[Juan Carlos Onetti]
{Eugene Ionesco}
100 anos- Em 2009, a escritora alemã Herta Müller ganhou o Nobel. Exatamente cem anos atrás, a sueca Selma Lagerlöf (1858-1940) tornava-se a primeira mulher a receber o prêmio. Não conheço muito bem sua obra, só li algumas histórias de De saga em saga, uma coletânea que aparece numa coleção dos premiados com o Nobel, porém há um ensaio excelente de Marguerite Yourcenar sobre ela em Notas à margem do tempo, e que nos faz vislumbrar um universo fascinante.
No mesmo ano em que a autora de A saga de Gösta Berlings (seu livro mais conhecido) se tornava a pioneira de uma lista ainda muito pequena, nascia na Romênia natal de Herta Müller um dramaturgo originalíssimo, que faria parte do chamado “teatro do absurdo”: Eugene Ionesco, de A cantora careca, Os rinocerontes; A lição; e, no Uruguai, um dos prosadores que mais mereceriam o Nobel no século XX: Juan Carlos Onetti, com obras do calibre de A vida breve, O estaleiro & Junta-Cadáveres, e que forma, com o argentino Jorge Luis Borges e o mexicano Juan Rulfo a santíssima trindade da ficção hispano-americana.
Também em 1909, nascia o grande pensador italiano Norberto Bobbio, autor dos ensaios maravilhosos reunidos em Nem com Marx, nem contra Marx. E na Letônia nascia o luminoso Isaiah Berlin (que faria carreira na Inglaterra), o autor de Pensadores russos, um pensador que gostava mais de escrever ensaios do que preparar “livros”. E naquele ano, Lima Barreto lançava seu libelo anti-racista que também, e principalmente, é um poderoso romance, Recordações do escrivão Isaías Caminha.
75 anos- De 1934, gostaria de destacar dois romances essenciais: o maior livro de Graciliano Ramos, São Bernardo (ser o melhor livro de um escritor como Graciliano é um fato por si só notável; para mim, aliás, os maiores romances brasileiros do século passado são Grande sertão: veredas; A maçã no escuro; São Bernardo & Triste fim de Policarpo Quaresma); e o terrível e avassalador Morte a crédito, de Louis-Ferdinand Céline (que talvez seja até maior do que sua obra-prima anterior, Viagem ao fim da noite). Vidas secas e cheias de angústia no Nordeste e na França. A vida lembrada, cá e lá, como memórias do cárcere
50 anos- É difícil escolher o acontecimento literário supremo de 1959, ano em que morria o grande Raymond Chandler, pois nesse ano iniciavam suas carreiras gloriosas nomes como Günter Grass, com O tambor de lata, certamente um dos maiores romances já escritos; os outros não começaram já nesse patamar: Philip Roth (Adeus, Columbus), Vargas Llosa (Os chefes) e Dalton Trevisan (Novelas nada exemplares). O único título comparável em magnitude ao de Grass talvez seja O almoço nu, que revelou o universo muito peculiar de William Burroughs, mas cuja legibilidade maior foi possível graças à notável versão cinematográfica de David Cronemberg (a versão de O tambor nada tem de notável). Mesmo assim, um romance cinquentenário pelo qual tenho um carinho especial é Um cântico para Leibowitz, de Walter M. Miller Jr, merecidamente um clássico da ficção científica, mas que não se restringe a um “livro de gênero”. Na área de contos, é difícil pensar num título mais importante do que As armas secretas, de Cortázar, não só por causa da sua qualidade literária (o meu favorito é “Cartas da mamãe”, mas o mais considerado é “O perseguidor”, baseado na vida de Charlie Parker), como pela sua influência na literatura dos anos 60 e 70: basta lembrar que “As babas do diabo” foi a inspiração de Antonioni para seu Blow up (1968). Também não se pode esquecer a irreverência, a jovialidade e o trato de linguagem de Zazie no metrô, a obra-prima de Raymond Queneau.
Em 1959, Jean-Paul Sartre dedicou-se a escrever um roteiro imenso (depois não utilizado, naquela época não existiam as produções para a tv a cabo, não existia a HBO; mesmo assim, Sartre resmungou que as pessoas tinham paciência para ver quatro horas da vida de Ben-Hur e não tinham para ver a vida do criador da psicanálise) sobre a vida de Freud para John Huston. O filme é ótimo, mas o texto de Sartre não fica atrás: Freud, além da alma; o marcante romancista português Vergílio Ferreira lançou sua obra mais famosa, o difícil porém importante Aparição; e há quem ache uma obra-prima (não é o meu caso) Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso, ainda assim um livro que se deve levar em conta. Em todo caso, eu prefiro o folhetinesco Asfalto selvagem, as deliciosas desventuras em série de Engraçadinha, uma das grandes criações de Nélson Rodrigues
25 anos- Em 1984, morriam tanto Cortázar quanto outro autor genial, Truman Capote, cujo inacabado romance Súplicas atendidas foi lançado no Brasil este ano pela L&PM, e que prova o incrível trabalho feito pela sua alcoólica mãe (que tinha vergonha da homossexualidade do filho) para lhe incutir culpa e autodesprezo. Numa vertente gay oposta, de eliminação de toda essa automortificação, temos um clássico da nossa ficção recente, Vagas notícias de Melinha Marchiotti, de João Silvério Trevisan, um romance paródico, inventivo e infelizmente pouco conhecido, assim como Democracia, da norte-americana Joan Didion, e até mesmo O ano da morte de Ricardo Reis, o menos popular (e o melhor) José Saramago. Muito conhecido, pelo contrário, e igualmente notável é O amante, de Marguerite Duras.
