(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 10 de abril de 2001)
Do reino encantado da abobrinha, saiu um herói pelo mundo a viajar na maionese. É O cavaleiro preso na armadura[1](The Knight in the rusty armor), de Robert Fisher.
Trata-se de uma fábula alegórica, isto é, apesar da ambientação medieval, tudo deve ser lido com relação ao nosso cotidiano. Mesmo porque, como naquelas palavras cruzadas cuja solução aparece ao lado (ou embaixo), Fisher ao mesmo tempo “fabula” (!!??) e fornece todas as chaves explicativas. Para que cansar a mente do leitor, obrigando-o a fazer interpretações sobre o sentido do texto?
Ainda assim, o livro impactou sua editora norte-americana Marcia Grad, também autora de fábulas (as quais, segundo ela, têm o objetivo de oferecer “insights para a pessoa compreender, aceitar e amar a si mesma e o universo”), como, por exemplo, A princesa que acreditava em contos de fada, em cujo posfácio se lê a respeito de O cavaleiro preso na armadura: “…é mais que um livro. É uma experiência que irá expandir sua mente, tocar seu coração e abrir sua alma…” Coisa linda,não? Ela deve mesmo acreditar em contos de fada.
Por que o cavaleiro de Fisher fica preso na sua armadura? Durante anos, ele se esforçou para ser o cavaleiro número um do reino e ficou tão absorvido em provar isso que já não tira mais a armadura e a mulher e o filho chegam a esquecer sua aparência sem ela. Até que Juliet, a esposa, dá um ultimato: ou a armadura ou eles. Para não perder a família, ele resolve tirar a armadura. Não consegue, está entalado nela.
Sua única saída é abandonar o reino e ir à procura do mago Merlin, para (a mensagem é clara) “trazer seu verdadeiro eu para diante do olhar”. Só encontra Merlin depois de vagar pela floresta. Diz a ele: “Há meses estou perdido”. O mago replica: “Toda a sua vida”.Esse encontro com Merlin ainda proporciona ao leitor diálogos de uma profundidade abobresca e maionésica que deixaram quem aqui escreve atordoado. Merlin oferece uma bebida ao cavaleiro sedente e faminto. O cavaleiro: “O que é esta bebida?” Merlin: “Vida”. O cavaleiro: “Vida?” Merlin (a essa altura chamado de “sábio mago”): “Não parecia amarga no início, e depois, enquanto você provava mais, não ia se tornando agradável?… Foi quando você aceitou o que estava bebendo”. O cavaleiro: “Você quer dizer que a vida é boa quando a aceitamos?” É isso aí, Gafanhoto.
Merlin mostra ao cavaleiro que, para conseguir se livrar da sua armadura, precisa trilhar o caminho da verdade, que passa por três castelos. Antes de seguir esse caminho, o cavaleiro chora por sua família perdida. Merlin, é claro, não podia ficar calado: “Você acaba de dar o primeiro passo para sair dessa armadura” (e uma parte da armadura se desprende): “A tristeza que ele sentira fora tão profunda que a armadura não pudera protegê-lo dela. Muito pelo contrário, suas lágrimas haviam começado a romper o aço que o circundava…”
E lá se vai o nosso cavaleiro, ainda entalado, acompanhado por dois insuspeitáveis animaizinhos falantes (um esquilo e uma pomba), provas definitivas do mal que Walt Disney fez ao planeta Terra, com seus bichos antropomorficamentes piegas. Não seria mais fácil ele sentar às margens do rio Pietra e chorar, chorar, chorar?
No Castelo do Silêncio, ele encontra o rei, que diz: “… quando estava com alguém mostrava apenas a minha melhor imagem. Não deixava as barreiras cederem e não permitia que nem eu nem a outra pessoa víssemos o que eu estava tentando esconder”. A solução para o dilema está no silêncio do castelo: “É preciso ficar sozinho para deixar a armadura cair”. Quando o cavaleiro fica efetivamente só, sua dor emerge e o que ele faz? Ele chora. Já houve um Tristão, temos agora um Chorão.
A coisa não fica por aí, ele ainda tem de se defrontar com seu “verdadeiro eu” (é, leitor, não é mole, não), que pede para ser chamado de Sam (!!!???) e diz: “… esta é a primeira vez que você fica quieto o bastante para me escutar”.
Depois vem o Castelo do Conhecimento. Ali, o cavaleiro encontra primeiro escuridão até que a luz vai se fazendo, dentro e fora dele. O indefectível Merlin aparece e comenta: “Não há nada mais bonito do que a luz do auto-conhecimento”!!!!!!!!????? Ali ele descobre, igualmente, que deveria ser uma árvore: “Esta árvore está fazendo exatamente o que as macieiras devem fazer: realizando seu potencial para benefício de todos. Você recebe a mesma energia vital que a árvore. Usa a mesma água, o mesmo ar e o mesmo alimento da terra. Garanto-lhe que se aprender com a árvore, também poderá gerar os frutos que a natureza tem o propósito de gerar” (não, não, não, deviam era aconselhar uma vasectomia, imaginem pequenos Sams soltos por aí).
Para chegar à tal plenitude vegetal, é preciso passar ainda pelo Castelo da Vontade e da Ousadia, enfrentando dragões terríveis, que são seus medos e dúvidas. Derrotando-os, ele chega ao pico do Caminho da Verdade, de onde precisa se desprender para cair no abismo no qual “relembrou tudo em sua vida que tinha culpado: sua mãe, seu pai, seus professores, seus amigos e todos os outros. À medida que mergulhava mais fundo no vazio, desprendia-se de todos os julgamentos que fizera contra essas pessoas (…) aceitou plena responsabilidade por sua vida…”
O aprendizado do Chorão chega, então, ao clímax da abobrinha com molho de maionese: “Quase morri pelas lágrimas que deixei de chorar”. E aí, o que acontece, após tão linda frase? “As lágrimas rolaram pó sua face, passaram pela barba e atingiram o peitoral. Oriundas do coração, eram extremamente quentes e rapidamente derreteram o que restava da armadura”. Que coisa bonita esse “oriundas do coração”, não? Extremamente quentes como estavam devem ter atravessado o couro cabeludo e derretido os neurônios, o talento, a profundidade. O cavaleiro fica sem armadura e os leitores mais estúpidos, depois de fábula tão tola…
[1] Cuja edição brasileira, traduzida por Luiz Paulo Guanabara, tem o seguinte subtítulo: Uma fábula para quem busca a trilha da verdade.
O pior é que o cara desperdiçou uma ideia legal… o cara preso na armadura enferrujada e a mulher exigindo solução podia dar um livro engraçadíssimo de aventuras e trapalhadas…
Comentário por MValéria Rezende — 18/05/2011 @ 19:35 |
Mas o problema, minha caríssima, é a idéia de “emoção”, que tem de ser “levada a sério”, e se traduzir em lágrimas. No fundo, é a fórmula “quando nietzsche chorou”: o choro enquanto índice de emoção, sinceridade, autenticidade dos sentimentos. O riso não tem essa “legitimidade”.
Bjs.
Comentário por alfredomonte — 19/05/2011 @ 8:02 |