MONTE DE LEITURAS: blog do Alfredo Monte

04/03/2010

PRECIOSA


“Ela conhecia ligeiramente a estação da estrada de ferro. Era um lugar que ela gostava de visitar, pois lembrava-lhe a velha África,  os dias de desconforto nos trens apinhados, as viagens vagarosas de travessia das grandes planícies, ou a cana-de-açúcar que se costumava chupar para o tempo passar mais rápido, ou o bagaço da cana que se costumava cuspir para fora das amplas janelas. Aqui ainda era possível ver essa velha África, ou uma parte dela, aqui, onde os trens que vinham do Cabo passavam devagar diante da plataforma em sua viagem via Botsuana para Bulawayo; aqui, onde as lojas indians ao lado dos prédios da estação continuavam a vender cobertores baratos e chapéus para homens com uma pena espalhafatosa enfiada na fita.

     Mma. Ramotswe não queria que a África mudasse. Não queria que seu povo se tornasse igual a qualquer outro, desalmado, egoísta, esquecido do que significa ser africano, ou, pior ainda, envergonhado da África…”

“Tudo aquilo era útil, da primeira à última linha, quer tratasse dos previsíveis discursos dos políticos, quer das notícias da igreja. Nunca se podia saber quando algum conhecimento local se tornaria útil.”

Além das suas qualidades como tramas policiais e como ficção pura e simplesmente, os livros de Agatha Christie enfocando Miss Marple têm, sobretudo, charme (os de Poirot também, evidentemente). Esse foi um dos fatores que me irritaram na leitura de O clube filosófico dominical: tudo era prosaico, sem graça, não havia charme. No entanto, que diferença encontramos em outro livro de Alexander McCall Smith, Agência número 1 de mulheres detetives (1998). Não sei como qualificá-lo dentro da ficção ou do gênero policial, não sei se ele é um ótimo livro, porém ele tem charme, assim como sua heroína, a deliciosa Preciosa Ramotswe, uma africana da gema que, aos 34 anos, resolve ser a primeira mulher-detetive de Botsuana, após cuidar do pai durante 14 anos, até sua morte (ela havia sido abandonada pelo marido, que a espancava, e seu filho só vivera por alguns dias). A descrição dos detalhes concretos, de como ela usa sua herança para montar a agência e a casa onde mora, a contratação da secretária, as reflexões de Mma. Ramotswe, os casos que ela investiga, tudo é muito revelador de uma curiosa característica de McCall Smith que é muito presente também no livro de Edimburgo (ver post abaixo), mas que ali desandava: ele tem uma visão muito prosaica da vida, da sociedade e das relações. Sua detetive chega a ser simplória e singela. E isso cai como uma luva. Mesmo porque o livro é muito discreto com relação ao que poderíamos chamar de “investigações”. Já notara (embora ele seja posterior) a falta de fôlego evidente em O clube filosófico dominical. Não se tinha um romance ali, de jeito nenhum. E também não temos um romance, no sentido convencional, em Agênica número 1 de mulheres detetives. O que temos é um livro de contos disfarçado numa narrativa mais geral, uma série de anedotas meio que frouxamente reunidas, porém tão saborosas em si mesma, e com o mesmo denominador comum, que é Mma. Preciosa Ramotswe, que não consigo ver a falta de fôlego como uma falha, e sim um elemento da visão de mundo de McCall, que não sei porque se perdeu na passagem de Botsuana para Edimburgo.

Há um caso que atravessa uma boa parte do livro (o menino que é sequestrado,  e que parecia ter sido vítima de feiticeiros–há até a descoberta de um dedo que poderia ser dele, porém ele não foi sacrificado em nenhum ritual:era utilizado como um escravo, sendo resgatado por Preciosa Ramotswe). De resto, temos a história de como a agência foi criada, a história do pai dela, do seu casamento com o marido que não vale nada (que a tornará refratária às propostas de casamento, até o final inesperado), e a investigação de 7 casos prosaicos (é preciso dizer que são deliciosas as referências ao manual de detetive que nossa heroína estuda atentamente): há o caso do impostor que se passa por pai de uma sub-contadora bem-sucedida; há um marido que mergulhara num culto religioso e desaparece (na verdade, ele foi devorado por um crocodilo); há o caso da filha adolescente do retrógrado senhor Patel, que é um momento muito movimentado e divertido do livro, pois mma. Ramotswe tem de segui-la pela cidade, e comete muitos erros que não constam do manual; há o caso da mulher que se preocupa porque o marido roubou um carro . há o caso impagável do marido mulherengo, com quem a própria Preciosa sai para provar sua infidelidade (quando mostra as fotos que tirou com ele para a esposa, é destratada e xingada), há o caso do empregado que forja um acidente, alegando ter perdido um dedo, para conseguir uma indenização, e, finalmente, temos o caso do médico que uma hora é competente, na outra é inepto, outro que faz com que a detetive se desloque para cá e para lá com sua pequena van branca.

1 Comentário »

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    Comentário por Detetive Online — 15/12/2010 @ 9:50 | Responder


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