(resenha publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 28 de maio de 2005)
O psicoterapeuta Irvin D. Yalom faz muito sucesso atualmente com um romance de título ridículo, Quando Nietzsche chorou. Nele, após fracassar em conseguir uma melhor interação pessoal, o médico Josef Breuer (cujo nome está indissociavelmente ligado às primeiras pesquisas de Freud rumo aos conceitos que fundaram a psicanálise) faz o seguinte diagnóstico de um dos três grandes pensadores carismáticos (junto com Schopenhauer e Kierkegaard) do século XIX: “…devido aos seus temores sociais e à misantropia, Nietzsche escolhe um estilo impessoal e distante. É claro que está cego para isso: o que faz é desenvolver uma teoria para racionalizar e legitimar o enfoque de seu aconselhamento. Assim, não oferece nenhum apoio pessoal, jamais estende uma mão confortadora, perora para mim de uma plataforma elevada, recusa-se a admitir seus próprios problemas pessoais e não se dirige a mim de uma forma humana”.
A fórmula se repete em A CURA DE SCHOPENHAUER (The Schopenhauer cure,2005, em tradução de Beatriz Horta, lançada pela Ediouro). Breuer agora é Julius Hertzfeld (olha o sobrenome!) e enfrenta o desafio de colocar Philip Slate/Nietzsche num grupo de terapia. Slate havia sido um dos fracassos de Hertzfeld. Ao saber que tem uma doença terminal, resolve saber o que foi feito dele e descobre que está para se tornar também um terapeuta, oferecendo “orientação filosófica” aos pacientes, isto é, um trabalho de “biblioterapia”, a cura pela leitura de pensadores, especialmente a de Schopenhauer.
Slate precisa de estágio e por isso aceita participar do grupo de Hertzfeld, causando desconforto: em primeiro lugar, pela sua recusa de interagir pessoalmente e por citar, quase de cor, trechos schopenhaurianos quando a atenção se volta para ele; depois, com a volta (da Índia) de um dos membros, Pam, há a desagradável revelação de que ele a seduzira quando era seu professor e destruíra o relacionamento dela com sua melhor amiga (com quem ele também transara), prejudicando seus futuros investimentos erótico-afetivos.
Toda a dinâmica narrativa de A CURA DE SCHOPENHAUER consiste em quebrar a resistência de Slate e obrigá-lo a chorar, tal como Nietzsche, no reconhecimento da necessidade de interagir com os outros e ser afetado por eles. Enfim, uma bobagem. É difícil de acreditar que alguém possa levar a sério esse tipo de auto-ajuda com roupagem aperfeiçoada.
Embora eu considere terapia em grupo uma coisa inimaginável, e fundamentalmente descreia de algo como uma cura emocional, o romance de Yalom poderia ser uma dramatização literária das experiências de um especialista na área, por que não? O que torna o livro desonesto e desastroso (dando muito saudade do psiquiatra Hannibal Lecter e sua relação com a empatia) é que, talvez embalado pelo sucesso de Nietzsche como personagem, Yalom resolveu inserir Schopenhauer numa história contemporânea que não precisava dele.
Colocou como representante das suas idéias o personagem mais antipático e exasperante da trama (e a necessidade de introduzir noções filosóficas em meio ao cotidiano acabou gerando mais pobreza literária: tem até o membro do grupo estereotipadamente rústico que nunca entende as referências a filósofos e artistas e a quem—e ao leitor, por extensão—se explica tudo da forma mais simplificada). Colocou capítulos em que se narra a biografia do autor de O mundo como Vontade e Representação, caricaturizando os fatos da sua vida e seus conceitos com uma espécie de tosca pesquisa escolar.
O momento mais grotesco, no entanto, é quando a insuportável Pam diz ao seu desafeto que defendia a tese (budista e schopenhauriana) de que “a vida é sofrimento”: “Fala sério, Philip! Será que lembrou que Schopenhauer tinha depressão crônica e que Buda viveu num tempo e num lugar em que havia muito sofrimento causado pela peste e pela fome? E que, para a maioria das pessoas, a vida era realmente um sofrimento sem fim?”!!!! Nós realmente superamos isso e vivemos num tempo sem sofrimento, sem penúria, sem pestes e sem fome! Fala sério, Irvin D. Yalom!
quaquá!!! excelente resenha, bem-vinda demolição dessas empreitadas caça-níqueis.
denise
Comentário por denise bottmann — 23/01/2011 @ 16:18 |
Cara Denise, só espero que a minha diatribe anti-Yalom não me traga leitores furiosos e ofensivos como os de Dan Brown, que me renderam comentários quase que homicidas.
Um abração.
Comentário por alfredomonte — 25/01/2011 @ 15:37 |
Tempo sem fome e sem sofrimento ?
Comentário por Lucas cabral — 13/11/2012 @ 19:53 |
Pois é, uma Idade de Ouro.
Abração, e obrigado.
Comentário por alfredomonte — 14/11/2012 @ 9:49 |