MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

11/09/2018

NATURALISMO SÉCULO 21


(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 11 de setembro de 2018)

Há vertentes literárias que foram sendo desprestigiadas ao longo do tempo e seus autores, embora tenham importância histórica, são considerados de segunda linha. É o caso do naturalismo e seus expoentes como Aluísio Azevedo (“O mulato”, “O cortiço”) e Adolfo Caminha (“A normalista”, “Bom crioulo”). 

Em minha opinião, não há nada de errado com eles e não me surpreende encontrar exemplo da ótica naturalista no nosso século. E é o que concluo da leitura de ANTES QUE DEUS ME ESQUEÇA”, de Alex Andrade. O narrador, na prisão recorda sua trajetória em que os atavismos contam mais que as escolhas.  

O negro Joca, fruto de um estupro, cresce num bordel porque sua mãe foi expulsa de casa, no bairro de Encantado, ao qual volta, encontrando a família dividida: uma parte é evangélica, outra, ligada ao jogo do bicho. Joca torna-se a ponta do e a ponta fluente (desculpe o clichê) e as assistimos o mergulho na criminalidade que o levará para a cadeia: “O desespero foi tomando conta de tudo outra vez. Aos poucos, fui perdendo as forças, escorregando pela parede, enquanto a fumaça preenchia a cela. Quando enfim a porta se abriu, fui arrastado para o outro lado. Bandos de homens ateavam fogo em tudo. Não houve tempo de olhar para trás. Um buraco surgiu à frente: ‘Entra’, gritavam. Por um túnel, fomos seguindo durante horas; alguns me arrastavam feito um pacote se desfazendo. Quando a sede batia, era a água que se misturava ao barro que bebíamos. A mesma água que era lançada no meio dos cornos para me reanimar. Veio tudo à tona. Os pesadelos diante dos precipícios, as histórias do bordel, meus tios, minha mãe, todas as coisas e eu. Quando o sol surgiu à frente, fechei os olhos para não chorar. Deitei na grama verde, entre uma moita e um riacho que passava perto de mim, e deixei aquela luz arder sobre o meu corpo” o naturalismo ainda respira. 

 

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