MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

30/09/2012

Autran Dourado capitula diante do “Senhor das Horas”


 

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Autran Dourado (1926-2012) começou a publicar, ainda em Minas, em Belo Horizonte, muito cedo, lá pelo final dos anos 1940 e começo dos anos 1950. Seus dois primeiros livros, Teia (muito devedor a uma tradição narrativa que vinha de Godofredo Rangel) e Sombra e Exílio (este, mais afim do universo de Lúcio Cardoso) são ainda bem fraquinhos. Ele os reuniu depois num volume chamado Novelas de aprendizado, mas seu primeiro livro “real”, por assim dizer, é Tempo de amar (1952), cujos personagens foram retomados depois num belo livro de maturidade, Ópera dos fantoches (1995), talvez o melhor dos seus textos derradeiros. Mas se eu tivesse de datar o nascimento do verdadeiro Autran Dourado, o que nos interessa mesmo, a data seria 1957 (quando ele já estava enredado com Juscelino, sendo seu assessor de imprensa), quando lançou Nove histórias em grupos de três,  título inspirado que infelizmente foi modificado em 1972, para Solidão Solitude, devido à inclusão de mais um grupo. No “inventário do Primeiro Dia”, nascia o alter ego de Dourado, João da Fonseca Nogueira e o ambiente que se tornaria depois a mítica Duas Pontes, palco da maioria das suas narrativas. Autran Dourado é um autor em espiral, cujo universo dá voltas e mais voltas sobre o mesmo eixo, o mesmo grupo de eventos e histórias, e cujos personagens retornam.

Fundada Duas Pontes (em Tempo de amar, houve o protótipo: Cercado Velho),  e com o interregno de A barca dos homens (1961), romance poderoso, exercitando o “realismo simbólico” que ele aprendeu com James e Mann, a madeleine começaria a trazer, ao ser mergulhada na taça de chá, a prima Biela e seu destino de solidão em Uma vida em segredo (1964), a família Honório Cota, o “gens” trágico de Duas Pontes, como se viu em Ópera dos Mortos  (1967) e se veria, décadas depois, no excelente Lucas Procópio (1985) e em Um cavalheiro de antigamente (1992; gosto muito desse livro,  reconhecendo, é claro,  não ser tão bom quanto os outros dois);  em Ópera dos Mortos (ainda o livro-referência do autor) também nasceu o maior personagem  criado por Autran Dourado, seu Donga Novais, ainda sem sua estatura oracular ,de “tecelão da insônia” , “ancião janeleiro” e “máquina de provérbios”. depois João da Fonseca Nogueira teve sua formação sentimental narrada no extraordinário O risco do bordado (1970)– e se eu tivesse de listar 10 romances essenciais da nossa ficção no século XX ele lá estaria.

Começavam os anos 1970 e Autran Dourado gozava de um prestígio imenso. Ele, então, publicou um livro  sobre a feitura de O risco do bordado e suas reflexões sobre o exercício narrativo,  Uma poética de romance (1973). Após outro interregno muito especial, o grande romance Os sinos da agonia (1974), ambientado na Vila Rica do século XVIII , em 1976 ele chegava ao ápice: ampliou o ensaio anterior num livro que eu adoro, Poética de romance matéria de carpintaria e lançou um livro que até hoje, infelizmente, é pouquíssimo conhecido, mas que não só dava vida às suas reflexões sobre a narrativa, como também é o meu favorito entre as suas obras (junto com O risco do bordado), tanto que foi o núcleo da minha tese, defendida na USP em 2002: Novelário de Donga Novais. Pode-se dizer que a partir desse livro, Dourado se apossou totalmente da sua Yoknapatawpha, e ao mesmo tempo, de maneira lamentável, se tornou um escritor para aficionados.

Nunca mais teve a repercussão anterior, a não ser por alguns prêmios importantes (o Goethe, o Camões). Anda, aliás, escandalosamente subestimado e esquecido. Quase não se fala mais dele e de sua obra, que ganhou uma pátina de recôndita e  antiga antes do tempo.  Não deu certo nem o timing da sua morte: como competir com Hebe ou mesmo com Ted Boy Marino?

Nessa fase mais obscura, alguns livros de mestre, mas muito voltados para a construção desse universo em espiral (caso de Armas e Corações, As imaginações Pecaminosas, Violetas & Caracóis, três coletâneas de contos que são simplesmente fantásticas, especialmente a primeira,; e Imaginações Pecaminosas,  num certo sentido  foi o último suspiro de maior notoriedade do grande escritor mineiro em termos de publicação de seus livros, pois nem a republicação de sua obra inteira pela Rocco conseguiu maior repercussão); já falei de Lucas Procópio e Ópera dos fantoches), e outros livros não tão felizes. Talvez o mais ousado entre os que não deram certo (na minha opinião, pelo menos) seja A serviço del-rei (1984), onde ele enfrenta a figura de Juscelino num relato meio mítico, tentando escapar do factual.  Não gosto muito, mas pelo menos é um vôo ambicioso. Em compensação, Um artista aprendiz (1989), uma espécie de Retrato do artista quando jovem “do doce”, Monte da Alegria, uma espécie de Os sertões “do doce” e Confissões de Narciso (1997), uma espécie de passeio stendhaliano sobre o amor, que é quase intragável de ruim, não deram certo.

O último Autran Dourado , salvo engano, me encheu de melancolia: O senhor das horas. O rescaldo de uma obra maravilhosa, de um demiurgo que não soube deixar seu universo em paz, na plenitude. Cronos realmente é um deus cruel.

(30 de setembro de 2012)

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6 Comentários »

  1. Acabei de chegar em casa e vi essa notícia. Atordoado! R.I.P Autran Dourado

    Comentário por Fabrizio Lyra — 30/09/2012 @ 17:23 | Responder

    • Valeu, Fabrizio. E agora foi o Eric Hobsbawn. Cruz credo.Parece liquidação dos melhores.
      Abração.

      Comentário por alfredomonte — 01/10/2012 @ 12:55 | Responder

  2. um big R.I.P para o escritor amado……

    Comentário por Francisco Nogueira — 30/09/2012 @ 21:51 | Responder

    • Pois é, Francisco, o Autran mereceria como título “Uma vida em segredo”. Cabe como uma luva para ele.
      Obrigado pelo comentário. Abração.

      Comentário por alfredomonte — 01/10/2012 @ 12:54 | Responder

  3. Alfredo eu sou fascinado por escritores (personalidades em geral) vivem “Uma vida em segredo”,lathe biosas, vivi la privacy. Um ósculo daquele que graças a seu blog está cada vez menos apedeuta 😉

    Comentário por Francisco Nogueira — 03/10/2012 @ 21:47 | Responder

    • De fato, Francisco, se eu tivesse de escrever um livro sobre Autran, colocaria o nome de “Um escritor em segredo”.
      Um forte abraço, Alfredo.

      Comentário por alfredomonte — 04/10/2012 @ 9:29 | Responder


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