridade indulgente do patrão sofre um profundo arranhão: “Pela primeira vez em minha vida, fui tomado por um sentimento de opressiva e doída melancolia. Eu não conhecera até então senão uma leve e nada desagradável tristeza. O laço comum da humanidade fez com que eu fosse golpeado por um irresistível desalento… Pois tanto eu quanto Bartleby éramos filhos de Adão”.
              Mas como todo texto em que o narrador nos fala de outro individuo, ele – mesmo sem o saber – termina por se revelar tanto quanto o seu objeto de estudo o interesse. Um dos mistérios de Bartleby, o escrevente é o mal-estar e a má consciência do patrão. Tente, caro leitor, descobrir o porquê mergulhando em páginas inesquecíveis. É mais ou menos como descobrir se Capitu traiu Bentinho.

VER AQUI NO BLOG: https://armonte.wordpress.com/2011/09/27/parede-e-muro-o-medico-e-o-mutismo-do-monstro/

Bartleby, o escrevente - Jornal

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