MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

22/04/2011

A irrisória Verdade com “v” maiúsculo



(Resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 25 de junho de 2006)

Aparentemente, há duas maneiras de se encarar O Código da Vinci: ler o romance de Dan Brown como um divertido e ágil thriller, no qual o artifício de fazer a ação ocorrer quase toda em poucas horas é muito bem explorado, mesmo achando a parte supostamente polêmica uma bobagem; ou então, levar a sério sua tese de que houve uma conspiração da igreja para encobrir a ligação de Cristo com Madalena, a qual estaria cifrada na obra de Leonardo da Vinci, e, a partir dessa atitude, aceitar ou rejeitar o livro, dependendo da postura religiosa.

Contudo, não é tão simples assim. Eu normalmente adotaria a primeira maneira e leria O Código da Vinci da mesma maneira como leio, digamos, Michael Crichton, no entanto fiquei revoltado com a gritante certeza que Dan Brown tem do rebaixamento generalizado do nível cultural dos leitores.

Chega a ser ofensiva a forma com que ele coloca como “enigmas” as coisas mais óbvias e rasteiras. Por exemplo, quando  o trio de investigadores (o professor de Simbologia Robert Langdon, a criptógrafa Sophie Neveu e o historiador do Graal Leigh Teabing) procura a senha de acesso ao cilindro que contém a pedra-chave que revelaria a localização do Graal, não é preciso ser muito atento ou inteligente para perceber, páginas antes, que a tal senha será, inevitavelmente, o nome da heroína (Sofia= sabedoria, em grego); no caso da próxima senha, como se trata de Isaac Newton (é no túmulo dele, em Londres, que se concentra o clímax da trama), o leitor percebe que a senha só pode ter a ver com a indefectível maçã a ele associada (e pensar que os protagonistas são apresentados  como “especialistas” em símbolos, alegorias e mensagens cifradas em obras de arte e números, e  ficam às voltas com essa cultura de almanaque que protege “o maior segredo da Humanidade”). Que piada! Pior ainda: é impossível não sacar que Leigh Teabing é o vilão por trás de tudo. E o constrangedor final, com sua propaganda da pirâmide modernosa que Mitterrand colocou no Louvre?

É por essas coisas que não dá para encarar O Código da Vinci meramente como uma aventura, à base da caça ao tesouro, divertida e ponto final. Estamos diante de um nível de conhecimento muito tosco para que a leitura não cause desconforto. E também há o fato de que uma idéia insuportavelmente pretensiosa sustenta esse corre-corre turístico entre Londres, Paris, Roma, Vaticano e Escócia: a de que existe uma Verdade que deve ser desmascarada (é o mesmo tipo de concepção que sustenta  Os Crimes do Mosaico, comentado aqui na semana passada). Como diz Teabing, e é o que Dan Brown evidentemente espera que os leitores acreditem a respeito da sua tola historieta: “Sirvo a um mestre que está muito acima do meu próprio orgulho. A Verdade. A humanidade merece conhecer essa verdade.”


E daí que fosse Verdade (com V maiúsculo, prefere-se aqui a verdade minúscula) que a igreja manipulou a biografia de Cristo ? Os seres humanos eram melhores antes ? E seriam melhores com essa releitura ? Além disso, o leitor atento percebe que, chegando perto do final, Brown se apressa em livrar a barra da Opus Dei, como já livrara o Vaticano, de quaisquer intervenções perversas. Tudo fica por conta de Leigh Teabing.

No final, O Código da Vinci acaba lembrando muito os seriados criados por J. J. Abraams (diretor de Missão Impossível III), particularmente Alias, que teve saborosas e estapafúrdias temporadas de caça ao tesouro, em busca dos artefatos de um genérico do grande Leonardo, Carlo Rambaldi: era enigma atrás de enigma, criptograma atrás de criptograma, profecia atrás de profecia, sempre um gostinho de revelação apocalíptica prometida, e no final não se chegava a nada. O mundo não mudava, os alicerces da realidade continuavam os mesmos. Com Verdades (com V maiúsculo) assim, a igreja Católica e qualquer outro poder que represente o establishment podem dormir tranqüilos.

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