(Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 16 de janeiro de 2018)
Sempre digo que não dá para ler tudo nem gostar de tudo. Mesmo assim, com a morte de Carlos Heitor Cony, fiquei perplexo ao constatar quão pouco li de sua obra, apenas dois livros: “ROMANCE SEM PALAVRAS” e “Matéria de memória”.
Acho genial o título “ROMANCE SEM PALAVRAS”. Queria saber como ele solucionou o paradoxo. O narrador relata a estória aparente, ligada à ditadura: ele dividiu a cela com um padre, Jorge Marcos, barbaramente torturado. Com a ajuda de Iracema, sua grande paixão consegue libertá-lo. Jorge Marcos desiste de seus votos religiosos e casa com a Iracema. Beto, o narrador, acompanha ao longo dos anos o aburguesamento do casal.
Mas há sempre a sombra do triângulo amoroso, pois Iracema é sempre esquiva, além de ambiciosa, Jorge Marcos se aproxima novamente da religião: “Iracema foi promovida. Diziam que fora rebaixada para cima, perdera fatias de poder na empresa mas fora compensada com um cargo mais alto e de melhor remuneração. Quando soube disso, desconfiei que ela própria manobrara no sentido de obter essa queda para cima”. Mais adiante: “—E o seu romance? Falta muito para terminar? – Não vou terminar nunca. Falta muita coisa para acontecer na minha vida… coisas sem palavras…”.
“ROMANCE SEM PALAVRAS” se torna digno de Machado de Assis e Nabokov: “Foi uma visita apressada, nem tive tempo de avisá-la. Bati em seu apartamento, em Higienópolis, um prédio dos mais antigos do bairro. Ela veio abrir, ficou espantada quando me viu. Falou meu nome nem alto: — Beto! Que surpresa! Ouvi um barulho na sala ao lado, de alguém que se retirava às pressas. Enquanto beijava Iracema no rosto, vi o vulto desaparecer”.
De quem é o vulto? Aqui permanece o mistério tanto quanto o de eu ter lido tão pouco Carlos Heitor Cony.
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