julio cortázar & truman capote]
25 anos- Em 1984, morriam tanto Cortázar quanto outro autor genial, Truman Capote, cujo inacabado romance Súplicas atendidas foi lançado no Brasil este ano pela L&PM, e que prova o incrível trabalho feito pela sua alcoólica mãe (que tinha vergonha da homossexualidade do filho) para lhe incutir culpa e autodesprezo. Numa vertente gay oposta, de eliminação de toda essa automortificação, temos um clássico da nossa ficção recente, Vagas notícias de Melinha Marchiotti, de João Silvério Trevisan, um romance paródico, inventivo e infelizmente pouco conhecido, assim como Democracia, da norte-americana Joan Didion (sempre cito uma de suas frases, “ninguém está isento do movimento geral”, e sua heroína, Inez Christian Victor, é como se fosse uma amiga pessoal), e até mesmo O ano da morte de Ricardo Reis, o menos popular (e o melhor) José Saramago. Muito conhecido, pelo contrário, e igualmente notável é O amante, de Marguerite Duras, a qual justamente em 1959 havia escrito o mais belo dos roteiros em hiroshima, meu amor, dirigido por Alain Resnais.
que magnífico trabalho, que magnífica apresentação!
aprendi muito, obrigada.
abraço, um bom 2010.
Comentário por denise bottmann — 29/12/2009 @ 16:11 |
Falar o que diante de lembranças de tantas obras e autores dignos de estar aqui e em qualquer lugar onde há vida inteligente? Eu vou é acrescentar, fazer o quê?
Pois lá vai: junto com o clássico de Walter M. Miller Jr.(ótima lembrança esta sua, Alfredo), eu vou lembrar de “Solaris” de Stanislaw Lem (magnífico livro e grandíssima história de amor!), o delicioso e formidável livro de Richard Flanagan, “O Livro dos Peixes de William Gould”, o elegíaco e sublime “Cântico para a Última Viagem” de Erik Fosnes Hansen (ninguém fala nada desta obra-prima, será por quê?), “O Mensageiro” de L.P.Hartley (que gerou uma outra obra-prima do cinema e dirigido com savoir faire por Joseph Losey), aquele épico chamado “Berlin Alexanderplatz” de Alfred Döblin, os contos arrepiantes de Mary Flannery O’Connor, “O Anatomista” de Federico Andahazi (um petardo direto ao coração), “Também se morre assim” e “O Olhar de Despedida” do melhor autor “hardboiled” depois de Raymond Chandler, o grande Ross Macdonald, todos os livros de um genial escritor português chamado Francisco José Viegas e, vou parar por causa de dispnéia, Manuel Vazquez Montalban e seus livros inesquecíveis com Pepe Carvalho.
Desculpe, Alfredo, mas a sua prosa crítica nos convida,leitores dela, a dar também os nossos palpites.
Um grande abraço e obrigado pelo excelente blog.
Comentário por Cássio Queirós — 04/12/2010 @ 13:44 |
Caro Cássio, aqui no meu blog você encotrará textos sobre UM CÂNTICO PARA LEIBOWITZ e BERLIM ALEXANDERPLATZ. Adoro O MENSAGEIRO, ainda mais o filme de Losey (para mim, o melhor dele) do que o livro de Hartley. SOLARIS, livro e filme (o de Tarkovski, é claro) é o que existe de mais lindo, realmente. E os contos de Flannery O´Connor foram matéria de muita conversa com meu amigo Miguel Loureiro (além do também arrepiante romance dela, SANGUE SÁBIO).
Mas eu não conhecia O LIVRO DOS PEIXES DE WILLIAM GOULD, nem fazia idéia de que seria algo interessante. Obrigado pela dica. Um grande abraço.
Comentário por alfredomonte — 07/12/2010 @ 12:29 |
Caro Alfredo, este seu blog é o paraíso para qualquer leitor, sem brincadeira. Eu vou ler e degustar o mais rápido possível os seus textos sobre “Um Cântico para Leibowitz” e sobre “Berlin Alexanderplatz”. Quanto a “THE GO-BETWEEN”…você está certo de novo. É destas poucas vezes em que um filme supera a sua fonte literária, por pouco, é verdade. Beira a perfeição em quase todos os quesitos: direção (Joseph Losey), roteiro (Harold Pinter), fotografia (Gerry Fisher), edição (Reginald Beck), direção de arte (Carmen Dillon), vestuários (John Furniss) e, é claro, aquela música hipnótica de Michel Legrand. E os atores, então? Margaret Leighton está soberba, Dominic Guard idem como o jovem Leo Colston, Michael Redgrave (dando elegância e dignidade ao já velho e amargurado Leo), Julie Christie linda e talentosa como sempre, Alan Bates em um dos seus melhores papéis no cinema. E não foi nem lançado em DVD no Brasil! Como é que se dorme com um barulho desses, meu caro Alfredo?
O filme de Andrei Tarkovski é outra pérola. Tanta porcaria ganha OSCAR e nada deste ganhar. Eu vou parar por aqui pois daqui a pouco eu começo a falar de Sergio Leone e seus magníficos “ERA UMA VEZ NO OESTE” e “ERA UMA VEZ NA AMÉRICA” que nunca foram nem indicados!
Quanto ao “O LIVRO DOS PEIXES DE WILLIAM GOULD”…pense em uma mistura perfeita de Alexandre Dumas, Herman Melville e Machado de Assis que você vai chegar perto do que eu acho do estilo deste livro do tasmaniano Richard Flanagan. Se você não concordar com o mérito do livro pelo menos do design dele você vai gostar…depois você me conta, caro Alfredo.
Um grande abraço e obrigado de novo pela simpatia e gentileza de sempre, Alfredo.
Cássio
Comentário por Cássio Queirós — 07/12/2010 @ 18:53