(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 06 de novembro de 2018)
Maria Valéria Rezende, campeã de prêmios de romances dos últimos anos, lançando livros de contos, “A FACE SERENA” e “HISTÓRIAS NADA SÉRIAS”.
O primeiro vem sendo burilado através de várias versões. Em meio a diversas histórias de adolescentes temos “Monstro” onde um bebê nasce pela metade, temos “Especulofobia”, onde um homem jamais viu o próprio reflexo. Temos o pungente, o juiz não entende onde uma mãe inteira o dinheiro para construir um quarto para o filho que está na FEBEM. E temos, finalmente, “O muro” obra síntese das escolhas de vida da grande escritora: “Nem pensei em voltar para a passagem no muro. Deus atirou-me para dentro de seu samburá de estreita boca, já não me debato. Soube logo que subiria, mas não por qual caminho, até que vi, pouco mais adiante, numa parede suja daquele mesmo beco, a marca do menino magro, fresca e brilhante, um fio de vermelho líquido ainda escorrendo. O único sinal que eu, vagamente, podia interpretar, neste mundo estranho onde nunca antes sequer imaginei penetrar. Meti-me pela viela que, alguns metros adiante, ao topar com uma parede de zinco e madeira carcomida, quebrava-se para a esquerda. Ninguém. Tive a impressão de que já não havia mais ninguém nesse labirinto, só eu e o menino pichador, porque pouco antes de que o caminho se bifurcasse, mais acima, vi outra vez a rubra assinatura. Sem outro fio senão aquele para guiar-me, eu o segui. Hesitei na bifurcação, mas ela estava lá outra vez, a marca, dizendo-me que lado escolher, direção que tomei sem mais duvidar, entranhando-me na armadilha das ruelas intrincadas”.
Durante muitos anos, Valéria participou do clube do conto da Paraíba. Isso explica sua versatilidade e profissionalismo, destaco dois textos de “HISTÓRIAS NADA SÉRIAS”, “Happy hour” onde um empresário falido arrota mentiras até a hora de pegar seu táxi. Em “A chave”, uma ero moça é assediada por dois passageiros e tem uma solução genial. Os dois livros compartilham o mesmo texto com finais diferentes: “Vidraça” (de “HISTÓRIAS NADA SÉRIAS”) e “Pelas superfícies” (de “A FACE SERENA”). Confesso que prefiro o final ironicamente singelo de “Vidraça”.
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